Arapongas modernizados
A sala é ampla, tem cerca de 60 m2. Dentro, tudo é simples, sóbrio e funcional o armário de ferro, a mesa de imbuia. Nenhum sinal exterior de ostentação ou poder. No fundo, quase sempre em silêncio, um senhor com jeitão enigmático se debruça há semanas sobre uma pilha de pastas secretas.
É o delegado Paulo Lacerda. Ele recebe ISTOÉ naquela que é considerada uma das salas mais reservadas da República. Diretor da Polícia Federal no primeiro mandato de Lula, Lacerda assumiu em outubro do ano passado o cargo de diretor- geral da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, sucessora do temido SNI do regime militar. Sua missão é colocar o serviço de inteligência, há duas décadas em anarquia interna e relegado à periferia política, de novo no centro dos acontecimentos.
A questão é saber se, ao fazer isso, a nova Abin não estaria apenas reproduzindo velhos hábitos de arapongagem sob um novo verniz e não criando um serviço de inteligência profissional, necessário a um Estado Democrático de Direito.
Aquela pilha de documentos é o pulodo- gato de Lacerda. São os dossiês que ele está levantando sobre os mais de 20 nomes que o PMDB e o PT indicaram para os cargos estratégicos do setor elétrico. A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, quer barrar quase todo mundo. Por isso, convocou Lacerda para a missão especial de promover uma verdadeira devassa nas vidas privadas dos apadrinhados coisa que o SNI sabia fazer muito bem. Nessa queda-de-braço, a Abin ajudou Dilma, uma ex-perseguida política, a derrubar duas indicações para a presidência da Eletrobrás. José Antônio Muniz, nomeado na semana passada, foi a terceira indicação feita pelo senador José Sarney (PMDB-AP). O rastreamento agora vai ser mais completo, avisa Lacerda. O objetivo é municiar o presidente de informações ágeis e confiáveis para que ele não seja o último a saber.
Dois nomes que constavam na lista entregue a Lacerda por Dilma foram derrubados graças ao trabalho da agência. Um é o ex-deputado Benjamin Maranhão, sobrinho do senador José Maranhão (PMDB-PB), indicado para a Diretoria de Projetos Especiais da Eletrobrás. A Abin descobriu que ele esteve envolvido em denúncias de corrupção da Operação Sanguessuga. Outro é Lívio de Assis, indicado pelo deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) para a presidência da Eletronorte. Os homens de Lacerda descobriram que ele está enrolado com a Fazenda Nacional e é réu em vários processos na Justiça.
Quando chegou ao novo cargo, Lacerda encontrou a agência em completo estado de anarquia. Nada menos que sete facções disputavam internamente. Seu primeiro desafio foi pacificar essas vertentes, algumas oriundas dos tempos do regime militar, e conseguir unidade para um trabalho conjunto. Na prática, o delegado pretende inaugurar em março o Departamento de Integração do Sistema de Inteligência Brasileiro, uma central que vai funcionar 24 horas por dia interligando os computadores da Abin aos de 12 órgãos do governo, como a PF, a Receita Federal e o Banco Central.
Mais do que obter fichas da vida pregressa de candidatos a cargos públicos, o grande objetivo de Lacerda é reposicionar a Abin em tarefas mais relevantes, como o combate ao terrorismo, à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Informação é poder, lembra Lacerda. Mas a informação pertence ao Estado, não pode estar a serviço das autoridades, diz o delegado. Na prática, no entanto, a teoria parece ser outra.