Contra a cocaína das Farc
A Polícia Federal vai inaugurar nas próximas semanas uma base de operações na confluência dos rios Içá e Solimões, próximo à fronteira com a Colômbia, no oeste do Amazonas. O objetivo da base Garatéia, a nona unidade da Operação Cobra na região, é fechar uma das principais portas de escoamento de cocaína comercializada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para o território brasileiro.
Nos últimos anos, a PF tem apreendido em média 1,5 tonelada de cocaína por ano no rio Içá – cuja cabeceira é dominada pelas Farc. Em somente uma operação que durou quatro semanas, realizada no ano passado, a PF apreendeu 500 quilos da droga no rio Içá.
– A PF tem apreendido muita droga, mas ainda é pouco, muito pouco, perto do que nós imaginamos que passe por ali – disse o delegado da Polícia Federal na cidade de Tabatinga, Eduardo Primo da Silva.
Localizada no município de Santo Antonio do Içá, a base Garatéia, cujo prédio já está pronto, será a maior da região, equipada com câmeras, sensores térmicos, radar marítimo, canhão de luz e uma equipe de aproximadamente 15 policiais que serão substituídos a cada dois meses.
A idéia é fechar uma lacuna existente no controle fluvial da região, e que vem sendo explorada pelas Farc nos últimos anos. A Polícia Federal possui bases de fiscalização nos pontos de entrada dos rios Solimões e Içá no Brasil (bases Anzol e Ipiranga), mas os traficantes de drogas se aproveitam do labirinto de igarapés e pequenos rios para abastecer as grandes embarcações de cocaína já dentro do território brasileiro.
Geralmente, as balsas e barcos grandes atravessam a fronteira sem a droga. A cocaína é embarcada algumas dezenas de quilômetros à frente, levada por pequenas lanchas ou canoas. Como não existem outros pontos de controle, a droga chega facilmente a Manaus, de onde é distribuída para o exterior ou para outros estados brasileiros.
Cocaína escondida até em abacaxis
Localizada na confluência do Solimões com o Içá, a base Garatéia vai fechar esta porta de entrada da droga colombiana no país e interceptar os carregamentos antes que eles cheguem aos locais de destino.
Segundo policiais federais que trabalham na Operação Cobra, o repertório de expedientes usados pelos traficantes é grande e original. Já foram registrados casos de cocaína escondida dentro de alimentos como cebolas, mandiocas e até mesmo abacaxis, além de cortinas, fundos falsos de voadeiras (tipo de barco) e até em cordas de redes.
– O tráfico de drogas já se tornou uma questão cultural na região. A maioria das pessoas encara o tráfico como uma atividade econômica comum – disse o delegado.
Normalmente, as “mulas” recebem a droga das Farc ou de produtores protegidos pela guerrilha ainda em território colombiano ou peruano. Elas recebem entre R$500 e R$1 mil por cada quilo de pasta de coca transportado, dependendo do percurso. Os carregamentos são entregues a contatos em Manaus ou Tefé (AM). Segundo relatório da DEA (a agência americana de controle de entorpecentes) de 2006, desde que a Lei do Abate entrou em vigor no Brasil, em 2003, os transportes fluvial, via rios Solimões, Içá e Japurá, e terrestre, através do Peru, da Bolívia e do Paraguai, se transformaram nas principais rotas de escoamento da cocaína produzida na Colômbia.
Segundo autoridades brasileiras, o Solimões, o Içá e o Japurá também são usados pela guerrilha das Farc para a compra de suprimentos, de combustíveis e também de remédios.
– Eles entram no Brasil com documentos regulares, compram os suprimentos e voltam em grandes canoas – disse o delegado da Polícia Federal.
Embora não existam indícios da existência de bases das Farc em território brasileiro, e o único incidente envolvendo a guerrilha colombiana e forças brasileiras tenha ocorrido em 1991, no rio Traíra, quando três soldados brasileiros foram mortos, o comandante do 8º Batalhão de Infantaria da Selva e chefe do Comando de Fronteira do Solimões, tenente-coronel Antonio Elcio Franco Filho, admite que as Farc podem eventualmente usar os rios para escoar drogas e se abastecer de suprimentos.
– Pelas informações que temos não existem soldados das Farc nesta região, que é de mata fechada, de difícil locomoção, e sem vias de transporte terrestre. Elas estão mais ao norte. Mas essas tropas podem, talvez, vir buscar suprimentos e escoar drogas usando as mulas. É o que podemos chamar de inocentes úteis – disse o coronel.
Farc importam produtos para refino
Segundo ele, são cada vez mais freqüentes na fronteira as apreensões de produtos químicos como cimento e descongestionante nasal, usados no refino e tratamento da cocaína, saídos do Brasil rumo à Colômbia ou ao Peru.
– Estes carregamentos acabam sendo apreendidos por outros motivos, como contrabando ou descaminho, já que não temos como vincular com o narcotráfico – disse o coronel.