Chave pode ser o IML
Sargento da PM Celso Nogueira foi espontaneamente prestar depoimento e negou qualquer envolvimento
Rio de Janeiro O atentado contra Alexandre Neto, delegado-adjunto da Divisão Anti-Seqüestro (DAS) da Polícia Civil, ainda não foi desvendado, mas serviu para trazer à tona graves denúncias feitas por um grupo de policiais, que apontam para a existência de um esquema de compras irregulares, superfaturamento e arrecadação de propina dentro do Instituto Médico Legal (IML). Alexandre Neto, que levou nove tiros no último domingo, numa tentativa de execução na porta de sua residência em Copacabana, é uma das testemunhas de acusação de uma explosiva sindicância da Corregedoria Interna de Polícia Civil.
O ex-diretor do IML, Roger Ancillotti, e o atual diretor, Hélio Feldman, são acusados de permitir irregularidades no instituto, que teria se transformado em local de arrecadação de recursos para o ex-chefe da Polícia Civil e hoje deputado estadual Álvaro Lins (PMDB) também acusado por Alexandre Neto de ligação com a máfia dos caça-níqueis. Outro que sustentava as denúncias contra a máfia do IML, o perito Alexandre Várzea, morreu há 10 dias. Ele pilotava sua moto na contramão, em ziguezague, quando bateu de frente em um ônibus. Policiais ligados ao perito acreditam que ele tentava escapar de um atentado. O terceiro policial que denuncia o suposto esquema, o ex-subdiretor do IML e médico legista Daniel Pontes, afirmou ontem que será a próxima vítima.
A minha morte e a do doutor Alexandre (Neto) são líquidas e certas. Elas interessam aos mesmos canalhas que, infelizmente, ainda dominam a Polícia Civil , apontou Daniel Pontes, que foi ontem ao Hospital Quinta D Or, em São Cristovão, na Zona Norte, visitar o amigo Alexandre Neto. Várias pessoas teriam interesse em matar o Alexandre. Em suma, todos os canalhas e bandidos. Mas o Alexandre desconfia e eu acredito que o tiro tenha partido daí (IML) , afirmou Pontes, que no início do ano apresentou um dossiê, entregue ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Tribunal de Contas da União.
Ele repetiu essas acusações em depoimento à Delegacia de Homicídios, que investiga o atentado contra o delegado-adjunto da DAS. E mostrou uma gravação, à qual o Correio teve acesso, em que Alexandre Várzea alerta que ele está na lista de policiais marcados para morrer. Entre as denúncias do dossiê estão a extorsão de familiares na porta do IML, a compra sem licitação de material para necropsia e as más condições de trabalho dos funcionários. Segundo Daniel Pontes, a interdição do IML, determinada pela atual administração, é de fachada e não passa da porta, com o necrotério funcionando plenamente . Ele reuniu fotos e gravações telefônicas, mas, segundo ele, misteriosamente nenhum dos envolvidos foi afastado . Procurados, Roger Ancillotti e Hélio Feldman não foram encontrados. Em outras ocasiões, já negaram qualquer envolvimento nessas irregularidades.
Sargento se apresenta
Além da suposta máfia do IML, a Delegacia de Homicídios tem outras linhas de investigação. O que não faltam, porém, são desafetos do delegado Alexandre Neto. A tentativa de execução poderia ter partido da máfia dos caça-níqueis, denunciada pelo delegado em dossiê entregue à Polícia Federal em outubro do ano passado. Ou dos policiais envolvidos no seqüestro do ex-chefe do tráfico no Morro da Mangueira, Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha. Ou, ainda, poderia também ter sido uma vingança pessoal do grupo de PMs denunciados por ele como envolvidos no jogo do bicho e ameaçados de expulsão.
Os policiais haviam hostilizado Alexandre Neto em fevereiro do ano passado, numa confusão que começou por causa de um estacionamento irregular. A ação foi filmada e um dos envolvidos, o sargento da PM Celso Nogueira, se apresentou ontem voluntariamente e negou qualquer envolvimento no atentado. O militar teve a arma acautelada e o carro lacrado um Polo prata, da mesma marca e cor do carro que teria sido usado no atentado. Nada está sendo desprezado. Estamos trabalhando com todas as informações que podem ajudar a encontrar os autores dos disparos, repetiu o delegado Roberto Cardoso, chefe da Homicídios. A polícia espera o depoimento de um casal de idosos, cujas identidades foram preservadas, que estavam próximos do local do crime.
——————————————————————————–
A minha morte e a do doutor Alexandre são líquidas e certas. Elas interessam aos mesmos canalhas que, infelizmente, ainda dominam a Polícia Civil
Daniel Pontes, médico-legista
——————————————————————————–
Segurança reforçada
A segurança do delegado Alexandre Neto no Hospital Quinta D Or foi reforçada e, além de viaturas estacionadas na entrada, havia ontem policiais com coletes à prova de balas montando guarda na porta do quarto onde ele se recupera do ataque. Neto foi submetido ontem, durante quatro horas, a uma delicada cirurgia reparadora na mão direita: o dedo médio teve que ser amputado e o indicador foi transposto para a sua posição para facilitar os seus movimentos. Ele vai ficar com a função da mão praticamente normal, para escrever, teclar no computador e mesmo para atirar, se quiser , informou o cirurgião José Maurício Carmo. Ele nasceu de novo, e não foi por sorte. O atirador era profissional. Se ele não tivesse se virado (do lado direito), teria sido atingido de frente no peito e na cara. As balas entraram no tórax, furaram gordura e saíram , contou um policial que o visitou.
Dois tiros acertaram a sua mão direita. Alexandre Neto deve ter alta até a próxima segunda-feira e começará uma fisioterapia de três meses para recuperar, aos poucos, o movimento dos dedos. Antes da cirurgia, uma consulta foi feita ao policial sobre o que ele desejava. Ele perguntou apenas se poderia continuar a escrever. Por sorte o tiro foi na mão, não foi na língua , resumiu, com humor, seu irmão Artur Alexandre, que passou o dia com ele. O grilo falante , como ele é conhecido, espera voltar logo à ativa.