A cobrança de propina em Brasília foi sistêmica, diz delegada da PF

25 de maio de 2017 10:10

Responsável pelo inquérito que investiga a participação de ex-chefes do Executivo local em milionário esquema de corrupção durante a construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, a delegada da Polícia Federal Fernanda Costa de Oliveira detalhou que o recebimento do dinheiro ilícito pelos investigados ocorria de três formas: em dinheiro, via operadores; por meio de doações eleitorais; ou em pagamentos de eventos de parceiros políticos, como a compra de ingressos para a Copa do Mundo. Segundo a investigadora da Delegacia de Inquéritos Especiais da PF (Deleinque), “isso revela o retrato (da política) de Brasília”.

 

Fernanda recebeu o Correio na sala dela, na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília. O inquérito da Operação Panatenaico estava sobre a mesa de trabalho, próximo a fotos da família e de uma máquina de café. “A cobrança de propina em Brasília foi sistêmica e passou de um governo para o outro”, afirma. Entre os acusados da participação no esquema que causou rombo de R$ 1,3 bilhão aos cofres da Terracap estão os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB). Eles e mais sete acusados foram presos temporariamente na terça-feira. Estima-se que o superfaturamento da arena tenha sido de R$ 900 milhões.

Segundo a delegada, os pagamentos aos políticos eram fracionados. “Como havia um acordo prévio, quando o dinheiro saía, havia o repasse do valor da propina. Não eram grandes valores; por isso, apreendemos listas de pagamentos com individualizações com datas e valores picotados”, explicou Fernanda.

Delegada há 10 anos, a investigadora está à frente de uma das áreas mais sensíveis da Polícia Federal. Antes da função de chefia, ela atuou como agente da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no Paraná. Além disso, a paixão pela PF começou cedo. O pai de Fernanda é agente da corporação e um dos tios paternos também é delegado federal. “Nunca pensei em fazer outra coisa”, ressaltou. Confira abaixo entrevista com Fernanda Costa de Oliveira.

Como era o pagamento da propina?
O recebimento tinha três formatos: em cash, via operadores; por doações eleitorais; ou por pagamentos de eventos, por parte da Andrade Gutierrez, a parceiros políticos dos investigados. Exemplo: compra de ingressos da Copa do Mundo para atender algum tipo de grupo politicamente associado.

Como era usado esse dinheiro ilícito?
Tem o caixa 2, em formato de doação oficial, que estava atrelado à própria execução da obra (do Estádio Nacional Mané Garrincha). O dinheiro entregue em cash saía no formato fracionado. Normalmente, é apresentada a medição da execução da obra e, depois, feita a liquidação dos valores às empresas. Como havia um acordo prévio, quando o dinheiro (público) era direcionado à empreiteira, havia o repasse do valor da propina. Apreendemos listas de pagamento de propina. Nelas, há individualizações com datas e valores picotados. É possível ver que os pagamentos de propina casaram exatamente com a liberação do dinheiro ao consórcio.

Para que esse dinheiro era utilizado?
Não conseguimos fazer esse tipo de levantamento porque o fato se deu entre 2008 e 2014.

Além de realizarem os pagamentos de campanha, os políticos investigados enriqueciam ilicitamente?
Grande parte do dinheiro era espalhado entre parceiros políticos. Hoje, não posso falar de aquisição direta de um carro ou de um apartamento com o valor recebido em propina.

 
O que embasa a Operação Panatenaico, além das delações?
Temos laudos periciais do processo licitatório que apontam direcionamentos. A delação não se presta só a mostrar narrativas. Os delatores apresentam provas que corroboram a história. Esse é um inquérito diferenciado, que tem pontos negativos e positivos. Ponto positivo: começamos as investigações com muita materialidade. Ponto negativo: como as delações tiveram sigilos levantados, já se deu publicidade.

De que forma a PF desencadeou a Operação Panatenaico?
Essa operação é o perfeito retrato de algo que se inicia com uma hipótese criminal definida, trazida por termos de colaboração. É diferente de quando iniciamos um processo em que temos de criar uma hipótese do nada. Quando já vem com a narrativa, a gente só constitui o que já é trazido na queixa-crime de uma forma bastante objetiva e cirúrgica.

Há muito mais por vir?
Em relação ao Estádio Mané Garrincha, não posso apresentar um termômetro. Mas as delações são feitas em anexos, por temas. Esse inquérito trata do Estádio Nacional. Mas a Andrade Gutierrez trouxe outros assuntos que vão ensejar a instauração de vários inquéritos, os quais, possivelmente, envolverão os mesmos personagens, como o BRT.

O que dá para concluir a respeito do perfil dos investigados? 
São pessoas do primeiro escalão, como ex-governadores, ex-vice-governador, presidentes de órgãos públicos… Esse é o retrato de Brasília. É um grupo político que se estabeleceu há muitos anos. Tanto que a situação de cobrança de propina foi sistêmica e passou de um governo para o outro.

Há políticos da atual gestão envolvidos?
Não, porque os contratos referentes ao Mané Garrincha foram encerrados em 2014. Então, as tratativas estabelecidas no início do certame, em 2008, se encerraram e acabaram os repasses à Andrade Gutierrez. Então, não temos a referência de ilegalidades relativas ao Mané nesta gestão.

E quanto ao superfaturamento? É de R$ 900 milhões ou o valor pode ser mais alto?
Esse é o valor atualizado em 2017. O parâmetro foi trazido pelo Tribunal de Contas do DF. Estamos encerrando um laudo de superfaturamento feito pela própria Polícia Federal que vai corroborar a estimativa inicial. Como o relatório ainda não estava pronto e eu precisava executar a operação o quanto antes, devido à publicidade que se deu, peguei uma informação oficial, onde eles confirmam o superfaturamento. Mas ainda virá um laudo pericial.

Então, o rombo pode ser maior?
Pode ser maior ou menor, mas imagino que deve ser similar.

A senhora pediu a prisão preventiva, mas a Justiça optou pela temporária. O que houve?
Eu sempre fundamento tecnicamente as minhas peças, de um forma que eu possa defender dentro dos requisitos legais. Eu achei que havia os requisitos legais para a preventiva. O Ministério Público consignou que, como não havia possibilidade de apresentação de denúncia, naquele primeiro momento, se manifestaria pela temporária. Mas não há possíveis prejuízos a uma conversão em preventiva.

Por que foi importante prender os investigados?
São pessoas articuladas politicamente. Têm influência dentro dos cenários das instituições, mesmo que não estejam à frente dos órgãos do GDF. Existe uma articulação. O primeiro momento é o mais sensível de uma investigação. É o período em que você pode pegar as provas sem aviso. O pedido de prisão é sempre voltado ao favorecimento da instrução do inquérito a fim de garantir a materialidade.

Essas pessoas poderiam destruir provas?
Destruir provas ou atrapalhar a condução da investigação, considerando que nós vamos ouvir testemunhas nesses primeiros dias e outras medidas podem ser conduzidas. A liberdade dos investigados poderia causar danos irreparáveis.

Muitos dos presos temporariamente pediram a revogação das prisões… 
Acredito que não houve mudança de cenário entre a data do meu pedido e hoje. Então, seria uma congruência informar que, há 24 horas, existiam motivos e, agora, não. Faz sentido, na lógica de defesa, dizer que não existem mais razões para a reclusão. Eu defendo que ainda existem.

Quais são os crimes investigados?
Em um primeiro momento, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, corrupção ativa, organização criminosa, quadrilha ou bando e fraude licitatória.

A senhora acredita que a operação vai interferir no cenário das próximas eleições?
Acho que essa atuação da Polícia Federal gera impactos e entra na casa do cidadão brasiliense.

Quando o inquérito será concluído?
Até o início do segundo semestre é possível. Estou destacada para apresentar um resultado o quanto antes.

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