Da CPI dos Bingos para a CPI das ONGs

24 de outubro de 2007 12:23

Classificado como um “achado de investigação” pela CPI dos Bingos por ser suspeito de intermediar o suposto pagamento de propina no caso Gtech, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS), organização não-governamental sediada em Brasília, deverá ser investigado pela CPI das ONGs no Senado.

Informações sobre a movimentação financeira desta ONG às quais o Congresso em Foco teve acesso, com exclusividade, mostram que, além de receber pagamentos da multinacional de loterias (entenda o caso), o IBDS também fez contratos distantes da sua área de atuação, parte deles com órgãos públicos federais.

É justamente essa variedade de contratos distantes da função original, criada para “atividades de associações de defesa de direitos sociais”, como mostra seu registro na Receita Federal, que intriga o Ministério Público Federal (MPF) e despertou a atenção do senador Alvaro Dias (PSDB-PR).

O senador paranaense apresentou ontem (23) requerimento para convocar o presidente da ONG, Fábio Rodrigues Rolim, considerado personagem-chave na investigação do MPF no Distrito Federal sobre a polêmica renovação de contrato de R$ 650 milhões, em abril de 2003, entre a multinacional de processamento de loterias e a Caixa Econômica Federal.

“Como a CPI dos Bingos descobriu os depósitos suspeitos no final dos seus trabalhos e não teve tempo suficiente para investigar, cabe a essa CPI a investigação desta ONG. Até porque a entidade fez contrato com órgãos públicos e há indícios de participação no caso Gtech, justifica o senador tucano.

Quebra de sigilo

Alvaro também pediu a transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico levantados pela CPI dos Bingos para a comissão das ONGs. Os dois requerimentos devem ser votados pelo colegiado na reunião desta quinta-feira (25).

Os dados mostram pagamentos feitos à ONG pela Fundação Banco do Brasil (FBB), pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Distrito Federal.

Para a Aneel, que confirma o contrato de R$ 27.500,00 (leia a integra da resposta), o IBDS fez um curso de redação técnica e oficial com gramática aplicada aos colaboradores da agência reguladora do setor elétrico.

A licitação foi vencida pela ONG, segundo a Aneel, por meio de carta-convite oferecida para outras dez empresas e consultorias na área de treinamento. O IBDS venceu a disputa por ter apresentado o menor preço embora não tivesse esse tipo de curso entre suas atribuições. Além da ONG, apenas duas empresas apresentaram propostas.

Também por meio de uma carta-convite, modalidade na qual o órgão público escolhe os fornecedores para a licitação, o IBDS venceu concorrência na Caixa, alvo da investigação da renovação de contrato multinacional de processamento de loterias, o primeiro grande escândalo do governo Lula.

“Chama a atenção um conjunto de pagamentos feitos pela CEF para o IBDS, entre 02 de setembro de 2003 e 05 de julho de 2004, totalizando R$ 338.861,79”, diz o relatório final da CPI dos Bingos. O banco estatal já confirmou à imprensa, após a aprovação do relatório final da CPI, que a ONG ganhou um certame para treinar seus funcionários do setor de penhor.

Mais uma vez, o IBDS venceu a licitação embora tivesse concorrentes mais experientes, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Apesar de afirmar que a escolha teve critérios técnicos, a Caixa informou que faria uma auditoria interna para apurar o caso.

Procurada pelo Congresso em Foco, a Caixa não respondeu até o fechamento desta edição sobre o resultado dessa auditoria.

Plano de negócios

No contrato com a Fundação Banco do Brasil (FBB), que resultou em dois pagamentos ao IBDS no total de R$ 50 mil, o produto entregue foi um plano de negócios para um projeto da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo nota da FBB, o convênio não foi feito diretamente com a ONG, mas com a Fundação Universitária de Brasília (Fubra). “Para seu conhecimento, o pagamento é efetuado na conta do prestador de serviço, pela Fundação Banco do Brasil, conforme dispõem os normativos e o convênio que regem o projeto”, diz a nota da FBB (leia a integra).

O plano de negócio, peça de planejamento usado por empresas de todos os portes, seria destinado ao Projeto Tecbor. Um dos vencedores do Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, o Tecbor é desenvolvido desde 1997 pelo Instituto de Química (IQ) da UnB. Na prática, os pesquisadores ensinam às famílias de seringueiros da Amazônia uma técnica de produção da borracha com menor impacto ambiental e com ganhos para a saúde dos trabalhadores.

O site pediu informações sobre o IBDS à assessoria de imprensa da UnB e tentou contato com o professor Floriano Pastore, coordenador do projeto. A assessoria informou apenas que Pastore não teve contato direto com a ONG e que a confirmação do pagamento e da entrega produto, o plano de negócios, deveria ser feita pela Fubra. Até o fechamento desta edição, a assessoria não tinha repassado informações sobre o contrato.

Estudo sobre feiras

A Superintendência no Distrito Federal do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também confirma os seis pagamentos ao IBDS no total de R$ 95,8 mil.

Segundo o Iphan, a ONG de Fábio Rolim entregou um estudo sobre as feiras livres do Distrito Federal. O trabalho, segundo a assessoria de imprensa do órgão, será a base de um livro sobre o assunto a ser lançado no mês que vem pela autarquia do Ministério da Cultura. Nesse caso, o Iphan dispensou a licitação para contratar a ONG brasiliense.

A Superintendência do Iphan no DF diz que usou dispositivos da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações) para não licitar o estudo sobre as feiras antes de contratar o IBDS. E também informa que todo o processo de contratação do IBDS foi referendado pelo setor jurídico do Iphan.

Desentupidora

Também faz parte da lista de créditos do IBDS um depósito de R$ 92 mil, em 12 de março de 2004, de uma empresa desentupidora de esgotos sediada no município de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.

O pagamento partiu de uma conta judicial administratada por um advogado estabelecido na capital paulista e que diz ter controlado o processo de concordata preventiva da SER (Serviços de Desentupimento Ltda.) desde 1987.

O defensor da SER, João Roberto Egydio Piza Fontes, declarou ao Congresso em Foco que apenas fez o pagamento a pedido de seu cliente e que, até então, nunca havia mantido contato com o IBDS.

Na oportunidade, nossa cliente nos solicitou documentalmente que, em nome dela, fosse realizado o levantamento e, imediatamente, a transferência dos valores levantados a diversas pessoas jurídicas por ela indicadas, o que foi feito. Dentre as pessoas jurídicas indicadas constava o instituto mencionado por Vossa Senhoria em seu e-mail, de cuja existência o escritório sequer tinha conhecimento, diz o advogado, por meio de nota (leia a integra) enviada ao site.

A reportagem tentou contato pelo telefone registrado em nome da SER em Taboão da Serra, mas não conseguiu falar com os representantes da empresa.