A PEC 37 e o véu da ignorância.
Para uma melhor compreensão da PEC-37, convido todos a realizar um exercício de pensamento. Nesse experimento, vamos utilizar o que o filósofo John Rawls denominou de o véu da ignorância.
Imagine que sobre seus olhos paira um véu que o impede de saber que papel lhe caberá na vida real.
Com isso, poderá iniciar a vida real sendo uma pessoa abastada, uma pessoa humilde, um empresário, um político, um operário, uma dona de casa. Poderá viver em uma região nobre ou na periferia, poderá pertencer a classe dominante ou integrará uma minoria, vai pertencer a um grupo marginalizado ou não. Enfim, um véu de ignorância lhe impede de conhecer todos esses fatores.
Agora, você deve idealizar quais regras deverão vigorar neste mundo, onde não sabe o personagem que lhe foi destacado.
A fim de evitar uma amplitude demasiada a todas as regras que julgaria adequadas, segundo o senso comum racional, imagine apenas as regras que gostaria que vigorassem no campo da persecução penal, ou seja, na apuração das infrações penais. Lembre-se, você poderá vir a pertencer a uma classe estigmatizada, sem condições de custear bons advogados, pertencer a um grupo que conta com a antipatia natural das pessoas ou ostentar inimigos poderosos.
Pois bem, vamos lhe apresentar dois sistemas, a fim de que escolha o que reputa mais justo.
No primeiro, havendo um crime, a Constituição estabelece que um órgão está incumbido de investigar, outro órgão de acusar e um terceiro de julgar. Quem investiga está sob o controle de quem acusa e de quem julga. Quem acusa, ao tomar conhecimento de um crime, pode determinar que o órgão de investigação apure o fato e, a partir daí, acompanhará a investigação periodicamente, juntamente com quem julga, para averiguar se tudo esta sendo cumprido como se deve. Ao final da investigação, o órgão que acusa, caso não goste do resultado, poderá determinar novas diligências, até se dar por satisfeito. Acusando, o terceiro órgão julgará.
Agora vamos ao segundo, neste sistema, remanesce a possibilidade acima descrita, mas abre-se outra: quem acusa, também poderá investigar. Mas não serão todos os casos, somente os que ele escolher. Mais do que isso, neste sistema, o órgão que reúne os poderes de investigar e acusar não se submete a fiscalização de ninguém durante a investigação, não há prazos definidos para começar ou terminar a investigação. Não há nenhuma regra. Melhor dizendo, é este órgão que vai definir as regras para ele mesmo. E como o órgão também acusa, pode se deduzir a real probabilidade de não ser imparcial na hora de investigar.
Postos os dois sistemas, surge a pergunta: Qual deles, na sua opinião, garantirá que seus direitos como pessoa serão respeitados, independentemente do papel que lhe caiba quando descortinar-se o véu que o mantém na ignorância?
É exatamente isso, o primeiro sistema é o que a Constituição Federal atualmente estabelece: a polícia investiga, o ministério público acusa e o juiz julga.
O segundo é o que o ministério público tem feito sem previsão legal.
A PEC vem repetir de forma mais contundente o que está na escrito na Constituição Federal, evitando interpretações que podem cercear seus direitos como cidadão.
Como se vê, não há impunidade. Há legalidade. O ministério público continua participando da apuração dos crimes, pode requisitar a instauração de inquéritos, acompanhar o andamento e determinar novas diligências. Apenas porque é parte (acusador) e por isso parcial, não pode presidir a investigação. Quem deve fazer isso é o delegado.
Imaginem se o advogado, que também é parte (defesa), fosse o responsável pela investigação, seria um modelo justo? Obviamente que não.
A PEC, ao contrário do que alguns dizem, vem assegurar os direitos das pessoas, seja ela quem for. Pense nisso.