Autonomia da Polícia Federal é tema de entrevista com Delegado Federal Dr. Márcio Alberto

6 de novembro de 2017 14:32

O Delegado de Polícia Federal Dr. Márcio Alberto Gomes Silva foi recentememente entrevistado pela Carta Forense a respeito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412 de 2009. O tema, que inclusive está em discussão nesta terça-feira (07/11) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, trata da autonomia funcional, orçamentária e administrativa da Polícia Federal. Abaixo você confere na íntegra a entrevista realizada. 

 

1 – Qual a importância da PEC 412/09?

A PEC 412 é fundamental para a Polícia Federal porque outorga verdadeira autonomia ao órgão. A medida concede, em síntese, autonomia orçamentária, financeira e administrativa à Polícia Federal. Todo órgão que alcançou tal nível de autonomia experimentou um salto de qualidade (Ministério Público e Defensoria Pública, por exemplo). Assim também ocorrerá com a PF. A ADPF apresentou ao Congresso Nacional quase 600.000 assinaturas apoiando a PEC 412. O Brasil quer uma Polícia Federal ainda mais forte!

 
2 – A PEC não abrange as Polícias Civis estaduais, isto não é um equívoco?
 

A autonomia das Polícias Civis dos Estados também é importante, para garantir o distanciamento necessário para a materialização de investigações incisivas, principalmente de combate à corrupção. É preciso reverter o quanto antes o quadro de sucateamento de algumas polícias. Ocorre que a medida enfrenta grande resistência dos governos estaduais. O apoio dos governadores à autonomia das policiais judiciárias estaduais seria importantíssimo. Ainda assim, iniciar o processo de autonomia pela Polícia Federal será um grande avanço.

 
3 – A Polícia Civil possui uma extensa atribuição, de forma, que sobretudo em face da falta da atenção por parte do Estado vem colaborando para a grave crise de segurança que temos. O senhor não acha que valorizar as polícias judiciárias estaduais, dando condições e autonomia para além de investigar os crimes corriqueiros poderem também aumentar a carga de investigação nos crimes contra a administração pública, dentro de suas atribuições, não poderia contribuir para as mudanças necessárias do país quanto ao combate à corrupção?

Na linha da resposta anterior, é indubitável que a polícia investigativa deve ser dotada de estrutura e autonomia para realizar seu mister. Mas é preciso salientar que os índices de criminalidade não são reduzidos voltando os olhos apenas para a consequência. A polícia investigativa atua depois da prática do crime. É preciso atentar para as causas da violência, cuidando de diminuir a desigualdade social, investir maciçamente em educação, saúde, geração de emprego, saneamento básico, moradia, lazer, transporte público, dentre outras frentes importantes.
 

4 – Dentro deste contexto alguns representantes da classe policial afirmam que um dos pontos altos é a autonomia orçamentária. Qual seu posicionamento acerca do tema?

Não tenho dúvida de que a autonomia orçamentária é importante para o crescimento do órgão. A fixação de percentual da arrecadação que deverá ser necessariamente repassado à PF garantirá recursos para melhoria estrutural representará um salto de qualidade.
 

5 – A PEC não mantém que os diretores ainda assim serão nomeados pelo chefe do executivo, o senhor não acha que quanto há independência não há um grande avanço?

Há outras propostas de alteração constitucional em trâmite no Congresso Nacional, dentre as quais uma que objetiva criar mandato para o Diretor-Geral (outra medida importante contra oscilações políticas que possam redundar na queda de dirigente por motivação não republicana). A ADPF realizou votação entre os Delegados para eleger seu Diretor-Geral por meio de lista tríplice (iniciativa ainda não acolhida pelo Poder Executivo). A escolha do Diretor-Geral pelos Delegados, por meio de votação direta, e a existência de mandato são medidas muito importantes para consolidar a autonomia e impedir investidas perniciosas do mundo político contra o órgão.
 

6 – Outras iniciativas legislativas visam trazer maior autonomia para o cargo de Delegado de Polícia como: como nos projetos de lei sobre delegado-conciliador (PL 1.028/2011), delegado-promotor (PL 5.776/2013 – Substitutivo), delegado juiz de instrução e garantias (PEC 89/2015) e delegado como autoridade policial exclusiva (PL 6.433/2013 e PL 7/2016). Poderia suscintamente falar um pouco destas iniciativas?
 

1)    Particularmente penso que o sistema de persecução penal imaginado pelo legislador constituinte de 1988 é muito bom. A divisão clara de tarefas, com a especialização dos órgãos é salutar. Na linha traçada pela Constituição Federal, a polícia preventiva atua para evitar a prática de crimes (PM e PRF), a polícia judiciária investiga delitos, caso o primeiro filtro falhe (PC e PF), investigado o fato, o órgão acusador oficial oferece denúncia (MP) e o Poder Judiciário julga o processo, com necessária participação da defesa técnica (advogado ou defensor público). O fortalecimento das instituições para o exercício do seu mister constitucional é importante demais. O sistema apresenta problemas porque nunca foi implementado como pensado pelo legislador originário. O efetivo dos órgãos é insuficiente, a estrutura e deficitária, falta treinamento, muitas carreiras precisam de melhoria salarial, dentre outras mazelas. Precisamos, antes de pensarmos em soluções mirabolantes, cuidar de reforçar as instituições, para que elas cumpram efetivamente seus papéis.

 
7 – De acordo com o entendimento do MPF, a PEC é incompatível com o controle externo da atividade policial, garantido ao Ministério Público pela Constituição, e com a proteção de direitos humanos. Qual seu posicionamento acerca deste apontamento?

A PEC 412 em nada afeta o controle externo da atividade policial. O controle determinado pela Constituição Federal é em relação à atividade-fim da PF e não em relação a sua organização e administração. Não vejo o menor problema na aprovação da autonomia em relação à proteção de direitos humanos. O Ministério Público é órgão autônomo e membros do MP possuem livre porte de arma. O número de policiais cedidos aos GAECOS do MP é cada vez maior. O MP teve reconhecida sua capacidade investigativa pelo STF (apesar de, particularmente, eu entender que se trata atribuição não conferida pelo constituinte de 1988). Hoje, no fim das contas, o Ministério Público é órgão autônomo armado (membros que detém porte de arma e policiais cedidos) que exerce função investigativa. E nem por isso ouvi falar de pareceres do órgão, no sentido de abrir mão da autonomia em virtude disso. Imaginar que a Polícia Federal atentasse contra direitos humanos depois de ser alçado à condição de órgão autônomo é fantasioso.

 
8 – Porque os peritos têm reservas à PEC 412/09?

Sinceramente não compreendo como é possível manejo de qualquer ataque à PEC 412 vindo de servidores da própria PF. Parece-me ilógico preferir um órgão sem autonomia e completamente dependente do Poder Executivo (à mercê de cortes orçamentários, asfixia por meio da não realização de concursos públicos, sucateamento de estrutura, dentre outras mazelas). É como se um dos filhos desejasse que sua família não alcançasse a independência financeira.

 
9 – O que devemos esperar quanto à aprovação desta PEC, e quais sugestões o senhor tem para que ele tivesse um conteúdo ideal?
 

A expectativa é o crescimento exponencial da Polícia Federal. Materialização de política efetiva de recomposição dos quadros (por meio da realização frequente de concursos públicos), construção e reforma de prédios, existência de fôlego financeiro para suportar operações prolongadas de combate à corrupção, como a Lava-jato, dentre outros pontos importantes. O texto atual é bem enxuto e, num país que se preocupasse efetivamente com o combate à corrupção, seria tranquilamente aprovado. O que desejo sinceramente é fortalecimento cada vez maior da PF, polícia de Estado, que já deu várias amostras de agir com imparcialidade e seriedade, contribuindo para construção de um país melhor.

A entrevista no site original pode ser conferida AQUI