A gatinha não é mais inocente
Você nunca mais verá a Hello Kitty com olhos inocentes. A culpa é do traficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía. Quando foi preso em São Paulo, em agosto do ano passado, os delegados da Polícia Federal ficaram intrigados com a quantidade de imagens da gatinha japonesa que ele guardava nos computadores. Eram quase 200 imagens, quase todas enviadas por e-mail.
A surpresa maior foi a descoberta de que a Hello Kitty não era só uma Hello Kitty. Havia mensagens de voz e de texto escondidas nas imagens. Algumas delas podem mudar o destino de Abadía no Brasil: elas contêm ordens para movimentar cocaína entre países e para sumir com pessoas na Colômbia, segundo análise feita pelo DEA, a agência antidrogas dos EUA. Para os americanos, Abadía continuou a comandar o tráfico na Colômbia mesmo após se mudar para o Brasil.
A mulher de Abadía, Yessica, é fanática por Hello Kitty. Um dos quartos da casa em que ela vivia em Aldeia da Serra (Grande SP) tinha cadeiras, relógios e papel de parede da Hello Kitty.
O DEA ajudou a PF porque o Brasil não teria toda a tecnologia necessária para fazer a investigação. A técnica de computação usada para esconder uma mensagem de voz em uma imagem é conhecida como esteganografia. A Al Qaeda utilizou essa técnica para preparar os atentados de 2001.
Hello Kitty não era o único disfarce para as ordens de Abadía. Algumas mensagens continham fotos de crianças.
As ordens podem mudar a situação de Abadía no Brasil porque ele é réu num processo em que é acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsificação de documentos.
A eventual comprovação de que ele continuou a comandar o tráfico a partir do Brasil pode levar o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, a rever o parecer favorável à extradição do colombiano.
Caso fique provado que Abadía traficou no Brasil, o pedido feito pelos EUA ao Supremo Tribunal Federal poderá ser negado. Toda a argumentação pró-extradição é baseada na hipótese de que Abadía não praticou crimes graves no Brasil.
Nos Estados Unidos, o traficante é acusado de tráfico internacional e de ter ordenado a morte de 15 pessoas. A pergunta óbvia é: se ele praticou os mesmos crimes no Brasil, por que mandá-lo para os EUA?
Pesa na balança pró-extradição a informação de que Abadía enviou toneladas de cocaína para os EUA, o que lhe rendeu uma fortuna de US$ 1,8 bilhão, segundo estimativa do DEA.
Há outros indícios de que Abadía continuou a comandar o Cartel do Vale do Norte, na Colômbia, depois que chegou ao Brasil, em 2004, vindo de veleiro da Venezuela. Esse cartel é considerado pelos EUA como o mais poderoso da Colômbia.
A agência antidrogas dos EUA diz ter registros de que três aviões de Abadía foram abatidos na Colômbia, México e Caribe entre 2005 e 2007, quando ele vivia no Brasil. Cada um dos aviões abatidos transportava de duas a quatro toneladas de cocaína, segundo a agência. A tonelada é vendida por US$ 3 milhões nos EUA.
Os aviões derrubados haviam sido comprados no Brasil por Abadía, de acordo com os policiais americanos. Todos registram passagens pelo Campo de Marte, em São Paulo.
Os agentes citam o depoimento do próprio Abadía à Justiça para reforçar a informação de que os aviões eram comprados no Brasil. Abadía contou que o piloto André Luiz Telles Barcellos, que trabalhava para ele, comprou no Brasil um King Air B90, posteriormente vendido “”para um terceiro na Venezuela”. O King Air cumpre um dos requisitos do narcotráfico: pousa em pistas de terra. Outro avião que o traficante teria usado era o Gulfstream G1.
Barcellos confirmou que levou o avião à Venezuela. A PF não pediu detalhes à Venezuela sobre a suposta venda.
O DEA acusa o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, de ser conivente com o narcotráfico. Chávez, que expulsou o DEA do país, diz que os americanos usavam o tráfico como pretexto para espionar.