Confira trechos de entrevistas do Ministro José Eduardo Cardozo
Valor: A PF é acusada de fazer operações para atingir candidatos, até do PT. O ministro da Justiça sabe o que a PF vai fazer amanhã?
José Eduardo Cardozo: Quando a PF investiga um adversário político do governo, a acusação é a de que está instrumentalizando. Quando atinge parlamentares da base aliada, dizem que o governo perdeu o controle da PF. Há uma esquizofrenia. A PF atua de forma independente, autônoma e republicana. Ela não é pautada nem "despautada" pelo governo nas suas intervenções. Cabe ao ministro da Justiça garantir a sua autonomia. Eu não sei e não posso saber das operações. Há sigilo no inquérito policial. Se quebrado, há crime. Essa cultura se construiu nos últimos 12 anos e é irreversível. Acho impossível haver controle político da Polícia Federal.
Valor: Os problemas não indicam, então, necessidade de reestruturar a PF?
José Eduardo Cardozo: Eu acho que a PF deve ser uma polícia judiciária no sentido estrito, uma polícia de investigação. E deve deixar cada vez mais as funções administrativas para outros órgãos. Atividades administrativas que absorvem pessoal, como emissão de passaportes, podem ser feitas por outros órgãos, desde que as informações fiquem retidas no órgão policial. Isso tem que ser planejado. Cada vez mais a PF se credencia como "expertise", que é a investigação policial de alto nível. Nós temos que aprofundar essa vocação dela.
Valor: Os delegados também cobram maior autonomia e prioridades às grandes investigações.
José Eduardo Cardozo: Eu desconheço órgão público que não queira autonomia. A autonomia de investigação é fundamental para o seu sucesso. Ela tem que ficar afastada de injunções políticas e econômicas. Nós temos que verificar: é autonomia para investigação, não para a atuação de uma força, que está armada. A atuação de uma força armada tem que responder sempre ao poder central que foi eleito. O que eu preciso é dar aquilo que de fato a Polícia Federal já tem: a autonomia na investigação. E não a autonomia na ação armada.
Valor: No Ministério da Justiça concentraram-se os órgãos hoje acusados de aparelhamento partidário, como a Polícia Federal (Lava Jato), o Cade (Alstom), que estariam vazando ações e documentos de inquéritos contra candidatos…
José Eduardo Cardozo: Quando tem uma investigação que incomoda, ao invés de responder ao fato, tenta-se transformar aquilo numa disputa política. Isso é uma estratégia pueril.
IstoÉ: Qual é a importância da liminar que impede a Polícia Federal de fazer greve durante a Copa do Mundo?
José Eduardo Cardozo: A greve das polícias militares já é proibida pela Constituição. A liminar do Superior Tribunal de Justiça reafirma uma decisão anterior de dois ministros do Supremo Tribunal Federal, que já haviam definido que corporações armadas não podem fazer greve. Essa jurisprudência foi reafirmada agora. A liminar do STJ ainda deixa claro que outras ações, como operação tartaruga e qualquer outra que implique o desrespeito ao dever legal, também não são aceitas pelo nosso sistema Judiciário.
IstoÉ: O senhor acha que o risco de greves da PF está afastado?
José Eduardo Cardozo: Não acredito que profissionais que são pagos com dinheiro do povo para garantir o cumprimento da lei vão tomar a iniciativa de desrespeitar uma decisão da Justiça. Acredito que teremos tranquilidade durante a Copa. Mas, se, por outro lado, tivermos algum problema, teremos todos os meios para suprir qualquer deficiência.
IstoÉ: Qual é a motivação real de um movimento de greve da Polícia Federal durante a Copa?
José Eduardo Cardozo: Existe uma discussão salarial. Mas temos também uma situação de conflito interno na Polícia Federal, entre agentes e delegados, que perdura há mais de uma década, e que já extrapolou qualquer plano racional. Esse conflito começou depois da Constituição de 1988, que proíbe que um servidor já concursado possa participar de concursos internos para ser promovido de função na carreira. Por essa razão, quem entra na PF como agente não pode virar delegado, situação que criou um conflito no qual interesses corporativos se colocam acima dos interesses da polícia e da própria sociedade.
IstoÉ: Por exemplo…
José Eduardo Cardozo: Os agentes já me apresentaram a proposta de que não se tenha delegados na função de diretor-geral da Polícia Federal. Queriam que fosse um deputado ou ex-deputado, o que era inaceitável.
IstoÉ: Há uma crise de hierarquia na Polícia Federal?
José Eduardo Cardozo: Não. Há abusos, que estão sendo investigados, de forma independente, pela Corregedoria. Aqueles que forem considerados culpados serão punidos.