Artigo: Criminalidade sufragada

20 de agosto de 2018 09:41

Nós policiais federais assistimos a essas eleições de outubro próximo com uma preocupação a mais, que deveria ser igualmente de todos os eleitores.

 

Sabemos, a partir da nossa longa experiência profissional, que um capo mafioso, um chefe do tráfico ou de facção criminosa, um Al Capone ou Nem da Rocinha, levam entre quinze a vinte anos para galgar, até o topo, os degraus da sua organização criminosa. Dezenas de assassinatos, inúmeros crimes, muita violência, ameaças e chantagens têm que ser cometidas para que um delinquente alcance a tão almejada posição de chefão.

 

Mas nessa nova morfologia da criminalidade observada no Brasil, a delinquência institucionalizada, nada disso é necessário. Bastará para ele concorrer às eleições e contar com os nossos votos. E é exatamente o seu voto para presidente da República, para governador, para deputado e para senador que promove a ascensão de um chefe do crime institucionalizado. Esses novos barões do crime não traficam drogas, não vendem armas nem promovem roubos de cargas. Eles tão-somente, com uma caneta e o diário oficial em mãos, desviam fortunas fraudando licitações de obras, de contratos de serviços, de aluguéis de prédios públicos, entre outras atividades.

 

Os crimes perpetrados pela delinquência institucionalizada são muito piores e muito mais destrutivos do que os cometidos por qualquer mafioso ou traficante de drogas. Esses delitos institucionalizados geram bilhões de Reais para os seus cabeças e provocam o sucateamento dos sistemas de saúde, da segurança pública e das escolas, gerando mortes, dor e muito sofrimento na sociedade. É exatamente a atuação desse banditismo oficial que vem condenando nosso país à eterna condição de subdesenvolvimento.

 

E esses neo-mafiosos chegam às suas posições sem dar um tiro, sem nunca terem empunhado uma arma de fogo. O caminho somos nós quem abrimos para eles. A partir de cargos eletivos, funções públicas, por nós proporcionadas a partir das eleições, eles iniciam sua trajetória como cabeças da delinquência institucionalizada. Enriquecem com centenas de bilhões em dinheiro público desviados, originados nos recursos que as empresas e os contribuintes recolhem, isto é, com os impostos que pagamos. Eles são, desta feita, empoderados pelos nossos votos, dentro do sistema democrático, nas regras eleitorais vigentes, da representatividade e da política partidária.

 

Portanto, tomemos cuidados redobrados nas próximas eleições, pois ao invés de escolhermos um gestor para o Brasil e para as nossas unidades da Federação ou os nossos representantes nos parlamentos federal e estadual, poderemos estar sufragando um Al Capone que vai nos roubar pelos próximos quatro anos e aprofundar o abismo no qual já nos encontramos.

 

*Jorge Pontes é delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol

Artigo publicado pelo jornal Estado de S. Paulo – 20/08/2018