A Metamorfose da Polícia Judiciária Brasileira

6 de junho de 2012 14:26

Por Mário Leite de Barros Filho

Sumário: I – Introdução; II – Evolução dos Direitos Fundamentais – Direitos Fundamentais de Primeira, Segunda e Terceira Geração; III – Relação entre a Evolução dos Direitos Fundamentais e a Metamorfose da Atividade exercida pela Polícia Judiciária; IV – Evolução do Perfil do Delegado de Polícia; V – Valorização do Inquérito Policial; VI – Conclusão; e VII – Bibliografia.
 
Resumo: A presente matéria analisa a metamorfose da atividade desenvolvida pela Polícia Civil sob a óptica da evolução dos direito e garantias fundamentais.
 
Este trabalho estabelece uma comparação entre a transformação progressiva da atividade exercida pela Polícia Judiciária brasileira e a evolução dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração.
 
Finalmente, o artigo em tela estuda os efeitos da evolução destes direitos nas atribuições da Polícia Civil e no perfil do Delegado de Polícia. 
 
Palavras – chave: Polícia Judiciária; Polícia Civil; Investigação Criminal; Justiça Criminal; Direitos Fundamentais de Primeira, Segunda e Terceira Geração; Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Mediação de Conflitos; Pacificador Social; Inquérito Policial; Delegado de Polícia; Autoridade Policial; e Segurança Pública.
 
I – Introdução
 
A presente matéria estuda a transformação da atividade desenvolvida pela Polícia Civil sob a óptica da evolução dos direito e garantias fundamentais.
A Polícia Judiciária, em razão da natureza da atividade que exerce, acompanhou a evolução dos direitos e garantias fundamentais, com o objetivo de atender aos anseios da sociedade na área da segurança pública.
 
II – Evolução dos Direito Fundamentais
 
Antes de estudar a metamorfose da atividade exercida pela Polícia Judiciária é oportuno examinar a evolução dos direitos fundamentais.
 
  A doutrina  classifica os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração, com base na ordem histórica cronológica em que foram reconhecidos pelas Constituições.
 
Direitos Fundamentais de Primeira, Segunda e Terceira Geração.
 
O conceituado constitucionalista Alexandre de Moraes  ensina que os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos individuais clássicos, chamados também de liberdades públicas, surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta.
 
A Carta Magna limitou, em 1215, o poder dos monarcas na Inglaterra e deu origem ao movimento denominado “constitucionalismo”.
 
Normalmente, são integrados pelos direitos civis e políticos, dos quais são exemplo o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio etc.
 
Os direitos fundamentais de segunda geração são denominados direitos positivos, pois, ao invés de limitar o poder dos governantes, impõe ao Estado a obrigação de adotar medidas relacionadas à diminuição dos problemas sociais.
 
Finalmente, os direitos fundamentais de terceira geração defendem os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade.
 
Os direitos de terceira geração abrangem, entre outros, o direito à paz social, à preservação do ambiente, ao desenvolvimento econômico.
 
Saliente-se que os direitos de terceira geração não se preocupam com um grupo determinado de pessoas, mas sim com a coletividade.
  
III – Relação entre a Evolução dos Direitos Fundamentais e a Metamorfose da Atividade exercida pela Polícia Judiciária
 
Após estudar a evolução dos direitos fundamentais, indaga-se: 
 
Qual a relação existente entre a evolução dos direitos fundamentais e a transformação da atividade exercida pela Polícia Judiciária?
 
A resposta é simples: a Polícia Judiciária, na condição de Instituição responsável pela elucidação dos crimes e necessitando atender aos anseios da sociedade na área da segurança pública, foi obrigada a adaptar suas atribuições de acordo com o desenvolvimento dos direitos fundamentais, principalmente, no que se refere ao princípio da dignidade da pessoa humana.
 
Extrai-se tal conclusão do confronto entre a transformação progressiva da atividade de Polícia Judiciária e a evolução histórica dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração.
 
A Atividade de Polícia Judiciária no Contexto dos Direitos Fundamentais de Primeira Geração – Limitação do Poder do Estado.
 
Inicialmente, o trabalho executado pela Polícia Civil estava vinculado à imagem repressiva.
 
Durante o período da ditadura militar, a atividade de Polícia Judiciária foi utilizada como instrumento político.
  
A Atividade de Polícia Judiciária no Contexto dos Direitos Fundamentais de Segunda Geração – Presença do Estado Proporcionado Segurança à Sociedade.
 
Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, conferiu expressamente à Polícia Civil a atribuição de elucidação dos delitos – investigação criminal.
 
A Polícia Judiciária, então, assumiu o papel de guardiã da segurança pública, como gestora das atividades policiais repressivas do Estado.
 
A Atividade de Polícia Judiciária no Contexto dos Direitos Fundamentais de Terceira Geração – Superação da Violência e dos Conflitos
 
Finalmente, com a adoção dos direitos fundamentais de terceira geração, descortina um novo horizonte para a Polícia Civil na área da paz social, atuando na superação da violência e dos conflitos.
 
Isto significa que, com a nova ordem jurídica constitucional, a Polícia Civil se prepara para assumir o papel de pacificadora social.
 
Constata-se, portanto, que, em razão da evolução dos direitos fundamentais, as atribuições da Polícia Civil foram ampliadas.
 
Efetivamente, as atribuições da Polícia Judiciária, nos dias de hoje, não se resumem à investigação criminal – elucidação das circunstâncias e autoria dos crimes, abrangem, também, a atividade de mediação de conflitos decorrentes das infrações criminais de menor potencial ofensivo – pacificadora social.
  
IV – Evolução do Perfil do Delegado de Polícia
 
Por outro lado, o Delegado de Polícia, para desempenhar o novo papel da Polícia Civil, precisou alterar seu perfil profissional.
 
Antigamente, o Delegado de Polícia era um servidor mais operacional, voltado somente à investigação criminal.
 
Atualmente, o Delegado de Polícia é um profissional mais sofisticado, um verdadeiro operador do direito, que domina a ciência da investigação.
 
Ressalte-se que a inclusão da atividade exercida pelos Delegados de Polícia no rol das carreiras jurídica, além de atender aos interesses públicos, valorizou o trabalho desenvolvido pelas Autoridades Policiais.
 
Neste sentido, registre-se que, recentemente, foi aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Emenda Constitucional nº 35/2012.
 
Os principais reflexos jurídicos da norma em tela são:
 
– atividade exercida pelos Delegados de Polícia foi inserida no rol das carreiras jurídicas;
 
– a Polícia Judiciária passou a ser considerada atribuição essencial à função jurisdicional do Estado;
 
– os Delegados de Polícia conquistaram a independência funcional, por intermédio da livre convicção motivada dos atos de Polícia Judiciária; e
 
– a exigência de dois anos de atividade jurídica para o ingresso à carreira de Delegado de Polícia proporcionará a seleção de candidatos com mais experiência e conhecimento na área do direito.
V – Valorização do Inquérito Policial
 
Ademais, o inquérito policial, principal ato de Polícia Judiciária, também, se amoldou à nova ordem jurídica constitucional.
 
De fato, o inquérito policial era considerado um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.
 
Acontece que a Constituição Federal adotou o princípio do devido processo legal, no inciso LIV, do art. 5º: 
 
Art. 5º – (…) 
 
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifei)
 
O princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.
 
Por força deste princípio, o inquérito policial se transformou em um instrumento de defesa dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.
 
Vale lembrar que a Autoridade Policial, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.
 
Isto significa que o Delegado de Polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um magistrado, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
  
VI – Conclusão
 
Conclui-se, portanto, que a Polícia Judiciária sofreu verdadeira metamorfose profissional, evoluindo de mero coadjuvante para assumir a condição de protagonista no cenário da segurança pública nacional.

VII – Bibliografia
 
ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional / Luiz Alberto Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. – 10ª. Ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006.
 
BARROS FILHO, Mário Leite de. Direito Administrativo Disciplinar da Polícia – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 2ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2007.
 
BARROS FILHO, Mário Leite de e BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo – Direito Administrativo Disciplinar – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2006.
 
BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.
 
GOMES, Luiz Flávio. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 / Alice Bianchini…(et al.); coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luís Marques. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. 
 
MELLO TUCUNDUVA, Ricardo Cardozo. Emprego de algemas: uso e abuso, São Paulo, 2010.
 
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2003.
 
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1997.
 
OLIVEIRA, Regis Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira. São Paulo: 2010 – Edição dos autores.
 
OLIVEIRA, Régis Fernandes. O Funcionário Estadual e seu Estatuto. São Paulo: Max Limonad, 1975.
 
VERÍSSIMO GIMENES, Eron e NUNES VERÍSSIMO GIMENES, Daniela. Infrações de Trânsito Comentadas. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2003.

___________________________________
NOTAS

¹  ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional / Luiz Alberto Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. – 10ª. Ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, páginas 116/118.
 
²  MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2003, pág. 60.