Atribuições da carreira policial federal

22 de março de 2013 11:06

Preliminarmente, o projeto com sua intenção regulatória envereda para uma (des)organização caótica dos cargos e atribuições da “Carreira Policial Federal” e usurpa as atribuições do Delegado, ao confundir/misturar atribuições e não estabelecer a devida vinculação hierárquica entre os cargos componentes da Carreira.

A título exemplificativo o projeto “Atribuições das Carreiras Policiais” confere a todos os cargos das “Carreiras”: “Atuar em prol da apuração de infrações penais previstas em lei; …”, igualando todos,   afastando o delegado de Polícia Federal  de sua  função precípua que é a de apurar infrações penais, mediante a instauração dos correspondentes inquéritos policiais, assim como  os demais componentes da carreira de exercerem a função de agentes da autoridade, sem consignar nenhuma  subordinação hierárquica.

O que diz a Lei (Lei 4.878, de 3 de dezembro de 1965) que dispõe sobre o regime peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal:

 “Art. 4º A função policial, fundada na hierarquia e na disciplina, é incompatível com qualquer outra atividade.”

“Art. 5º A precedência entre os integrantes das classes e séries de classes do Serviço de Polícia Federal e do Serviço Policial Metropolitano, se estabelece básica e primordialmente pela subordinação funcional.”
 
O que diz o Código de Processo Penal (Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941), no que tange ao exercício da polícia judiciária em seus artigos 4-5, com definição das atribuições da autoridade policial, representada pelo Delegado de Polícia, nos artigos 6º e seguintes do mesmo Título II (DO INQUÉRITO POLICIAL):
 
“Art. 6.º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas  que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

Art. 7.º Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.
 
Art. 8.º Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro.
 
Art. 9.º Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.
 
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§ 1.º A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.
§ 2.º No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.
§ 3.º quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.
 
Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito.
 
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.
 
Art. 13. Incumbirá à autoridade policial:
I – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos;
II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
III – cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias;
IV – representar acerca da prisão preventiva.
 
Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
 
Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial.
 
Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
 
Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
 
Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
 
Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.
 
Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único.  Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes
 
Art. 21.  A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.
Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963).
 
Art. 22.  No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.
 
Art. 23.  Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.
 
É na beleza moral dos atos que todas as atividades humanas se tornam belas.
 
A organização e a definição de linha hierárquica, com o rol de autoridade, atribuições, níveis, graduações e correspectivas subordinação “são necessárias e imprescindíveis em toda organização” pública ou privada.
 
Na Administração Pública, a hierarquia é fundada numa estrutura escalonada de cargos e funções com graduação de autoridade correspondente às diversas categorias funcionais ordenadas pelo Poder Executivo que distribui e gradua as atribuições e competências de seus órgãos e funções de seus agentes com definição de comando e subordinação. Assim, estende-se em linhas e graus funcionais do Presidente da República, como autoridade máxima da República, até o servidor público de menor nível subalterno.
 
Ademais, não se pode desconsiderar que aqueles que dirigem coordenam, comandam, gerenciam pessoas, ideias, atividades ou operações, ocupam status mais elevado do que aqueles que executam as ordens e, portanto, num nível de responsabilidade maior.
 
Nas organizações policiais, entendidas como corpo de funcionários que exercem o monopólio da violência física legítima do Estado dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, é imperativo estabelecer-se uma racional e eficiente estrutura organizacional com unidades funcionais que desenvolvam suas atividades com a máxima eficiência e que se projetem de tal maneira sobre as unidades componentes do sistema de segurança pública que permita o controle e domínio total da chefia sem limitar, no entanto a criatividade, as decisões rápidas, de modo a preservar os direitos e as garantias fundamentais.
 
Para tanto, a estrutura, forma de cargos e funções policiais deve obedecer a um cunho essencialmente hierárquico não só quanto à determinação das competências e atribuições, mas também no que tange à natureza funcional, numa escala em linha ascendente de acordo com a respectiva classe de cada categoria funcional no quadro da carreira policial, revelando-se esta questão de fundamental relevância sob o ponto de vista disciplinar e de controle operacional e de resultados.
 
Assim, para o exercício da atividade policial é necessário não só um saber técnico instrumental, como resultado de estudos, práticas, experiências pessoais e coletivas e de conhecimentos sistematizados na aplicação do direito penal e processual penal, mas também e principalmente ações, condutas determinadas pela lei com vistas  ao interesse público e destinada a prover a segurança da comunidade, a proteção dos cidadãos e a promoção de uma sociedade mais justa, humana e solidária, orientada pelos valores da paz, bem-estar econômico, dignidade humana e equilíbrio ecológico.
 
As atividades como a policial, somente podem desenvolver-se com eficiência e eficácia, num sistema fortemente hierarquizado, com subordinação mais rigorosa, justamente em função de seus membros manifestarem a vontade do Estado direta e imediatamente. Por isso, o poder de mando se faz mais intenso nos órgãos operacionais, acentuando-se mais ainda o correlativo dever de obediência, de forma que suas atividades tenham a maior transparência possível para que haja o devido controle social e hierárquico.
 
Por outro lado, o monopólio do exercício da violência, exclusivo do Estado, no Estado moderno, exige que a Instituição Policial, representada pelos policiais que a integram, exteriorize o poder do Estado com eficiência e eficácia, assim como o efetivo cumprimento da disciplina sob pena de quebrar-se o princípio da autoridade e o próprio fundamento do Estado.
 
No âmbito da atividade policial aplicam-se ainda vários princípios constitucionais e legais que não podem ser ignorados, dentre eles os mais importantes são os elencados na Constituição: da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Art. 37).
 
Por isso e por força da própria natureza das atividades policiais, ela deve buscar realizar suas tarefas mediante autoregulação e controle ético-legal, respondendo à ideia de unidade do sistema hierárquico, em que se identificam a chefia e todos os órgãos e cargos hierarquizados, permitindo que na apreciação da própria conduta haja um controle de si mesmo já que técnica e juridicamente se manifesta no todo; associado ao controle interno impõe-se a apreciação da conduta pela chefia que analisa e controla a atuação de seus subordinados, promovendo as correções e devidas apurações quando há desvio de conduta ou finalidade que viole as normas disciplinares.
 
Especialmente nas instituições policiais que formam um grupo sócio funcional permanente e da essência do Estado moderno, com a finalidade precípua de executar atividades de prevenção e repressão criminal é que o princípio se impõe com mais rigor, dada a necessidade de se realizar com eficiência e eficácia seus fins, sem descurar da rigorosa observância das normas constitucionais e processuais penais, de regras de condutas internas, de forma a não ferir os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
 
A hierarquia cuja relação de subordinação entre os vários órgãos e agentes do Poder Executivo se realiza mediante a distribuição de competência, atribuições e funções específicas de acordo com a graduação de cada órgão/agente, desenvolve-se em níveis e graus de subalterno a superior é unida, porém, em fortes laços de subordinação em seus diferentes níveis e linhas hierárquicas.
 
Daí decorre a disciplina no ordenamento técnico-administrativo e operacional como imperativo para que o Estado imponha sua vontade legal para realizar seus fins, sendo de sua obrigação exercer a força coercitiva, para manutenção da disciplina no seu quadro de funcionários, assim como em todas as suas atividades, apurando as eventuais irregularidades verificadas no exercício da função pública, e mediante o devido processo legal (due process of law).
 
Porém, quando se admite a hipótese e considerações de que a antiguidade e a hierarquia estão superadas, por alegações de conveniências pessoais e supostas competências verifica-se que este princípio basilar está totalmente desvirtuado.
 
O valor profissional se constitui e se conquista através de uma carreira, pelos trabalhos e em função dos resultados obtidos, e jamais por meros entendimentos subjetivos de caráter meramente subjetivo, de simpatia pessoal, amizades ou de esquemas desvinculados do interesse público.

O predomínio de tal posição revela grupos ideologizados, descomprometidos com a eficiência e eficácia da instituição e com a res pública ou, então, movidos pela viseira dos jogos da política ao invés de orientados para a gestão eficaz da instituição.
 
Tal fato, numa organização fundada na hierarquia e na disciplina, traz como consequência a disputa autofágica pelo poder, a politização do órgão cuja natureza é essencialmente técnica, além do desprestígio da autoridade, cujo princípio no momento em que é desprezado fatalmente levará a Instituição à própria dissolução se não houver reversão do quadro.
 
A quebra da hierarquia, intencional e sistematicamente, só pode revelar vínculos com segmentos do sindicalismo insensato e anárquico, afora mentes insanas movidas pela patologia da vida cotidiana ou nostálgicas de certas visões de que toda ordem traz consigo o gérmen de sua própria destruição e que foi sabidamente a maior ilusão histórica do século passado.
 
Mesmo porque o princípio da hierarquia direciona a ação do organismo policial e fundamenta sua ação pela subordinação hierárquica, visto que cada órgão no exercício de suas atribuições está sob a direção, coordenação e controle de um órgão superior e a disciplina daí decorrente tem como função essencial assegurar o ajustamento das condutas funcionais às normas constitucionais e regulamentares do serviço público, aplicando as devidas sanções legais nas hipóteses verificadas de violação dos deveres funcionais ou infração às normas disciplinares.
 
Portanto, pela rejeição na íntegra do famigerado “Projeto”.