ADPF manifesta repúdio à Recomendação Ministerial 02/2018
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) vem a público manifestar seu repúdio à Recomendação Ministerial 02/2018, firmada pelo promotor de Justiça Daniel Ferreira de Lira, que responde pela Promotoria de Justiça da Comarca de Araripe/CE, especificamente quando orienta que a autoridade policial "se abstenha de fazer argumentação jurídica no relatório dos inquéritos policiais".
O delegado de polícia tem, em verdade, o dever legal de fundamentar juridicamente seus atos vez que, no curso de sua atividade diuturna, lida diretamente com direitos muito caros ao cidadão: imagem, liberdade, integridade física, patrimônio, dentre outros. É responsabilidade do delegado estar atento à observância da Constituição Federal e da legislação de regência quando da prática de seus atos e os de sua equipe, de forma a não vilipendiar o direito dos alvos da persecução estatal pré-processual.
Desde o primeiro atendimento à ocorrência, o delegado é instado a tomar decisões extremamente relevantes e a interpretação jurídica do fato investigado pode determinar, por exemplo, a prisão em flagrante do conduzido (artigo 301 e seguintes do Código de Processo Penal) ou a lavratura de mero termo circunstanciado, com ulterior liberação daquele mediante assinatura de compromisso de comparecimento ao juizado especial criminal (artigo 69 da Lei 9.099/95) – a tipificação da infração penal supostamente praticada e a decisão acerca do procedimento a ser instaurado se traduzem em exercício de pensamento jurídico.
Já no curso da investigação criminal, o conhecimento técnico-jurídico do delegado é demandado quando da determinação de diligências e da materialização de pleitos cautelares destinados a descortinar a infração apurada. Representar interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, infiltração policial ou decidir sobre a confecção de acordo de colaboração premiada (nos termos da Lei 12.850/13 e da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 5508) demandam indubitável uso de argumentação jurídica, sem o que tais representações/atos ficam esvaziados e passíveis de indeferimento pelo Poder Judiciário.
O desenho do sistema de persecução penal feito pela Constituição Federal outorgou às Polícias Civis e à Polícia Federal a atribuição investigativa e esta não pode ser exercida de maneira unidirecional. Inquéritos policiais e termos circunstanciados não estão a serviço única e exclusivamente do Ministério Público (acusador oficial, nos termos da Carta da República). Os procedimentos em tela são instrumentos para esclarecimento de casos criminais, destinando-se a elucidar fatos suspostamente criminosos, funcionando como importantes filtros para evitar acusações açodadas e infundadas.
A obrigação legal do delegado de polícia fundamentar juridicamente seus atos (dentre os quais o relatório) é reafirmada no artigo 2º, § 6º, da Lei 12.830/13, no que toca ao indiciamento (ato de imputação formal, calcado na análise técnico-jurídica do fato, que indica autoria, materialidade e suas circunstâncias).
O “modelo” recomendado por Sua Excelência, o promotor Daniel Ferreira de Lira, é completamente desapegado dos ditames constitucionais e legais e pode significar, em última análise, em uma investigação obscura, com materialização de atos gravosos (como o indiciamento) sem o mínimo de fundamentação concreta, em claro prejuízo da defesa e dos direitos fundamentais do cidadão investigado.
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, reafirmando seu compromisso de respeito à Constituição Federal e às leis brasileiras, repudia a citada recomendação e exalta procedimentos investigatórios calcados em efetiva fundamentação técnico-jurídica materializadas pelos delegados de polícia que os conduzem.