A Polícia Federal, a depuração e o Brasil
Assistimos estupefatos à degeneração da política neste país. Uma crise sem precedentes no Brasil (crise de valores, de governabilidade, de confiança e da economia). A falência de valores sociais como ética, diálogo, tolerância e honestidade nos leva a um sentimento de impotência, reforçado pela aparência endêmica e permanente da corrupção pública e privada, que arrastou o país a esta abrangente crise. O que esperar deste momento e neste país em que cada decisão política parece ter o seu preço? Como diria Drummond, é tempo de absoluta depuração. Depurar significa “purificar, limpar, desembaraçar”. Isso é o que cidadãos esperam do momento político. O povo está promovendo um novo pacto, mas para que isso tenha a legitimidade adequada e necessária, é preciso muita transparência e diálogo para tratar os temas sensíveis.
A negociação política das ideias e projetos — alma do modelo democrático — em algum momento cedeu lugar à negociata de apoios políticos em troca de cargos, emendas orçamentárias, créditos suplementares, composições de ministérios, mensalões etc. Note que não se trata de um partido, mas de um sistema que está falido. O modelo democrático pressupõe uma competitividade de ideias e projetos e também o ato de angariar apoios e garantir setores de influências; o problema ocorre quando as atitudes políticas fogem de seu escopo e adentram na seara criminal.
Os inquéritos policiais, que, em conjunto, constituem a Operação Lava-Jato, descortinaram ao Brasil as entranhas das barganhas políticas e algumas das formas pelas quais era apropriado o dinheiro público e manipulado o sistema político. Esse novo nível de conscientização trazido ao povo, somente foi possível graças ao remanejamento pontual de recursos humanos e materiais para esses inquéritos policiais. Mas note: foi o apoio popular, nas ruas, e a imprensa livre que garantiram a destinação de recursos para essa operação que agora já dura mais de três anos.
E se as pessoas não saem às ruas para defender a investigação? E se a imprensa não informa? O que vou dizer é grave: a Operação Lava-Jato foi de suma importância para o país e estará marcada na história como uma gigantesca operação da Polícia Federal, com participação de diversos outros entes públicos, mas seria grande ingenuidade pensar que a Lava Jato estancou os desvios de recursos públicos no Brasil. Não estancou. É preciso perceber que qualquer setor público que movimente recursos está apto a ser alvo de investidas criminosas: saúde, saneamento, previdência, repasses para organizações sociais, fomento cultural, fomento científico, alvarás de toda ordem etc. Há muitíssimos mais esquemas criminosos a serem investigados pela PF.
Neste momento de desembaraçar coisas, de repactuação, o que a sociedade deseja? É chegada a hora da sociedade encarar um debate que tem sido relegado há tempos, o tema é espinhoso, mas não há mais espaço para fugas: urge fortalecer a Polícia Federal e dar-lhe mais autonomia (menos ingerência política). O que os delegados de Polícia Federal querem é o fortalecimento do inquérito policial, da instituição Polícia Federal e da autonomia e a manutenção das atribuições legais que a PF detém. Chamamos a atenção da população porque o fortalecimento de uma instituição policial não é algo muito prazeroso para os detentores do poder — eles somente fortalecerão a polícia se isso for uma exigência da população. Chamamos o povo para que continue atento e cobre dos seus representantes essa questão de justiça, para que a polícia investigativa tenha condições de realizar o seu trabalho.
A descoberta dos altos níveis de corrupção nas entranhas do Poder gerou a crise política que desencadeou a crise econômica. Em vez de depurar, o que se vê é a distração nas capas de todos os jornais gritando sobre as propostas de reformas trabalhista e previdenciária, empurradas com pressa e sem reflexão. Onde está a auditoria independente no sistema previdenciário para que se avalie a necessidade e abrangência dessa proposta de reforma? Haveria desvios de recursos do sistema previdenciário? Vamos limpar? Neste momento, a sociedade deve continuar vigilante para que não sejam penalizados nem o povo, nem as instituições de Estado que ajudaram a descortinar os esquemas criminosos. Chega de manipulação. É tempo de depuração.
EDSON FÁBIO GARUTTI MOREIRA Delegado de Polícia Federal, diretor adjunto da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal em São Paulo