52 PMs são presos por corrupção e Rio pode recorrer à Força Nacional

18 de setembro de 2007 10:37

As Polícias Civil e Militar prenderam ontem 52 sargentos, cabos e soldados do 15º Batalhão da PM, de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, por associação para o tráfico, corrupção ativa e passiva e concussão (extorsão praticada por servidor). O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse que poderá chamar agentes da Força Nacional de Segurança para cobrir as áreas patrulhadas pelos detidos. A Justiça expediu ao todo 57 mandados de prisão de PMs da ativa e 2 de reformados – quase 10% do efetivo de 617 homens do batalhão.

Segundo o Ministério Público do Rio, os PMs cobravam propina para soltar traficantes presos, alertavam esses bandidos sobre operações policiais e recebiam propina semanal. Tentaram ainda convencer os criminosos a mobilizarem a população contra o comando do batalhão, que, segundo eles, estava sufocando o tráfico na região.

O esquema ligava os policiais a bandidos das Favelas de Parada Angélica e Santa Lúcia, distrito de Imbariê – cinco desses traficantes foram presos na blitz e dois continuam foragidos. Os policiais prestavam assessoria para o tráfico. Uma parceria intolerável. A resposta penal deve ser severa, disse o procurador-geral de Justiça do Rio, Mafran Vieira.

Se quisermos oferecer segurança para a sociedade, é imprescindível esse trabalho, disse Beltrame, referindo-se à operação de ontem, batizada de Duas Caras pela Polícia Civil. Apesar do alto número de policiais envolvidos, ele disse que não estranhou a ausência de oficiais da PM entre os acusados. Não apareceu nenhum oficial porque as investigações não comprovaram. Não adianta forçar a barra. Se tiver envolvimento de oficial, será investigado da mesma forma. Vieira disse que as investigações não apontaram provas do envolvimento de oficiais, mas o trabalho ainda não terminou.

Vieira revelou que a máfia do 15º BPM começou a ser investigada no início do ano, com base na apreensão de um caderno de anotações do traficante Juliano Gonçalves de Oliveira, o Juca Bala, detido no presídio de Bangu 3. Entre as anotações da contabilidade do tráfico havia o telefone de uma senhora identificada como Tia, cujo sigilo foi quebrado. Ela era o elo entre os maus policiais e traficantes, disse o chefe do MP do Rio.

De acordo com Vieira, em uma das escutas de telefonemas trocados entre policiais e traficantes, a equipe do 15º BPM se queixou com os bandidos do comandante do batalhão, tenente-coronel José da Silva Macedo Júnior. Os policiais orientaram os criminosos a procurarem um pastor evangélico para organizar um abaixo-assinado pedindo a transferência de Macedo Júnior. Beltrame ressaltou o fato de o tenente ter colaborado com as investigações. Mas a troca do comando do batalhão não está descartada pela cúpula da PM.

Essa não é a primeira vez que soldados do 15º BPM se rebelam contra tentativas de moralização da unidade. Eles já tinham sido acusados de matar duas pessoas em 30 de março de 2005, em retaliação contra o antigo comando do batalhão. A ofensiva para combater a corrupção na PM da Baixada Fluminense culminou, no dia seguinte, na maior chacina da história do Rio, com 29 mortos (Veja texto abaixo).

Na operação de ontem, alguns dos policiais começaram a ser presos de madrugada, quando largavam o turno, e outros quando chegavam para trabalhar. Participaram da blitz 100 homens, militares e civis, em 25 equipes coordenadas pela Corregedoria de PM. Quem não se apresentar em nove dias será considerado desertor, disse o chefe do órgão, coronel Paulo Ricardo Paúl.

Segundo a corregedoria, no ano passado 205 soldados foram excluídos da corporação, número baixo se comparado aos 11.175 procedimentos de investigação abertos. A maioria dos casos termina em punições disciplinares – foram 10.800 em 2006. Este ano, 161 PMs foram excluídos. A corregedoria abriu 5.381 investigações e 5.080 praças receberam punições disciplinares. Atualmente, 348 policiais estão presos no Batalhão Especial Prisional da PM, em Benfica, na zona norte.

Beltrame negou que o esquema desbaratado ontem tenha relação com os baixos salários. Isso (corrupção policial) é um problema histórico, que deve ter punição exemplar. Não tem relação com baixos salários. Salário não compra caráter, disse o secretário. O Estado está fazendo o que pode pela polícia, equipando, lutando por uma melhor remuneração e por mais dignidade no trabalho para os policiais.

O presidente da Associação de Ativos, Inativos e Pensionistas das Polícias Militares, Brigadas Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, Miguel Cordeiro, criticou a atuação da corregedoria da PM na operação. Ela deve garantir amplo direito de defesa para todos os suspeitos. Sou contra ladrão dentro da PM, mas não admito que seus direitos não sejam respeitados. Ladrão também é ser humano.

O processo de punição dos envolvidos deve ser longo. Eles serão submetidos a procedimento administrativo disciplinar, que será dividido em averiguação, sindicância e Inquérito Policial-Militar. Em seguida, o processo é enviado a um conselho disciplinar formado por 30 oficiais, que recomendam ou não a expulsão dos acusados ao alto comando da PM. Se condenados na Justiça, os policiais podem pegar penas de até 30 anos de prisão.

FRASES

Mafran Vieira
Procurador-geral de Justiça do Rio

Eles prestavam assessoria para o tráfico. Uma parceria intolerável. Eles cobravam para soltar traficantes presos, informavam os traficantes sobre as operações policiais e recebiam propina semanal

José Mariano Beltrame
Secretário de Segurança Pública do Rio

Se tiver envolvimento de oficial, será investigado

Policiais são acusados de decapitar vítima

TALITA FIGUEIREDO

O 15º Batalhão de Duque de Caxias tem um histórico de policiais investigados por suspeita de crimes. Em 30 de março de 2005, oito PMs foram presos, acusados de matar duas pessoas e jogar a cabeça de uma delas no quartel, atirando-a sobre o muro do batalhão.

O crime foi apontado como retaliação à troca de comando no BPM de Caxias. O coronel Paulo César Lopes anunciou que faria uma faxina no quartel, para combater crimes e corrupção. Até o duplo assassinato, Lopes havia punido mais de 60 homens por delitos como omissão, desobediência e suposto envolvimento com roubos e mortes.

No dia seguinte, aconteceu em dois municípios da Baixada Fluminense, Nova Iguaçu (área do 20º BPM) e Queimados (área do 24º BPM), a maior chacina da história do Estado, com 29 mortes. A motivação, segundo o Ministério Público, foi a mesma do duplo assassinato: um protesto contra a linha-dura adotada para moralizar a polícia da região.

Este ano, em março, um cabo do 15º BPM foi apontado como um dos participantes de outra chacina: a execução de cinco jovens em Caxias. Os homens do 15º BPM também têm no currículo alta taxa de letalidade. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2006 eles mataram em serviço 54 pessoas. Só ficaram atrás do 9º BPM, de Rocha Miranda, que matou 83 pessoas.

Na última grande ação realizada contra policiais ligados ao tráfico, a Operação Gladiador, a Polícia Federal prendeu 77 PMs, em dezembro. A maior parte pertencia ao 14º BPM, em Bangu, zona oeste.

Esquema funcionava havia 1 ano, diz delegado

O titular da 59ª Delegacia de Polícia, de Duque de Caxias, André Drummond, disse que o esquema que ligava os policiais militares do 15º Batalhão aos traficantes das Favelas de Parada Angélica e Santa Lúcia funcionava havia um ano. Divididos em guarnições, os policiais recebiam ?arregos? (pagamentos semanais) de até R$ 3 mil, conforme os serviços que prestavam aos bandidos.

?O trabalho de escuta foi muito delicado, porque eles se chamavam apenas pelos apelidos?, disse Drummond. ?A entrega do dinheiro era feita por menores de bicicleta, que diziam senhas para os policiais antes da entrega da propina.?

Além de não interferirem na venda de drogas, os policiais garantiam a segurança do tráfico de entorpecentes. ?As escutas revelam que eles avisavam os traficantes sobre a presença nas imediações de qualquer equipe policial que não fizesse parte do grupo de corruptos?, afirmou o delegado.

Apesar da relação aparentemente harmônica entre policiais e bandidos, as escutas também mostram momentos de tensão. Isso ocorria quando os PMs prendiam traficantes e cobravam dos comparsas pela sua liberação. ?As gravações revelam que a liberdade dos bandidos custava entre R$ 5 mil e R$ 8 mil. Eles prenderam e liberaram sob propina 18 pessoas – pelo menos 3 prisões foram injustas?, afirmou. ?Foi duro não intervir naquele momento, mas precisávamos esperar porque sabíamos que a investigação era mais ampla.? A polícia não divulgou trechos das escutas, alegando segredo de Justiça.