“Atingimento do patrimônio dos criminosos”

6 de janeiro de 2015 10:46

Em tempos de pouca confiança na efetividade das penas restritivas de direitos, observado grande afastamento entre o cenário ideal estabelecido nas leis processuais penais e a realidade brasileira, iniciativas das autoridades policiais federais no sentido de focar suas ações sobre o patrimônio dos criminosos tem gerado melhores resultados práticos, mais simpáticos aos anseios da sociedade.

 

O sistema de penas corporais, de forma geral, tem demonstrado capacidade reduzida de ressocializar o preso ou de apresentar modelo de repressão que desestimule cidadãos criminosos. Ainda que na fase preventiva, as prisões não suportam o recolhimento de criminosos na mesma medida determinada pela letra fria da lei. Atualmente, a restrição da liberdade se tornou um árduo exercício mental para magistrados conhecedores das mazelas do sistema prisional.

 

Mesmo em relação aos crimes muito violentos, geradores de comoção social, as penas severas de reclusão mais longa não tem demonstrado que a criminalidade reage da forma esperada pelo legislador, deixando de praticar crimes devido ao temor da privação de liberdade.

 

A quantidade de pena prevista no catálogo de leis não coincide com a quantidade de pena possivelmente aplicável. A reserva do possível é gigantesca; o sistema prisional brasileiro, da maneira que está, resguardadas exceções louváveis, não mais suporta grandes reprimendas físicas.

 

Para o investigador dos crimes de colarinho branco, principal business da Polícia Federal Brasileira, esta realidade parece mais prejudicial. Por não se tratarem de ações violentas, os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e afins não sustentam prisões por longos períodos.

 

Superada a comoção inicial gerada por esses crimes, as prisões cautelares são substituídas por outras medidas que compromissam o Estado a manter os olhos no criminoso, mas sem privar sua liberdade, reação nem sempre desejada e ainda contrária a princípios de economia processual.

 

A lei processual penal vem evoluindo bastante na tentativa de oferecer ao aplicador da lei um rol de alternativas à restrição da liberdade; o legislador não ignora o panorama brasileiro, tampouco os apelos das entidades de direitos humanos.

 

Tornozeleiras eletrônicas dividem espaço com a conversão de penas privativas de liberdade em pagamento de cestas básicas e a liberdade vigiada.

 

Dentre as melhores alternativas apresentadas pelo legislador para os atores do processo penal estão as medidas cautelares ou definitivas de bloqueio e perdimento de bens dos criminosos, especialmente os não violentos.

 

O sentimento que move essa criminalidade (ganância) é atacado diretamente pelas medidas de constrição de bens, que geram na sociedade a impressão real de que o dano causado poderá ser remediado, com efetiva sanção estatal.

 

Na equipe de investigação, o efeito do bloqueio de bens do criminoso também é altamente positivo e estimulante. A investigação dos crimes de colarinho branco é desgastante, demanda perspicácia, atrai olhares mais técnicos e expõe as autoridades policiais que coordenam o persecutório, eis que pessoas influentes comumente estão entre os envolvidos.

 

O bloqueio de bens ainda é medida pouco utilizada pelas autoridades policiais brasileiras, ora por falta de conhecimento, ora por falta de acesso às informações relevantes, especialmente bens e valores alocados no exterior.

 

Mesmo assim, os números são expressivos.

 

De acordo com dados do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, autoridade central brasileira para a cooperação jurídica internacional, o Brasil já chegou a bloquear, no exterior, mais de R$ 6 bilhões, entre os anos de 2004 a 2014, cifra bastante significativa se consideradas as dificuldades para obtenção de dados no estrangeiro, a partir do necessário ajuste entre os Estados envolvidos para que ambas legislações sejam respeitadas.

 

O uso da remessa de valores ao exterior é expediente utilizado por criminosos de colarinho branco, conhecedores dos detalhes desse tipo de transação ou detentores de poder econômico suficiente para contratar profissionais especializados, muito embora o afastamento físico dos valores ilícitos não impeça seu alcance.

 

Na mesma esteira das demais ações repressivas do Estado, o bloqueio de bens no exterior também enfrenta algumas dificuldades, sendo a principal delas a rápida repatriação de valores.

 

Autoridades policiais federais tem tido bastante sucesso na localização de tais bens e valores em outros países, por meio de canais específicos para troca de informações, como a Interpol (entidade internacional para cooperação policial) e redes de cooperação internacional, como a RRAG – Rede de Recuperação de Ativos do Gafilat e Rede Star/Interpol, ambas representadas no Brasil pela Polícia Federal e pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça.

 

Além disso, a Polícia Federal estruturou unidade especializada no assunto, a fim de orientar e traduzir requerimentos de bloqueio de bens no exterior, para que os delegados de polícia federal presidentes de investigações, partes legítimas nesse processo, tenham pleno acesso ao instrumento.

 

Apesar da facilidade inicial em localizar bens no exterior, a rápida repatriação desses valores ainda encontra entrave em nossa legislação, pois o trânsito em julgado das ações criminais ainda é posto como requisito.

 

Em geral, os países que aceitam o pedido brasileiro de bloqueio mantém a medida ativa por tempo razoável, porém são obrigados a liberar os bens e valores após certo período. Muitos processos criminais brasileiros tardam a receber decisão definitiva e esse atraso dificulta a manutenção das medidas restritivas e a indisponibilidade dos valores ilícitos nos países estrangeiros.

 

O panorama poderia ser revertido com algumas alterações legislativas, tal como a reformulação do sistema recursal e agilização no processo penal brasileiro; e também com a aplicação de mecanismos de cooperação que permitam a repatriação antes da sentença transitada em julgado, como a prevista no art. 57 da Convenção de Mérida. A existência de recursos processuais não pode impedir que os ativos encontrados, identificados e bloqueados nos exterior sejam internalizados, para que o Estado brasileiro os administre até o final do processo.

 

Até hoje, o Brasil somente repatriou R$ 45 milhões por meio da cooperação jurídica internacional, número bastante aquém do total de bens já bloqueados pelas autoridades brasileiras. Toda problemática envolve a demora no trâmite das ações judiciais, com excessivo número de recursos.

 

Além do prejuízo financeiro para o Estado brasileiro, ainda perdemos em termos de reciprocidade, pois os países veem de forma negativa a demora brasileira em buscar os bens e valores bloqueados.

 

Em cooperação internacional, a reciprocidade é o princípio vetor; a relação é bastante diplomática. O movimento da estrutura de outro país não pode ser em vão, sob pena de não vermos mais atendidos nossos pedidos internacionais.