Cerco ao tráfico

11 de setembro de 2007 11:30

Ana Maria Campos
Da equipe do Correio
Marcelo Ferreira/CB

Clima de tensão na Cidade Ocidental aumenta após denúncias do Correio Braziliense sobre mortes de jovens na guerra do tráfico: população intimidade e ausência de providências do Estado

Vamos avaliar o quadro de violência na região com cuidado. Sabemos que é uma situação emergencial
Antônio Carlos Biscaia, secretário Nacional de Segurança

O novo secretário Nacional de Segurança Pública (Senasp), Antônio Carlos Biscaia, toma posse hoje às 16 horas no Ministério da Justiça já de olho na violência das cidades vizinhas à capital do país. Ex-deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro e procurador de Justiça aposentado, Biscaia revelou ontem ao Correio ter recebido uma orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Justiça, Tarso Genro, de tratar a região do Entorno do Distrito Federal como uma das prioridades de sua gestão. O Entorno e o Rio de Janeiro terão tratamento especial do governo federal , sustenta.

Biscaia defende que os 20 municípios limítrofes ao Distrito Federal sejam tratados com a devida importância na distribuição de recursos do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). O chamado PAC da Segurança prevê o atendimento prioritário das 11 regiões metropolitanas que possuem os maiores índices de criminalidade, segundo dados levantados pelo Ministério da Justiça em 2005. A região do Entorno está entre as mais violentas, junto com Vitória (ES), Belo Horizonte (MG), Maceió (AL), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Belém (PA). Somente para este ano, estão previstos investimentos de R$ 483 milhões para o PAC da Segurança, de um total de R$ 4,8 bilhões que serão liberados para integração de políticas, medida que envolverá governos estaduais e municipais.

Na avaliação de Biscaia, a crescente criminalidade no Entorno preocupa muito (leia Análise da Notícia). A região abriga duas das cidades mais violentas do país, Águas Lindas e Luziânia, segundo dados da Senasp. Depois de tomar pé das estatísticas, Biscaia pretende propor medidas urgentes. Vamos fazer reuniões com os governadores do Distrito Federal e de Goiás para avaliar o quadro. Mas sei que a situação é emergencial , avalia Biscaia.

Uma hora depois de dar posse ao novo secretário Nacional de Segurança Pública, que assume o cargo em cerimônia com o novo secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, o ministro da Justiça, Tarso Genro, o secretário se reúne hoje com os governadores do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), e de Goiás, Alcides Rodrigues (PP). O assunto é justamente a segurança pública do Entorno. Série de reportagens publicada pelo Correio mostra que a situação de criminalidade na região atinge níveis assustadores. Menores estão a serviço de traficantes e famílias contabilizam mortos, vítimas da violência sem controle nos municípios goianos.

Um dos temas da reunião será o uso da Força Nacional de Segurança para o Combate ao Narcotráfico. Biscaia é favorável à medida. Ele defende que o Ministério da Justiça mantenha um efetivo de 500 homens à disposição dos governos do Distrito Federal e de Goiás. Eles deverão ficar prontos para entrar em ação para facilitar o trabalho das polícias no Entorno , diz Biscaia.

Questão nacional
Parlamentares da bancada do Distrito Federal querem sensibilizar o governo federal sobre a situação de calamidade no Entorno. O deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) promete um discurso hoje no plenário da Câmara dos Deputados, como forma de demonstrar sua posição. Esse não é um problema do Distrito Federal ou de Goiás. É uma questão nacional , avalia Rollemberg.

Diretor da Polícia Civil do DF nos últimos oito anos, o deputado Laerte Bessa (PMDB-DF) afirma que a liberação de recursos para a região é fundamental. Não adiantam paliativos. Temos de investir pesado na estrutura policial , acredita. Na semana passada, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Luiz Couto (PT-PB), encaminhou ao Ministério da Justiça um pedido de intervenção da Polícia Federal na investigação de assassinato de adolescentes vítimas da guerra do tráfico de drogas na região.

O deputado Geraldo Magela (PT-DF) é favorável a medidas emergenciais, mas é contra uma intervenção de cima para baixo, sem uma integração das ações dos governos federal e do DF e de Goiás. Tenho denunciado a evolução do narcotráfico no Entorno desde 2002 , diz o petista. Precisamos de uma ação da inteligência da Polícia Federal na região, num trabalho de cooperação com os governos estaduais porque a região se transformou num ponto de distribuição de drogas para o país , avalia.

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Baixada federal

Carlos Tavares
Da equipe do Correio

O anúncio de medidas de segurança emergenciais por autoridades do governo federal para conter o tráfico e as mortes de jovens nos 20 municípios que formam a Região do Entorno reflete antes o despertar para um apelo da sociedade do que uma postura de prevenção por parte dos governos nas três esferas intitucionais. O drama que vivem famílias de trabalhadores do Entorno é antigo e os primeiros sintomas de que providências deveriam ter sido tomadas, com urgência, surgiram há cerca de uma década, lembra o Correio na edição de ontem.

Em relatório enviado ao então ministro da Justiça, José Carlos Dias, o Ministério Público de Goiás alertava para uma situação que explode agora com mais visibilidade estilhaços de prejuízos irreparáveis para famílias do Entorno que assistem caladas e com medo à escalada do terror. Morte de jovens no tráfico de drogas, prostituição infanti, grilagem de terras, grupos de extermínios, corrupção policial. Tudo isso num raio de menos de 70km da capital federal.

Há de se indagar: ainda há tempo de barrar o avanço da criminalidade no local? É possível impedir que chegue aqui? Ou seus reflexos já se tornaram irreversíveis? Brasília ainda registra 15 homicídios para cada 100 mil habitantes; no Entono o número sobre para 67.

O secretário de Segurança de Goiás, Ernesto Roller avalia que não adianta mandar 100 homens da Força Nacional para os 20 municípios do Entorno porque seriam cinco para cada cidade, um contingente até risível de combate ao crime organizado na região. Ele tem razão, mas não é apenas com a força que se combate a criminalidade. Seu germen começa a ser forjado na ausência do Estado quando se trata de educação, lazer, saúde, trabalho e formação cultural. Famílias inteiras dessa região devem estar se perguntando por que somos tão desprezados assim.