Ações simultâneas

24 de setembro de 2007 10:43

No Rio, número de homicídios só começou a cair a partir dos Jogos Pan-Americanos, quando o efetivo federal chegou a 6 mil homens

Quando desembarcar no Entorno, a Força Nacional de Segurança (FNS) estará cumprindo sua quinta missão desde que foi criada em junho de 2004. Formado por policiais e bombeiros de todo o país, o grupo já atuou duas vezes na Grande Vitória (ES), em 2004 e 2006, uma vez em Mato Grosso do Sul, em junho de 2006, e desde o início do ano está no Rio de Janeiro. Também será a primeira vez que a tropa agirá, simultaneamente, em duas unidades da Federação: cerca de 1,2 mil homens continuam estacionados no Rio e não há previsão de quando sairão de lá.

Encontrar o mandante do atentado ao jornalista Amaury Ribeiro Jr., 44 anos, e os autores de outros crimes recentes ocorridos no Entorno do Distrito Federal. Essa é a expectativa do deputado Luiz Couto (PT-PB), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com a chegada da FNS à região, prevista para ocorrer até 9 de outubro. Nós esperamos que a Força Nacional possa não só prender quem executou, mas quem foi o mandante desses crimes , disse.

Na avaliação dele, o Entorno precisa de uma operação de inteligência para conter a guerra do tráfico. A comissão, aliás, realiza na Câmara, entre hoje e quarta-feira, o Encontro Nacional de Direitos Humanos. A violência no Entorno será um dos temas de discussão. Com certeza vamos debater o assunto, porque a criminalidade na região é um descumprimento dos Direitos Humanos , afirmou Couto.

A seção DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) também aguarda com expectativa a chegada da FNS. Em razão da omissão das autoridades responsáveis nos últimos anos, a tropa é mais do que necessária e se justifica , disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-DF, Jomar Alves Moreno. Espero que a Força Nacional consiga, pelo menos, conter a criminalidade na região. A tropa chega na hora exata, porque a criminalidade atingiu um nível insuportável , ressaltou.

Ontem, a coordenadora geral do Movimento de Olho na Justiça, Leila Menezes Elias, enviou uma carta ao Correio. Nela, Leila repudia o atentado a Amaury Jr. e pede solução para a violência no Entorno. As mãos daquele aprendiz do tráfico (que atirou no jornalista) miraram esse Estado ineficaz e ausente. Acertou em cheio a sociedade , escreveu a ativista.

Ressalvas
O ex-secretário Nacional de Segurança Pública, o coronel reformado da Polícia Militar José Vicente da Silva Filho, se disse impressionado ao ler no Correio sobre o caos na segurança no Entorno, onde já esteve pessoalmente há alguns anos. Como foi que deixaram chegar a esse ponto? , perguntou.

O coronel tem ressalvas à atuação da tropa de elite federal. Para ele, o grupo não porá fim à violência do Entorno e, portanto, a população não deve ter uma expectativa exagerada sobre a ação dos chamados boinas vermelhas . O problema de tráfico é de inteligência, de coletar informações, de mapear territórios, de levantar líderes criminosos. Não adianta trazer uma legião estrangeira, que eles não têm essa habilidade , apontou.

A matemática do reforço federal, na avaliação de Silva Filho, também não permite euforia, mesmo com todo o interesse que cerca os marines nacionais, com seus fuzis 556 e pick-ups camufladas. Segundo o ex-secretário Nacional de Segurança, se forem mesmo enviados 500 homens para atender oito municípios (Luziânia, Valparaíso, Cidade Ocidental, Águas Lindas, Santo Antônio do Descoberto, Novo Gama, Formosa e Planaltina de Goiás), isso significaria ter 15 homens em cada localidade, já que eles se revezam em cinco turnos.

Não adianta eu ter 10 policiais do Piauí, 20 de Mato Grosso, 30 de São Paulo, 15 do Rio, porque o problema não é de quantidade. Polícia não é espantalho de horta , avisou Silva Filho, ex-membro do Conselho Nacional Anti-drogas e hoje consultor de segurança. Está faltando melhorar o planejamento do trabalho e não vir com uma solução heróica externa. A Força Nacional não é o remédio que cura tudo. E remédio, sem um bom diagnóstico, não adianta nada , completou.

Resultados
A tropa de elite chegou ao Rio de Janeiro em 12 de janeiro, cercada por grande expectativa, ainda no calor da posse do governador Sérgio Cabral os governos de Anthony Garotinho e Rosinha Matheus se recusavam a aceitar o que chamavam de intervenção federal e sob a consternação da onda de ataques terroristas promovida por facções criminosas nos últimos dias de 2006.

Os primeiros 432 homens que desembarcaram, muitos deles deslocados para as divisas do estado, não abalaram a rotina de violência e crimes bárbaros da capital. Foi depois da chegada da FNS que ocorreram casos como a morte de João Hélio Fernandes, 6 anos, arrastado pelo cinto de segurança de um carro em fuga e a execução do PM Guaraci Costa, 28, que fazia a segurança da família do governador.

O número de homicídios, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, cresceu 9,6% em janeiro, em comparação com o ano anterior. Apenas durante os Jogos Pan-Americanos, em julho, quando o contingente subiu para 6 mil homens, o número de homicídios caiu 40% em maio e junho. Mas é difícil atribuir o fato apenas à presença da FNS, sem falar numa possível trégua do tráfico.

O próprio secretário de Segurança Pública do Rio, o delegado federal José Mariano Beltrame, reconheceu, mais de uma vez, que não se pode esperar demais da FNS. Mas argumenta que, num estado com 92 municípios e apenas 39 mil PMs, qualquer reforço é bem-vindo.

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memória
Os últimos 20 dias

4 de setembro
O Correio publica a primeira matéria da série Tráfico, extermínio e medo . A partir dos assassinatos de duas meninas da Cidade Ocidental Natália Oliveira Vieira, 14 anos, e Raiane Maia Moreira, 17 , Amaury Ribeiro Jr. constatou que 150 pessoas haviam sido assassinadas em apenas seis meses, em um raio de apenas 60km a partir da Esplanada dos Ministérios.

5 de setembro
O governador José Roberto Arruda sugere que a Força de Segurança Nacional seja convocada para auxiliar no controle da região. O Defensor Público Geral da União, Eduardo Flores, promete processar a União e os governos do DF e de Goiás para obrigá-los a tomar providências. O ministro da Justiça, Tarso Genro, e os governadores do DF e de Goiás, Alcides Rodrigues, marcam reunião para discutir medidas de urgência para a chamada de Baixada Federal.

6 de setembro
É publicada a reportagem Chefe do tráfico faz entrega em domicílio , com o nome e a foto de um dos maiores traficantes de drogas na região: João Carlos Sales, o Negão, morador da Cidade Ocidental.

7 de setembro
Sai a matéria Polícia Federal neles! , denunciando o envolvimento de policiais e ex-policiais com os crimes cometidos no Entorno. O texto também informava que o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Luiz Couto (PT-PB), pediu ao Ministério da Justiça a colaboração da Polícia Federal para conter a criminalidade na região.

9 de setembro
Em mais uma reportagem de Amaury Ribeiro Jr., o Correio denuncia o envolvimento de menores de 18 anos com o crime.

11 de setembro
O Ministério da Justiça anuncia o envio de 374 homens da Força Nacional para a área e o repasse de R$ 10 milhões para investimentos em segurança pública. Goiás anuncia o lançamento de edital de concurso público para a contrata ção de delegados, agentes e escrivães.

12 de setembro
O Correio publica a história das vítimas mais recentes na Cidade Ocidental e Valparaíso: Francisco Ferreira Santana, 39 anos, Givaldo Pereira Nascimento, 16, e outro, identificado apenas como Rafael, 25.

13 de setembro
Duas pessoas são executadas em Luziânia (GO). Em uma reunião entre as cúpulas da segurança pública da União, do DF e de Goiás, são anunciados R$ 27 milhões para investimentos em prevenção e repressão a crimes e repasse de 56 patrulhas usadas nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Os moradores do Entorno começavam a organizar manifestações contra a violência.

15 de setembro
O Correio mostra que as previsões orçamentárias da União para alguns dos municípios da área são muito abaixo das nacionais. A média dos gastos públicos é de R$ 343 por habitante, valor que no Entorno cai para R$ 101 por habitante.

16 de setembro
Nova reportagem de Amaury Ribeiro Jr. acrescenta mais cinco nomes ao levantamento de mortes. Um deles, Maicon Silva Guimarães, 14 anos, foi executado na presença da irmã de 22 anos, no Jardim Ingá, em Luziânia.

19 de setembro
O Correio publica a notícia de outras duas execuções no Entorno, o que faz a contagem chegar a 159 mortos. No início da noite, Amaury Jr. é baleado em um bar na Cidade Ocidental, onde apurava mais uma história para a série. O tiro atinge a região da virilha da vítima, que é operado no Hospital Regional do Gama. Um adolescente de 15 anos é preso sob a suspeita de ter atirado contra o repórter. O governador do DF, José Roberto Arruda, e o secretário Nacional de Segurança Pública, Antônio Carlos Biscaia, prometem ajudar na apuração.

20 de setembro
A delegada da Cidade Ocidental, Adriana Fernandes, diz trabalhar com a hipótese de tentativa de assalto, o que é negado pela vítima em entrevista ao Correio e em depoimento à polícia. Policiais civis investigam quatro pessoas. Deputados das bancadas federais do DF e de Goiás reúnem-se com o secretário Antonio Carlos Biscaia para discutir o combate à violência no Entorno.

21 de setembro
O governador Arruda assume os custos da presença da Força Nacional de Segurança no Entorno, o que leva o governador de Goiás, Alcides Rodrigues, a requisitar a tropa de elite federal. O secretário de Segurança de Goiás, Ernesto Roller, anuncia o afastamento da delegada Adriana Fernandes da investigação. Ela é substituída pelo delegado chefe da 5ª Regional (Luziânia), José Luís Martins Araújo. Policiais federais civis do DF colhem o depoimento de Amaury Jr. A PF também recolhe mostras do material genético sob as unhas do jornalista, o que pode levar à confirmação da identidade do agressor. Equipe da Delegacia de Operações Especiais (DOE) da Polícia Civil brasiliense tenta cumprir mandado de prisão contra suspeito, de 19 anos, mas trabalho é suspenso.

22 de setembro
Equipes de Goiás fecham bares e recolhem menores desacompanhados na madrugada. Mais de 100 pessoas foram revistadas, mas não houve flagrante de porte de drogas ou armas. Policiais federais tentam periciar local do atentado, mas encontram cena do crime alterada. Blusa e sapatos da vítima são recolhidos para exames em laboratório. Investigadores prendem rapaz de 19 anos.

23 de setembro
Rapaz detido na véspera é liberado por não ter envolvimento com o atentado. Investigadores divulgam que quatro suspeitos foram identificados e conseguem, na Justiça, mandados de prisão contra eles. As buscas aos acusados continuam.