Coluna: Qualidade e segurança dos alimentos

6 de novembro de 2007 10:20

O risco a que me refiro é mais real, palpável e não pode ser evitado, já que é recomendável – e deveria ser saudável – que as pessoas se alimentem, de preferência três vezes ao dia. A verdade é que já fazia parte, como se diz na linguagem popular, adquirir combustível batizado, medicamentos vencidos, brinquedos defeituosos que comprometem a segurança das crianças, etc. Mas a descoberta de fraude na fabricação de leite industrializado, com a adição de produtos químicos para mascarar a falta de higiene na produção e a má qualidade do produto, põe em tela um tema cada vez mais importante nos países desenvolvidos: o da qualidade e segurança dos alimentos. Revela para a sociedade o que especialistas, produtores e governos já sabiam: a ineficácia do sistema de inspeção e fiscalização sanitária. O presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim, declarou que os produtores sabiam que estava havendo adulteração do produto, com adição de soro, água ou amido , mas que não imaginavam que a situação fosse tão grave quanto o que está sendo colocado . E reconhece que o governo não tem condições de fazer uma fiscalização efetiva na cadeia produtiva do leite, que é produzido em todos os 5.565 municípios do País .

Se o problema fosse circunscrito a este produto, seria apenas adotar a revolucionária dieta do leite – que suprime a ingestão de todo produto lácteo. O prejuízo ficaria limitado aos produtores de leite, que, depois de anos de dificuldades que levaram milhares à troca de atividade, finalmente estavam retomando os bons negócios. Mas quem garante que o problema seja só com o leite, se as instituições que deveriam zelar pela qualidade e sanidade dos alimentos se mostram incapazes de cumprir suas funções? A capacidade dos consumidores para avaliar os alimentos é limitada. Podem inferir alguns atributos a partir da aparência, antes mesmo de tomar a decisão de consumi-los; para conhecer o sabor precisam prová-los; mas mesmo assim não saberão identificar algumas características dos produtos – reveladas por testes laboratoriais -, que, por isso, são consumidos em confiança. Daí a importância das marcas usadas pelas empresas para transmitir uma mensagem ao consumidor, conquistá-lo e fidelizá-lo. Produtos saudáveis, de qualidade, durabilidade e produzidos com respeito ao meio ambiente são associados a marcas e consumidos em confiança.

O problema é que semanalmente os canais de TV apresentam avaliações da conformidade de produtos às normas estabelecidas e raramente os resultados são animadores. Mesmo marcas conhecidas de alimentos são reprovadas em quesitos básicos, como a quantidade de caloria, a não declaração de ingredientes que podem causar alergia ao consumidor, açúcar em produtos para diabéticos, entre outros. A explicação usual é que o teste aplicado não corresponde ao usado pela empresa. Quando problemas que deveriam ser detectados pela fiscalização o são pela Polícia Federal, é porque a situação já fugiu do controle.

É provável que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) tenha razão ao afirmar que se outros alimentos forem testados, também vão apresentar problemas . A simples contratação ou rodízio de fiscais não resolverá o problema. Enquanto a fraude for fonte de lucro, e não de punição, a indústria da falsificação se manterá forte e dinâmica. E, quando se fala em punição, e se olha para cima, não há muitas razões para otimismo neste Brasil que insiste em reclamar e não reagir, em responsabilizar o governo e permanecer inerte.

*Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br