Carta Aberta ao Presidente da República
Senhor Presidente,
Considerando a exoneração do Diretor-Geral da Polícia Federal, o pedido de demissão do Ministro da Justiça e Segurança Pública e o pronunciamento de V.Exa. em decorrência das repercussões desses eventos, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF, que representa há mais de 43 anos os delegados de Polícia Federal, respeitosamente, vem a público se manifestar sobre as premissas da relação entre o Poder Executivo e a Polícia Federal, bem como requerer providências do senhor Presidente da República, a partir dos seguinte pontos:
1. Sobre a prerrogativa de nomeação do Diretor-Geral da PF. A Polícia Federal é um órgão de Estado, e integra a rede de controle (accountability), portanto deve exercer a sua missão constitucional independentemente das convicções e decisões políticas de qualquer governo. Embora seja absolutamente verdadeira a premissa de que a legislação reservou ao Presidente da República a nomeação do Diretor-Geral da Polícia Federal, trata-se de um pilar do Estado Democrático de Direito que o estadista se limite a escolher o comandante da instituição, sempre buscando o delegado mais preparado técnica, moral e psicologicamente para a função. A partir da nomeação e posse, manda o interesse público que o Presidente mantenha uma distância republicana, de modo a evitar que qualquer ato seu seja interpretado pela sociedade como tentativa de intervir politicamente nos trabalhos do órgão, que por sua natureza costuma realizar investigações que esbarram em detentores do mais alto poder político e econômico, e tem como corolário de suas atribuições constitucionais exercer uma parcela do controle dos atos da administração pública federal, incluindo os da própria Presidência da República;
2. Sobre o acesso a informações de investigações. O Presidente da República é o chefe máximo do Poder Executivo, entretanto deve preservar a imagem da sua gestão e da própria instituição seguindo protocolos de conduta sensíveis no que se refere aos órgãos de Estado. O ordenamento jurídico prevê que as atividades investigativas da Polícia Federal são sigilosas e somente os profissionais responsáveis em promovê-las é que devem ter acesso aos documentos. O mesmo se aplica aos relatórios de inteligência. Quando a PF, por meio de suas atividades de inteligência, toma conhecimento de fatos que interessam à tomada de decisões por parte do Governo, estas são compartilhadas pelo Sistema Brasileiro de Inteligência e seguem fluxo já estabelecido até chegar ao conhecimento institucional da Presidência da República, não havendo qualquer previsão legal de comunicações pessoais, gerais e diárias ao mandatário, função esta que é da ABIN;
3. Sobre a competência para solicitar investigações. Quando um presidente da República toma conhecimento de irregularidades que possam configurar crime ou infrações civis e administrativas de ocupantes de cargos efetivos ou em comissão não diretamente subordinados a si ou de outros poderes, mesmo sendo o ocupante do topo da pirâmide hierárquica, deve comunicar, pelos canais hierárquicos às autoridades competentes para as providências legais. Isso não deslustra de nenhuma maneira a máxima autoridade do Presidente. Pelo contrário, o preserva como fiel cumpridor dos princípios constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;
4. Sobre a investigação relacionada ao atentado contra V.Exa. O inquérito recebeu total atenção da PF, e seguiu em caráter prioritário em razão de ser um crime contra a segurança nacional e a própria democracia. A comparação em relação a outros crimes é injusta com o órgão, pois cada investigação tem as suas características e dificuldades concretas e próprias. Diante das inúmeras notícias falsas que circularam sobre o atentado, a PF prestou todos os esclarecimentos publicamente, ao menos daqueles que não prejudicassem a continuidade das investigações, para que não pairassem dúvidas sobre o inquérito policial. As linhas investigativas continuam sendo exauridas, para que ao final a sociedade tenha a certeza absoluta de que a verdade foi alcançada ou foram esgotadas todas as possibilidades de apuração. Entretanto, não é possível produzir em uma investigação um resultado específico desejado. As atividades da Polícia Federal seguem a legislação e protocolos pré-estabelecidos e estão sob os controles da Corregedoria, do Ministério Público, do Judiciário, da Controladoria Geral da União, do Tribunal de Contas da União, das defesas e, em última análise, da sociedade organizada. Portanto, qualquer resultado que não agrade os envolvidos, até mesmo os chefes máximos dos Poderes da República, pode ser auditado e, havendo irregularidade, esta ser informada às instâncias competentes para as medidas legais cabíveis, inclusive para as punições administrativas, penais e cíveis, em caso de responsabilidade comprovada em processo regular. A PF atua em meio a uma cultura institucional arraigada que repudia desvios de qualquer espécie e cultua uma neutralidade político-partidária que fez a instituição ser reconhecida até mesmo internacionalmente. Qualquer irregularidade pode e deve ser coibida pelos meios legais previstos. A PF é uma instituição que sempre “cortou na carne” quando comprovada a participação de seus integrantes em ilícitos;
Provavelmente se as premissas e esclarecimentos acima tivessem sido compreendidos e corrigidos os possíveis entraves de comunicação entre V.Exa e a Polícia Federal, os fatos que presenciamos nesta semana não teriam ocorrido e não estaríamos vivenciando as circunstâncias atuais. Da maneira como ocorreu, há uma crise de confiança instalada, tanto por parte de parcela considerável da sociedade, quanto por parte dos delegados de Polícia Federal, que prezam pela imagem da instituição. Nenhum delegado quer ver a PF questionada pela opinião pública a cada ação ou inação. Também não quer trabalhar sob clima de desconfianças internas. O contexto criado pela exoneração do comando da PF e pelo pedido de demissão do Ministro Sérgio Moro imporá ao próximo Diretor um desafio enorme: demonstrar que não foi nomeado para cumprir missão política dentro do órgão. Assim, existe o risco de enfrentar uma instabilidade constante em sua gestão. O último comandante da PF que assumiu o órgão em contexto semelhante teve um período de gestão muito curto. Qualquer eventual ordem de intervenção cumprida pelo novo DG, que acreditamos que nenhum delegado o fará, necessariamente o levará ao mesmo destino ou até a uma situação pior;
Diante da realidade vivida hoje, a ADPF gostaria de contribuir com V.Exa. e com o Brasil, para que a Polícia Federal e a Presidência da República possam sair dessa crise mais fortes do que antes. Assim solicitamos que adote as seguintes providências:
a) Firme um compromisso público de que o novo Diretor-Geral da Polícia Federal terá total autonomia para formar sua equipe e conduzir a instituição de forma técnica e republicana, sem obrigações de repassar informações ao Governo Federal, ou instaurar ou deixar de instaurar investigações por interesse político ou intervir em qualquer outra já existente;
b) Envie urgentemente projeto de legislação ao Congresso Nacional, prevendo mandato para o Diretor Geral da Polícia Federal e escolha mediante lista previamente apresentada pelos delegados ao Presidente da República, com sabatina. Os delegados para se tornarem integrantes da lista deverão atender a critérios objetivos mínimos estabelecidos em lei. O Projeto deve garantir ao Diretor Geral escolhido pelo presidente a autonomia para nomear e exonerar todos os cargos internos da PF, mediante a obediência a critérios mínimos objetivos para cada cargo, definidos em lei;
c) Envie urgentemente projeto de emenda constitucional ao Congresso Nacional prevendo autonomias para a PF;
Tais medidas irão construir um ambiente institucional menos tenso e, certamente constituirão um legado de seu governo para o Brasil, contribuindo para a dissipação de dúvidas sobre as intenções de V.Exa. em relação à Polícia Federal.
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF