A inteligência do PCC
Planeja montar uma central de inteligência clandestina a fim de espionar autoridades do governo estadual, políticos e policiais e, por meio de financiamento de campanhas eleitorais, se infiltrar na política já nas eleições municipais deste ano. É o que revela a íntegra de escutas telefônicas feitas com autorização judicial por autoridades do governo de São Paulo que embasaram a prisão, no último mês, do advogado ligado ao PCC, Sérgio Wesley da Cunha, à qual ISTOÉ teve acesso.
A interceptação dos diálogos mantidos em janeiro pelo advogado Wesley com Júlio César G. de Moraes, o Julinho Carambola, segundo homem na hierarquia do PCC, e com Daniel Vinícius Canônico, o Cego, considerado o porta-voz de Marcos Camacho, Marcola, o principal líder da organização, revela as negociações para compra do sistema Guardião – computador usado pela Polícia Federal para gravar centenas de ligações telefônicas simultaneamente. Os líderes do PCC disseram ao advogado que estavam dispostos inclusive a custear a ida dele para Miami (EUA), onde o equipamento poderia ser arrematado por R$ 700 mil. Como não poderiam comprá-lo como pessoas físicas, os criminosos se declararam dispostos a abrir uma firma de segurança de fachada em nome de um laranja.
No diálogo, o advogado, que cobra R$ 10 mil pelo serviço, diz o que será capaz de fazer caso consiga o equipamento. E cita como possível alvo do grampo o delegado Rui Ferraz do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), que conduziu as principais investigações contra o PCC e é considerado o inimigo nº 1 de Marcola.
A partir do telefone do delegado do Deic, explica o advogado, ele conseguiria monitorar o telefone dos demais policiais. Ele sugere que teria o delegado Ferraz na mão ao revelar que o fez depor a seu favor na CPI do Tráfico de Armas em 2006 no Congresso. À ISTOÉ, o delegado Ferraz disse que o advogado estava mentindo para os líderes da facção na tentativa de alardear uma pretensa influência entre os inimigos do PCC. “A mulher do Marcola pegou oito anos de reclusão graças a uma investigação minha. Já coloquei na cadeia vários clientes dele”, lembrou. “Na CPI, não o protegi. Disse a verdade, porque na época ele não trabalhava para o PCC.”
Os diálogos mostram ainda a intenção do PCC de se aproximar das campanhas de pré-candidatos às eleições municipais de outubro e de partidos a fim de ganhar capilaridade política. Preso em 10 de março deste ano em seu escritório, na zona norte de São Paulo, Wesley tinha sido designado pela facção para fazer a ponte com os tesoureiros dos partidos políticos. Na conversa, quando Wesley diz a Canônico que irá enviar-lhe a relação dos pré-candidatos, é citado o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM). Wesley ainda fala num “menino do PSDB” – talvez o ex-governador Geraldo Alckmin.
Apesar dessa menção a candidatos à prefeitura paulista na conversa, nada das gravações indica que a pretendida aproximação do PCC com os políticos tenha ocorrido. Nem que os candidatos citados tivessem envolvimento com a facção criminosa. Nos diálogos, Wesley alega que conhece o submundo das campanhas políticas e que, por isso, estaria credenciado para fazer os contatos. O advogado atribui esse conhecimento ao fato de ter trabalhado, no passado, nas campanhas do ex-prefeito Paulo Salim Maluf. Procurada, a assessoria do deputado Maluf (PP-SP) diz que o parlamentar nunca ouviu falar no advogado e que ele jamais trabalhou em campanhas dele, nem do PP.
Segundo o presidente da CPI do Sistema Carcerário na Câmara, deputado Neucimar Fraga (PR-ES), que visitou presídios em 17 Estados brasileiros, a presença do PCC tem aumentado nas carceragens em todo o País, contando, inclusive, com a conivência das autoridades. No presídio estadual de segurança máxima em Mato Grosso do Sul os detentos colocaram, no final do ano passado, um painel de saudação do PCC com os dizerem “Nós da família PCC desejamos a todos um Feliz Natal e Ano-Novo”. Os agentes penitenciários dizem que não arrancaram até hoje o cartaz porque têm medo de represálias.
O advogado Wesley teve prisão preventiva decretada pela Justiça para evitar que continuasse se comunicando com a cúpula do PCC. O advogado foi considerado pela polícia uma das peças mais importantes no plano da facção de criar a central de monitoramento e escuta clandestina e se infiltrar na política. No jargão dos líderes do PCC, atuava como uma espécie de pombo-correio. Além de ser ligado a Carambola e Canônico, Wesley tinha uma relação de confiança com o chefão Marcola. Nos diálogos com os líderes da organização criminosa, o advogado disse que foi numa conversa com Marcola que ressurgiu a idéia de a organização criminosa ter representação política.
Depois dessa conversa, foi organizada uma passeata patrocinada pelo PCC em frente ao Congresso, em novembro de 2007. Na ocasião, a facção fretou ônibus em mais de dez Estados para protestar contra o descumprimento da Lei de Execuções Penais.
Trechos das conversas entre o advogado Sérgio Wesley e os chefões do PCC Daniel Canônico e Julinho Carambola em janeiro de 2008
O “guardião”
Sérgio Wesley – Agora, aquele equipamento que eu te disse custa R$ 700 mil, que é o Guardião. O Gaeco tem. Daniel Canônico, o Cego – Qual é a forma de pagamento?
Wesley – …Eu preciso ver porque a empresa parece que não vende. Não está autorizada a vender para pessoas físicas. Só vende para pessoa jurídica ou governamental. Então o que tem que fazer? A gente tem que abrir uma firma em nome de um laranja, uma firma de segurança ou alguma coisa parecida, e comprar através da firma. É lá no Rio Grande do Sul.
Canônico – E se precisar… Se precisar o senhor ir para Miami para comprar qualquer tipo de aparelho, pode ir! Julinho Carambola – Tem que comprar essas máquinas aí!
Wesley – Eu com um negócio desses na mão e com treinamento, eles tão f… Eu cato todos. Tenho todos os telefones dos tiras ali dentro. Do Rui Ferraz eu tenho o telefone dele. Então, através disso daí, a gente vai expandindo. Ele grava 1.300 ligações simultâneas.
Como a máfia
Wesley – O negócio é a gente fazer negócio, ganhar dinheiro e é lógico: crescer na parte ideológica. Você não vê, na Itália a Cosa Nostra, no Japão a Yakuza, o negócio é se estruturar. É com informação, com material humano bom, é com inteligência, sigilo.
Ideologia
Carambola – A ideologia nossa é além do crime, entendeu?
Wesley – Eu sempre falei pro Marcos (Marcola), uma vez que conversei com ele, longamente, olho no olho: Marcos, a gente precisa ter uma representação política.
Eleições
Wesley – Tem o Kassab, o menino do PSDB. Eu vou te passar a relação de nomes, porque eu tô definindo ainda. O que a gente precisa assim: tem aqueles pré-candidatos, que cada partido tem três ou quatro…
Maluf
Wesley – Eu trabalhei na campanha do Paulo Maluf há uns 15, 20 anos atrás e eu sei como é o esquema todinho, entendeu? E o dinheiro é em cash, tava lá na avenida Brasil, os meninos foram até pra pegar lá.
Carambola – Faz esses levantamentos, tá bom?
Wesley – Com certeza, porque meu interesse é ganhar dinheiro também.