Delegadas da PF: mulheres fortes, histórias que inspiram
No Dia Internacional da Mulher, nada melhor do que a história de duas mulheres delegadas que, em épocas diferentes, conquistaram espaço em um mundo essencialmente masculino. São duas gerações de mulheres que marcaram e marcam a presença feminina na Polícia Federal.
Para comemorar o 8 de Março, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), além de contar essa história no site e nas redes sociais da entidade, vai promover um encontro virtual, às 14h, com a professora e filósofa francesa Gisèle Szczyglak, sobre mulheres em posição de liderança, a partir dos mitos e realidades ligados ao tema.
Impacto inicial
Deparar-se com um ambiente majoritariamente masculino, como é a área policial, não foi impedimento para as mulheres delegadas ocuparem um espaço próprio no ofício.
A delegada federal aposentada Lia Margarida da Silva, 73 anos, quando ingressou na PF, em 1977, mesmo sendo parte de número pequeno de mulheres em relação aos homens, não se sentiu intimidada ou discriminada. Foi à luta e mostrou seu valor. “Convivi muito bem com ambos os gêneros, não tive qualquer problema”, conta.
Quarenta e três anos depois, em 2020, quando os delegados aprovados no concurso de 2018, o mais recente da PF, ingressaram na instituição, a relação de minoria continuava a mesma: num universo de 352 delegados aprovados, apenas 46 foram de mulheres.
“Embora minoria, nunca me senti desrespeitada pelos colegas e, acredito, que ali tenha feito amigos para vida, mesmo com uma academia mais curta [dois meses e meio em função da pandemia de covid-19]”, diz a delegada Ana Carolina Silva Domingues, 32 anos, sobre o impacto ao chegar ao Curso de Formação, em 2020.
Atualmente, lotada no Acre, como chefe da Delegacia de Cruzeiro do Sul, Ana Carolina garante se sentir respeitada e acolhida, no ambiente profissional.
“Por vivermos em uma cidade pequena e isolada, acabamos criando vínculos para além dos muros da PF, porque desenvolvemos relacionamentos com as famílias dos colegas. Isso torna o ambiente e o clima saudável porque, no final das contas, formamos uma grande família”, explica a delegada.
Curiosamente, pelo menos na Delegacia de Cruzeiro do Sul, as mulheres são maioria: duas delegadas e um delegado. Antes eram três mulheres. O time feminino só ficou desfalcado porque uma delas acabou sendo transferida.
“É um orgulho passar a pertencer aos quadros da PF pela importância que a própria sociedade aplaude, em especial, diante de um trabalho sério feito por uma delegada federal”
Lia Margarida, delegada de Polícia Federal aposentada
Quebrando tabus
Para Lia Margarida, que mora em Salvador (BA), a capacidade de uma mulher se demonstra com conhecimento. E foi o que a norteou na Polícia Federal. Ao longo de 21 anos, como delegada, a maioria das funções que exerceu foi em cargos de chefia: foi chefe do serviço de correições por duas vezes; substituta da Delegacia de Repressão a Entorpecentes; chefe da Delegacia de Polícia Fazendária; corregedora regional e chefe do Serviço de Polícia Marítima e Aérea de Fronteira.
Essa bagagem profissional a levou a ser convidada para trabalhar nos Cursos de Formação Profissional da Academia Nacional de Polícia como orientadora e coordenadora, depois que se aposentou, em 1998. Neste ofício, ela permaneceu até 2018. Somou-se a isso, a experiência que teve no magistério, como professora primária e diretora de escola, antes de se tornar delegada de Polícia Federal.
“Eu me emocionava em ver o empenho das mulheres para vencer as dificuldades [durante os Cursos de Formação] e elas o faziam, exemplarmente. É um orgulho passar a pertencer aos quadros da PF pela importância que a própria sociedade aplaude, em especial, diante de um trabalho sério feito por uma delegada federal”, afirma.
Por relevantes serviços prestados à Polícia Federal, Lia Margarida recebeu a Medalha do Mérito Tiradentes, a mais alta honraria oferecida pela ADPF. “Prova de que nós, mulheres, temos que saber o nosso valor e que a questão de gênero não é importante e, sim, fazer um trabalho sério”, diz. Sempre ativa nas demandas de classe, ela se associou à ADPF, um ano depois de ingressar na Polícia Federal.
Ana Carolina também começou a carreira de delegada com desafios. Antes de assumir a Delegacia de Cruzeiro do Sul, foi chefe substituta, na mesma unidade. E, agora, precisa lidar com uma série de percalços inerentes ao cargo.
Para a delegada, ser ou não ser mulher não faz diferença para ocupar uma função complexa. Segundo ela, o efetivo precisa respeitar a liderança da delegacia pelo cargo ocupado e pela responsabilidade que pesa sobre ele, independentemente do gênero de quem está no comando.
“O desrespeito a uma mulher delegada não é o desrespeito à mulher, é, antes de tudo, à função exercida. Porém, nunca senti que alguém duvidou da minha capacidade por ser mulher. Sinto questionamentos atrelados a outros fatores, mas que seriam aplicáveis a qualquer um que ocupasse o cargo”, afirma.
“É uma honra integrar a PF. Sinto que as mulheres podem contribuir trazendo outras habilidades e características para aumentar a eficiência e efetividade da Polícia Federal”
Ana Carolina Domingues, delegada de Polícia Federal, da segunda turma do concurso de 2018
O que falta conquistar
Por experiência própria, Lia Margarida considera que uma mulher delegada de Polícia Federal tem condições de assumir qualquer cargo de chefia dentro do órgão. “Por que não temos uma mulher como DIREX [Diretora Executiva]? DICOR [Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado]? Diretora-Geral? Ou mesmo ministra da Justiça?”, indaga.
Segundo ela, é importante identificar, dentro da PF, os méritos profissionais para jamais escolher uma mulher para alguma função de chefia apenas pela situação de gênero. “O critério tem que ser pela meritocracia. Temos muitas delegadas sérias, competentes e preparadas em nossos quadros”, observa.
Ana Carolina também faz coro com Lia Margarida sobre mulheres em postos como a Diretoria Geral da PF. “Não é algo que almeje, mas tenho colegas que, tenho certeza, realizariam bem a função”, garante.
Ela lembra de outro setor no qual não se vê mulheres compondo a equipe, o Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal. “Pelo que soube, apenas uma foi aprovada para lá”, informa a delegada.
Um ponto positivo para estimular a presença feminina na PF, segundo observa Ana Carolina, em relação ao Curso de Formação, foi a exclusão da chamada “barra dinâmica” do Teste de Aptidão Física (TAF), para mulheres, considerando a diferença do porte físico dos gêneros masculino e feminino.
Ela ressalta que o ofício de delegada vale a pena, ainda que a profissão seja extremamente desafiadora e, muitas vezes, exija sacrifício pessoal. Sem falar no desenvolvimento de aptidões, como flexibilidade para lidar com tensões, tomada de decisões difíceis, gestão e liderança de pessoas.
“É uma honra integrar a PF. Sinto que as mulheres podem contribuir trazendo outras habilidades e características para aumentar a eficiência e efetividade da Polícia Federal. Por isso, considero algo salutar”, avalia a delegada.