Colaboração Premiada e a Repressão Financeira ao Crime Organizado

6 de fevereiro de 2018 16:10

Na esfera penal, a teoria absoluta da pena, seja na visão ética, seja na jurídica, pauta-se pelo castigo, conferindo-lhe a essência de retribuição, cega ou alheia ao efeito social. A teoria relativa, por seu turno, afasta-se da retribuição e da ideia de realização de justiça, justificando a pena pela sua possibilidade de inibir novos fatos delitivos, conferindo-lhe finalidade preventiva geral e especial.

Com o objetivo de unificar as duas anteriores, a teoria mista, embora tenha como fim da pena a prevenção da teoria relativa, contempla também a retribuição, porém não como finalidade, tal qual defendida pela teoria absoluta, mas como critério limitador mínimo e máximo da própria prevenção, de modo a torná-la proporcional. Foi essa última a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, segundo o art. 59 do Código Penal.

 

A Teoria Unitária (mista) teve êxito na combinação de três funções: retribuição, prevenção especial e prevenção geral. Em que pese os esforços unificadores, a teoria mista não se blindou às críticas, mas ao revés congregou duas delas. A primeira em face da prevenção geral negativa, por tornar o condenado um instrumento de intimidação, ofendendo-lhe a dignidade. A segunda crítica se volta contra o falido sistema penitenciário, ineficaz na ressocialização proposta pela prevenção especial positiva.

 

Todas elas buscam estudar o fundamento e o fim da pena, objetivando justificar o cárcere e, consequentemente, a perda da liberdade de ir e de vir, como direito fundamental de primeira dimensão. Nenhuma delas, porém, dedica-se a outra liberdade: a de usufruir. Reduzir a finalidade da pena no escopo da liberdade de locomoção revela-se uma tradicional expectativa de eficácia do Direito Penal. Frustradas as expectativas, surgiram inclusive teorias deslegitimadoras.

 

Notadamente nos crimes de forma livre, modos de atuar das organizações criminosas se diversificam cada vez mais, de modo que os injustos penais não mais se realizam conforme padrões já definidos, reclamando a consolidação de um novo fundamento e fim da pena.

 

No estudo do crime organizado, várias são as características apresentadas pela doutrina tradicional, entre as quais, sublinho, a pluralidade de agentes em condutas paralelas, numa cadeia de comando com divisão de funções. Ocorre que uma das principais características não é a existência dessa estrutura, e sim – mais além – a sua resiliência.

 

A organização, ainda que sofra abalo no vértice superior de comando, com a privação da liberdade dos seus líderes, possui aptidão de recuperar o equilíbrio sistêmico, restruturando-se com novos personagens, sem necessariamente alterar a dinâmica de atuação. Investigação capitalista, pois, que se impõe.

 

O Direito Penal deve ser retrospectivo e proporcional na culpabilidade, no desvalor do fato do autor, porém prospectivo em busca da máxima efetividade na proteção jurídica. E nessa segunda face, deve transpor os murais conceituais, transmudando-se na persecução penal pecuniária. Para tanto, medidas assecuratórias e de constrição econômica final se revelam fundamentais, com a finalidade de sequestrar o produto direto e o indireto dos crimes, precipuamente aqueles cometidos por organizações criminosas, cabendo à Polícia, por princípios administrativos, valer-se com proporcionalidade de todos os meios de obtenção de prova previstos da Lei 12.850/2013, dentre eles o de colaboração premiada.

 

A colaboração premiada, embora vozes academicamente não ressoantes procurem defender o contrário, é um meio de obtenção de prova, por excelência, e não uma prova em si. Trata-se de um instrumento de descoberta, ao ser buscar validar ou não o relato apresentado pelo colaborador quando (e enquanto) há uma investigação criminal.

 

A Lei 12.850/2013, estabelece, em seu Art. 4º, inciso IV, que o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração oportunize a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa.

 

Do exposto, na colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, a autoridade policial deve contemplar, em homenagem à Teoria Penal Econômica, a recuperação do produto ou do proveito dos crimes, tendo em vista o valor da vantagem obtida com o crime, pouco importando a situação econômica do infrator. E assim proceder a descoberta com base em um inquérito com vetor investigativo com lastro técnico, sempre proclive à asfixia financeira.

 

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