Câmara e casa de jogos

28 de setembro de 2007 11:15

Um mesmo prédio abriga um bingo no térreo e a Câmara Municipal nos segundo e terceiro andares: lugar tem capacidade para até 200 jogadores aos sábados e domingos

No Novo Gama, a 46 km do Plano Piloto, as apostas são feitas no prédio da Câmara Municipal, na principal avenida da cidade. No térreo do edifício de três andares, funciona, aos sábados e domingos, um bingo com capacidade para 200 clientes. O espaço é gradeado. De fora, vê-se as cadeiras acolchoadas, as mesas das apostas e os suportes onde são instalados os monitores de TV que mostram os números sorteados no jogo.

O presidente da Câmara Municipal, vereador Carlos Simões (PSDB), disse não ver problema no bingo. Não há uma lei municipal que proíba tal atividade , alegou. Ele frisou que a Câmara nada tem a ver com a casa de jogos. A Câmara funciona no segundo e terceiro andares. O térreo é de responsabilidade do dono do imóvel , argumentou Simões.

O município não tem competência para legislar sobre bingos. O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, em maio, a Súmula Vinculante nº 2, que trata da jogatina (veja O que diz a lei). O texto aprovado afirma ser inconstitucional a norma estadual ou distrital que tratar sobre sistemas de consórcios e sorteios, incluindo bingos e loterias. Com isso, só a União pode legislar sobre loterias e jogos de azar.

Carlos Simões garantiu não saber quem é o dono do bingo instalado no prédio da Câmara Municipal do Novo Gama. Funcionários das lojas vizinhas à casa de jogos contaram que ela é de um homem conhecido como Zé do Bingo, morador do Gama (DF). Ninguém, no entanto, informou o endereço e telefone dele. Só disseram que ele comanda a jogatina nos fins de semana.

O diretor-geral da Polícia Civil de Goiás, Marcos Martins Machado, afirmou que o problema dos bingos é da União e, portanto, as casas devem ser fiscalizadas pela Polícia Federal. Porém, ele garante que os caça-níqueis são alvos de operações constantes da Polícia Civil goiana. Segundo Machado, cerca de 3 mil máquinas foram apreendidas em todo o estado este ano.

Promotores do Núcleo de Combate ao Crime Organizado de Goiás apuram, há seis meses, denúncias do envolvimento de policiais militares goianos com chefes do jogo do bicho e de bingos no estado. PMs são acusados de cobrar de R$ 80 a R$ 120 por máquina caça-níquel em funcionamento em Goiânia e no interior do estado, principalmente no Entorno do Distrito Federal. O pagamento da taxa impediria a fiscalização e apreensão dos equipamentos ilegais.

O comando da PM de Goiás, por meio da assessoria de imprensa, informou que, assim que tiver conhecimento das denúncias e obtiver o nome dos policiais envolvidos, enviará o caso para a Corregedoria da corporação. Se ficar comprovada a participação de PMs, os suspeitos serão punidos. A assessoria de comunicação da Polícia Federal no DF informou apenas que os bingos do Entorno são investigados pela Delegacia Fazendária da unidade. Mas, até o fechamento desta edição, o responsável pela delegacia não havia sido encontrado para entrevista, segundo a assessoria.

Máfia italiana
A Polícia Civil brasiliense investiga os bingos no DF e no Entorno desde 2003. Três relatórios do Departamento de Atividades Especiais (Depate), divulgados pelo Correio em março de 2004 (confira Memória), comprovaram irregularidades nas casas de jogos, como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A polícia confirmou ainda o envolvimento de bingueiros em atuação na capital federal com máfias dos combustíveis italianas.

A polícia chegou aos bingos após iniciar, em dezembro de 2002, uma investigação nas empresas que trabalhavam com máquinas de caça-níqueis no DF, quando foram apreendidos mais de 500 equipamentos. Identificada a ligação com as casas de jogos, os agentes e delegados rastrearam os nomes dos donos de 16 bingos.

Os agentes do Depate comprovaram que apenas duas ou três empresas comandavam toda a rede de bingos no DF. Os donos apareciam entrelaçados. Um gerente tinha ligação com outras casas. Isso demonstrava a existência de uma rede por trás de tudo. O detalhamento do esquema montado com testas-de-ferro estava na conclusão do relatório policial: O crime organizado, para que possa se instalar, constrói um sistema complexo que dificulta a ação repressiva das ilegalidades .

Em outro trecho, o documento indicava a relação entre as casas de bingo e a atividade de máquinas caça-níqueis. O elo aparece quando os proprietários de uma empresa se identificavam como gerentes de outras. E poucas pessoas eram responsáveis legais por todos os bingos.

O que mudou de lá para cá, segundo o delegado Celso Ferro, diretor do Depate, foram os endereços dos bingos. Por pressão da Polícia Civil brasiliense e da Polícia Federal, eles trocaram o DF pelo Entorno. Ali, mantêm a clientela da capital do país, mas sem serem incomodados pelos policiais goianos.