Advogados do Rio são denunciados por fraudar processo

14 de agosto de 2007 12:14

Os quatro  Ricardo Cerqueira, Carlos Henrique Lopes Reis, Thalita Mesquita Acatauassú Nunes e o estagiário Luiz Gustavo Pinto da Luz Alves de Farias  foram denunciados à Justiça Federal pelos procuradores da República do Rio Marcelo Freire e Orlando Monteiro da Cunha, por fraude processual (Artigo 347, parágrafo Único do Código Penal).

Os três advogados e o estagiário  pertencentes ao escritório Dumans & Cerqueira Associados  tinham procuração para defender o escrivão da Polícia Federal aposentado Sebastião Miranda Monteiro, um dos 15 réus denunciados na chamada Operação Hurricane III (Furacão, em inglês), protocolada na 6ª Vara Federal Criminal do Rio no dia 25 de junho. Monteiro, mesmo antes da denúncia recebida  por ser funcionário público teve direito à defesa preliminar como prevista no artigo 514 do CPP  foi um dos 13 acusados que teve prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública, com fulcro no artigo 312 do CPP, pela juíza Ana Paula Viera de Carvalho.

Seus advogados decidiram então recorrer ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) com pedido de Habeas Corpus. Alegaram, entre outros argumentos, ser a acusação desprovida de elementos mínimos que autorizassem a persecução penal em desfavor do então paciente, por não descrever a sua participação na empreitada delituosa, como descreveram depois os dois procuradores. Ao pedido, juntaram cópia da denúncia provando o que historiavam no HC.

O caso foi distribuído ao desembargador federal Abel Gomes, da 1ª Turma Especializada. Apesar de na 6ªVara Federal a juíza ter o hábito de dar divulgação aos processos, mantendo em segredo, através de autos apartados, as quebras de sigilo, no TRF o caso está sendo mantido em segredo de Justiça. Conforme relatam os procuradores, amparado na documentação levada aos autos pelos denunciados, acolhido os argumentos formulados, concedendo a ordem para determinar a liberdade de Sebastião Miranda Monteiro.

No dia seguinte, porém, ao receber o pedido de Habeas Corpus em nome de outro réu no mesmo processo  José Luiz da Costa Rebello  o desembargador constatou que a denúncia acostada naqueles autos era diversa daquela apresentada pelos patronos de Monteiro.

Conforme o próprio desembargador salientou na decisão que revogou a liminar concedida, os advogados deixaram deliberadamente de acostar à inicial do referido writ inúmeros trechos da denúncia – fls. 47 a 53 – oferecida em face de Sebastião e dos demais investigados na Operação Hurricane.

O trecho suprimido, como descrevem os procuradores na denúncia que apresentaram contra os três advogados e o estagiário, continha descrições pormenorizadas da conduta típica praticada pelo paciente e sua supressão tinha por intuito evidente induzir o Julgador a erro, servindo de suporte para a tese adotada no habeas corpus, que jamais se sustentaria ante o verdadeiro teor da peça acusatória apresentada por esta procuradoria ao Juízo da 6ª Vara Federal Criminal.

Os procuradores reproduziram o comentário do desembargador nos autos: Seja como for, é evidente a má-fé processual com que se pugnou nos presentes autos, haja vista que os impetrantes suprimiram a parte das cópias da denúncia onde estão descritos os fatos praticados pelo paciente, ao mesmo tempo em que toda a argumentação deduzida às fls. 02 e 03 da inicial é exatamente em decorrência da tese de que a denúncia não faz qualquer referência expressa a Sebastião Miranda Monteiro senão nos únicos trechos cuja cópia suprimida traz a estes autos. (…) É grave a forma como se postula o direito de liberdade, enganando o juiz.

O advogado Ricardo Cerqueira alegou à revista Consultor Jurídico que tudo não passou de um descuido. “Faltaram de cinco a seis folhas na cópia da denúncia que anexamos ao pedido de Habeas Corpus, páginas que falavam alguma coisa do nosso cliente. Foi um acidente, um descuido. No dia seguinte em que o desembargador cassou a liminar concedida, ele esteve com Gomes dando explicações. Mas, àquela altura, o desembargador já havia remetido cópia do caso para o Ministério Público Federal tomar as providências devidas.

Os procuradores, entretanto, não concordaram com a tese do acidente. Conforme narram na denúncia enviada à Justiça para livre distribuição, resta clara, portanto, a consciente atuação dos denunciados. Afinal, as ilações contidas no Habeas Corpus impetrado jamais poderiam encontrar amparo se respaldadas na peça acusatória original, não sendo admissível atribuir a supressão do referido trecho a mero descuido ou esquecimento dos acusados.

Encaminhada na quinta-feira, dia 9, até a segunda-feira 13, a distribuição da denúncia não aparecia no sistema informatizado da Justiça Federal do Rio. Os advogados deixaram a defesa de Sebastião Monteiro na ação penal. Foram substituídos por Tiago Martins Lins e Silva e Marcelo Câmara de Melo e Silva.

O presidente da seccional fluminense da OAB, Wadih Damous, tomou conhecimento da denúncia contra os advogados pela reportagem da ConJur. Disse que não pode se pronunciar sobre o caso antes de ser formalmente comunicado dos fatos. Damous conhece o escritório dos advogados e informou que os advogados devem encaminhar o caso à Comissão de Prerrogativas.

A ConJur publica, a seguir, a íntegra da denúncia contra os advogados e o estagiário. Clique aqui para ler a denúncia original e completa da Operação Hurricane III.(Processo 2007.51.01.806354-1).

Denúncia do MPF contra os advogados

EXMO SR. DR. JUIZ FEDERAL CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

À Livre Distribuição

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) , pelos Procuradores da República infra-assinados, vem, nos autos do processo em epígrafe, oferecer DENÚNCIA em face de RICARDO CERQUEIRA, brasileiro, advogado, inscrito na OAB/RJ sob o nº 46.626, CARLOS HENRIQUE LOPES REIS, brasileiro, advogado, inscrito na OAB/RJ sob o nº 104.916, THALITA MESQUITA ACATAUASSÚ NUNES, brasileira, advogada, inscrita na OAB/RJ sob o nº 124.089 e de LUIZ GUSTAVO PINTO DA LUZ ALVES DE FARIAS, brasileiro, estagiário de direito, inscrito na OAB/RJ sob o nº 150.887-E, todos com endereço profissional à Avenida Almirante Barroso, nº 91, grupo 1209, Centro, Rio de Janeiro, pela prática dos fatos delituosos em seguida discriminados:

1. No dia 11/07/2007, os denunciados impetraram habeas corpus em favor de SEBASTIÃO MIRANDA MONTEIRO junto ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em razão de o referido policial federal ter tido sua prisão preventiva decretada pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal em decorrência da chamada OPERAÇÃO HURRICANE/ FURACÃO III, acostando à inicial do referido writ cópia de denúncia oferecida pelo MPF discrepante da original, com o intuito de induzir em erro o ilustre órgão julgador.

2. Conforme demonstram os documentos acostados aos autos do habeas corpus, encaminhados ao MPF por meio do OFÍCIO nº 722/2007  SUB/1TESP (doc. 01), os réus impetraram o remédio constitucional em referência, com pedido de liminar, sustentando, entre outros argumentos, ser a acusação desprovida de elementos mínimos que autorizassem a persecução penal em desfavor do então paciente, por não descrever a sua participação na empreitada delituosa.

1. Às fls. 03/04 da exordial do HC, lê-se:

Convém assinalar, desde já, os momentos em que a inicial acusatória faz expressa referência ao paciente. Ele é citado, inicialmente, às fls. 07/08, no tópico Considerações Introdutórias, quando se faz alusão a um suposto núcleo Furtado-Araújo-Tião (cf. doc. Anexo nº 1), verbis (…)

O núcleo a que pertenceria o Paciente só voltaria a ser aludido a partir da fl. 39 (vide doc. anexo nº 1), embora até o final da denúncia não se tenha atribuído a ele qualquer conduta delituosa. Aliás, o seu nome só seria mencionado novamente na parte conclusiva da narrativa (fl. 61) (…)

4. O pedido de habeas corpus foi distribuído, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao Desembargador Federal Dr. Abel Gomes, tendo o citado magistrado, amparado na documentação levada aos autos pelos denunciados, acolhido os argumentos formulados, concedendo a ordem para determinar a liberdade de SEBASTIÃO MIRANDA MONTEIRO.

5. Contudo, analisando os autos do habeas corpus nº 2007.02.01.008443-7, impetrado em favor de outro denunciado na OPERAÇÃO HURRICANE/FURACÃO III, JOSÉ LUIZ DA COSTA REBELLO, o mesmo Desembargador Federal constatou que a denúncia acostada naqueles autos era diversa daquela apresentada pelos ora denunciados, que fundamentara o deferimento da medida em favor da liberdade do então paciente SEBASTIÃO MIRANDA MONTEIRO.

6. Em razão disto, o Desembargador Federal Dr. Abel Gomes revogou a decisão liminar anteriormente proferida, determinando o recolhimento do alvará de soltura expedido, e comunicou o fato ao Parquet Federal, remetendo a documentação pertinente, anexa à presente inicial.

7. De fato, o cotejo entre a peça original da denúncia oferecida no âmbito da OPERAÇÃO FURACÃO III e aquela apresentada pelos acusados no HC já referido revela diferenças capazes de alterar substancialmente o conteúdo das imputações feitas a SEBASTIÃO.

8. Conforme salientado pelo eminente magistrado, os denunciados deixaram deliberadamente de acostar à inicial do referido writ inúmeros trechos da denúncia – fls. 47 a 53 – oferecida em face de SEBASTIÃO e dos demais investigados na OPERAÇÃO HURRICANE.

9. Frise-se que o trecho em comento continha descrições pormenorizadas da conduta típica praticada pelo paciente e sua supressão tinha por intuito evidente induzir o Julgador a erro, servindo de suporte para a tese adotada no habeas corpus, que jamais se sustentaria ante o verdadeiro teor da peça acusatória apresentada por esta procuradoria ao Juízo da 6ª Vara Federal Criminal.

10. Tal assertiva é corroborada pelo relato do ilustre Desembargador Federal Abel Gomes, que assim descreve a conduta dos denunciados:

Seja como for, é evidente a má-fé processual com que se pugnou nos presentes autos, haja vista que os impetrantes suprimiram a parte das cópias da denúncia onde estão descritos os fatos praticados pelo paciente, ao mesmo tempo em que toda a argumentação deduzida às fls. 02 e 03 da inicial é exatamente em decorrência da tese de que a denúncia não faz qualquer referência expressa a SEBASTIÃO MIRANDA MONTEIRO senão nos únicos trechos cuja cópia suprimida traz a estes autos.

É grave a forma como se postula o direito de liberdade, enganando o juiz. (fls. 137/138)

11. Resta clara, portanto, a consciente atuação dos denunciados. Afinal, as ilações contidas no habeas corpus impetrado jamais poderiam encontrar amparo se respaldadas na peça acusatória original, não sendo admissível atribuir a supressão do referido trecho a mero descuido ou esquecimento dos acusados.

12. Ademais, é evidente que a juntada da denúncia oferecida em face de SEBASTIÃO, da forma como efetuada pelos denunciados, acarretou significativa mudança de seu conteúdo, alterando-lhe o sentido, com o escopo de ocultar ao Órgão Julgador todas as imputações feitas em desfavor do paciente .

13. Desse modo, ao suprimirem da denúncia deflagrada pelo Ministério Público Federal em face de SEBASTIÃO MIRANDA MONTEIRO os trechos referentes aos fatos criminosos a ele imputados, os denunciados, no exercício criminoso de suas prerrogativas, inovaram artificiosamente, na pendência de processo penal, o estado de coisa (supressão de parte da denúncia), com o fim de induzir juiz a erro, o que, de fato, ocorreu.

14. Estão eles, pois, incursos nas penas do artigo 347, parágrafo único do Código Penal.

15. Desse modo, Assim sendo, requer o MPF que Vossa Excelência se digne a receber a presente denúncia, determinando a citação dos ora acusados para interrogatório e demais atos processuais, e, uma vez comprovada a imputação no curso da instrução, espera o Parquet seja julgada procedente a ação penal, com a conseqüente CONDENAÇÃO dos denunciados nos termos da lei.

Termos em que

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 07 de agosto de 2007.

MARCELO FREIRE

ORLANDO CUNHA

Procuradores da República