As raves do funcionalismo

1 de outubro de 2007 10:36

O número de corporações do funcionalismo com os braços cruzados é tão grande e os protestos em frente ao prédio do Ministério do Planejamento se tornaram tão regulares que o titular da Pasta, Paulo Bernardo, compara o grevismo no setor público a uma festa rave, em que os participantes entram e saem na hora em que bem entendem, sem que a música jamais seja interrompida. Além disso, diz ele, quando voltam a trabalhar os grevistas não querem repor os dias parados e ainda se recusam aceitar o desconto das faltas. E o mais grave é que suas reivindicações vêm sendo acolhidas por determinados setores do Judiciário.

A última decisão, nesse sentido, foi tomada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e favoreceu os 50 mil serventuários do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Em 2004, eles cruzaram os braços no dia 29 de junho e somente voltaram ao trabalho no dia 27 de setembro. Foi a mais longa paralisação da história da instituição, que é a maior do País em volume de trabalho. Durante três meses, 12 milhões de processos ficaram parados, 400 mil audiências deixaram de ser realizadas, 600 mil sentenças não foram prolatadas e 1,2 milhão de novas ações não foram distribuídas.

Diante dos vultosos prejuízos causados para a coletividade, com pensões não pagas, credores levados a situação falimentar e presos não julgados, no 58º dia da greve o TJSP baixou uma resolução determinando o corte do ponto e o desconto dos dias parados. Os serventuários da Justiça estadual argüiram a ilegalidade dessa resolução e o STJ acolheu o recurso, obrigando o Tribunal a pagar parte do que foi descontado.

Segundo a relatora, ministra Maria Theresa Moura, a Resolução 188 não poderia ser aplicada ao período anterior à data de sua publicação, por violar o princípio da irretroatividade da lei. Portanto, o TJSP somente poderia ter cortado o ponto e descontados os vencimentos relativos ao período entre o 59º e o 91º dia de greve.

A decisão do STJ é mais uma amostra do mal gerado pela falta de uma lei que regulamente a greve no âmbito do setor público, como é previsto pelo artigo 37 da Constituição. O governo chegou a preparar um anteprojeto com essa finalidade, no primeiro semestre de 2007. Na ocasião, o ministro Paulo Bernardo afirmou que sua aprovação poderia reduzir em 80% o número de greves do funcionalismo. Contudo, em vez de enviá-lo ao Congresso, o presidente Lula submeteu o texto à avaliação das centrais sindicais. E estas, como era de se esperar, opuseram-se aos dispositivos que conferem ao poder público o direito de descontar dos servidores os dias não trabalhados, permitem que as diferentes instâncias governamentais contratem pessoal em caráter temporário, impõem um quórum mínimo para as assembléias de cada categoria e obrigam os servidores a negociar com suas chefias antes de cruzar os braços. Sem essas medidas, o anteprojeto do governo fica desfigurado.

Consciente disso, Bernardo estabeleceu um prazo para que as centrais sindicais apresentem uma alternativa plausível ao anteprojeto do governo. Segundo o ministro, se até o final de outubro elas não encaminharem uma contraproposta, o Executivo converterá o texto por ele preparado em projeto de lei e o enviará para o Congresso. O problema é que, mesmo que venha a cumprir essa promessa, o projeto chegará às vésperas do início do recesso parlamentar. Isso significa que ele só começará a tramitar a partir de março próximo. E, como em 2008 há eleições municipais e em anos eleitorais o Legislativo costuma funcionar em regime de meio expediente, tão cedo não será aprovada uma lei que discipline a greve no setor público. Enquanto isso, as diferentes corporações do funcionalismo continuarão livres para praticar o grevismo desenfreado.