Delegado aponta interferência política na PF e rebate procurador
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Miguel Sobral, lamentou, em entrevista ao Blog, as declarações do procurador José Robalinho Cavalcanti, que criticou a autonomia à PF na forma como está desenhada na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412/2009.
“Lamento profundamente as manifestações dele, já que estamos num processo de fortalecimento da Polícia Federal para proteger a instituição contra qualquer tipo de interferência política”, afirmou Sobral.
Rebatendo o procurador, Sobral apontou interferência na Polícia Federal no “dia-a-dia” e deu um exemplo, acontecido há dois anos, na direção de Logística. “Em 2014, a nomeação do nosso diretor de logística que a Casa Civil vetou. Proibiu ele de ser nomeado”, disse. O diretor de logística é responsável por toda a administração da PF, como orçamento, finanças e planejamento.
“No dia-a-dia, é muito comum nós termos superintendentes trocados, porque após uma operação, vem uma pressão política muito grande e a pessoa é obrigada a sair do local. Isso é comum. Uma das propostas que a gente vai discutir na lei complementar é essa: que as indicações sejam do diretor-geral da Polícia Federal e não do ministro da Justiça, alinhado a partidos políticos”, defende Sobral.
Em entrevista ao blog na semana passada, Robalinho, que é presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), afirmou que a proposta pode criar uma “aberração jurídica”. É a principal associação dos procuradores resistindo a uma proposta da mais prestigiada associação da PF.
Não é segredo que, apesar de trabalharem juntos em prol do país no combate à corrupção, existem rusgas entre as duas instituições, Ministério Público e Polícia Federal. Elas estiveram em lados opostos, por exemplo, na PEC 37, derrubada em 2013 na Câmara, e que diminuía os poderes de investigação do MP.
Nesta entrevista, Sobral responde ponto por ponto as declarações de Robalinho a este Blog. Na visão do presidente da ADPF, por exemplo, a Polícia Federal não tem hoje autonomia para priorizar os recursos no combate à corrupção. “Hoje nós não podemos aplicar no combate à corrupção porque quem decide não somos nós”. A PEC, se aprovada, traria esta liberdade.
Em tramitação na Câmara dos Deputados, a PEC 412 estabelece o novo formato de funcionamento da PF. Leia os principais trechos da entrevista aqui:
Blog – Como o senhor avaliou as declarações do Dr. Robalinho sobre a PEC 412?
Carlos Eduardo Miguel Sobral – Lamento profundamente as manifestações dele, já que estamos num processo de fortalecimento da Polícia Federal, para proteger a instituição contra qualquer tipo de interferência política, seja ela direta, através da indicação política para os nossos dirigentes, seja ela através de restrição orçamentária, de corte de recursos para projetos estratégicos, da dificuldade da criação das delegacias de combate à corrupção. Nesse momento em que nós esperávamos o apoio dos procuradores, do Ministério Público Federal, vem a instituição que teve a sua autonomia, até mais, a sua independência garantida na Constituição de 88, e que sabe a importância para um órgão público ter condições de agir sem interferência, nos criticar. Recebemos de uma forma muito ruim as manifestações contrárias à autonomia da Polícia Federal.
Blog – Robalinho diz na entrevista que nem a Scotland Yard, que é muito citada pela PF, tem o grau de independência que a PEC, defendida pela Associação, traria para a Polícia Federal. É verdade?
Sobral – É uma declaração de quem não estudou a PEC, de quem desconhece a proposta. A PEC será discutida no Congresso Nacional para estabelecer a autonomia funcional, a autonomia administrativa e a elaboração da proposta orçamentária da Polícia Federal, que serão regulamentadas por lei complementar, observada a lei de diretrizes orçamentárias. Aí ele pergunta: “bom, eu não vi nada do controle externo”. Evidentemente que, nessa PEC, não há nada sobre o controle externo, porque ela não discute nenhum tipo de controle que a Polícia Federal está submetida. Ela não afeta o controle externo da atividade policial realizada pelo Ministério Público, ela não afeta o controle nos inquéritos policiais realizados pela Justiça, ela não afeta os controles administrativos realizados pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União. Exatamente porque ela não afeta nenhum controle, nem interno nem externo. Então, ela não retira poder de ninguém, ela não invade áreas de atribuições e competências de outras instituições, ela somente prescreve que uma lei complementar vai regular a autonomia funcional, ou seja, não será mais o Ministério da Justiça e a Casa Civil quem indicarão os nossos dirigentes. Não falo do diretor-geral, falo dos 200 dirigentes que nós temos no Brasil. Hoje, essas pessoas são nomeadas pela Casa Civil e pelo Ministério da Justiça. Nós sequer podemos nomear o nosso superintendente-regional, nosso delegado-regional de combate à criminalidade, os nossos diretores, os nossos curadores gerais, os nossos chefes de divisão, chefes de serviço, todo o nosso corpo diretivo não é indicado, nomeado, pela Polícia. É nomeado pela Casa Civil e pela Justiça. Isso é autonomia funcional: é não ter o nosso corpo diretivo todo indicado por quadros estranhos à própria polícia. E elaborar nossa proposta orçamentária. Toda instituição moderna, Scotland Yard, FBI, elabora sua proposta orçamentária. O governo diz qual é o volume que nós temos de recurso para aplicar no ano seguinte, e a gente elabora a proposta de acordo com a diretriz. Qual o risco, para a sociedade, em permitir que a Polícia Federal possa alocar o recurso de acordo com as prioridades, de acordo com as ações mais estratégias?
Blog – Me dê um exemplo, por favor?
Sobral – Por exemplo: o combate à corrupção. Hoje nós não podemos aplicar no combate à corrupção porque quem decide não somos nós. Nós não conseguimos criar a delegacia de combate à corrupção, a coordenação-geral de combate à corrupção, porque quem regulamenta o funcionamento administrativo da Polícia Federal não é a polícia, é o Ministério da Justiça. Qual seria o risco se nós pudéssemos criar nossa delegacia? Se dado o volume ‘x’, nós pudéssemos alocar isso nisso, nisso ou naquilo. E a proposta orçamentária, porque vai ser votada pelo Congresso. Qual o risco?
Blog- Robalinho afirma que o FBI está submetido ao procurador-geral da República lá nos Estados Unidos, que também é o ministro da Justiça. Em nenhum momento o procurador defendeu isso, mas eu pergunto: senhor veria algum problema em ser submetido ao procurador-geral aqui no Brasil?
Sobral – Todos os problemas porque seria uma superconcentração de poderes no Ministério Público. Então, na verdade, o que nós enxergamos na resistência da ANPR, é uma tentativa de submeter a Polícia Federal ao Ministério Público. O Ministério Público já pode investigar. Conquistou isso no Supremo. Agora, me parece que a proposta do Robalinho é submeter a Polícia Federal ao comando do Ministério Público, dando uma superconcentração, um poder ainda maior para uma instituição que já é muito forte. Ou seja, nós entendemos que isso seria arriscado para a sociedade, arriscado para o Estado Democrático de Direito, essa superconcentração de poderes no Ministério Público. Nós trabalhamos de forma cooperada, em colaboração, não de forma subordinada, mesmo porque, até mesmo a defesa ficaria na balança muito desprestigiada, muito fraca. Então, nós defendemos que o Ministério Público é independente, faz as suas investigações, e a Polícia Federal é autônoma. Essa subordinação não é boa para o País.
Blog – Ele diz desconhecer qualquer interferência que a Polícia Federal tenha tido nos últimos anos.
Sobral – É uma pena, porque os delegados que conhecem a instituição, que trabalham na instituição, dizem que acontece. É muito ruim ouvir de uma pessoa que não trabalha na instituição, que não conhece a instituição, em âmbito nacional, falar que desconhece. Por isso que os delegados, ou seja, quem trabalha na instituição, afirmam: interferência acontece.
Blog – O senhor pode dar algum exemplo?
Sobral – Por exemplo, a nomeação do nosso diretor de logística que a Casa Civil vetou. Proibiu ele de ser nomeado.
Blog – Quando isso?
Sobral – Em 2014, o diretor era para ser o Sérgio Barbosa Menezes, hoje superintendente em Minas Gerais. Agora, no dia-a-dia, é muito comum nós termos superintendentes trocados, porque após uma operação, vem uma pressão política muito grande e a pessoa é obrigada a sair do local.
Blog – O senhor tem recebido reclamação de interferência na Lava Jato?
Sobral – Em relação à Lava Jato, o que nós temos hoje é uma dificuldade. No começo, principalmente, foi para conseguir recursos, montar as equipes, e hoje o que nós sentimos é que há uma movimentação muito grande, inclusive do governo, para trocar o superintendente da Polícia Federal e, com isso, trocar a equipe da Lava Jato. Isso pode acontecer. Por exemplo, pode ser trocado o superintendente e, com a troca dele, trocar o delegado regional, trocar o chefe da delegacia e até chegar na troca da equipe da Lava Jato. Porquê? Porque nós não temos autonomia funcional. Se o ministro determinar ao diretor que troque, vai trocar.
Blog – E essa é uma das reivindicações que estão colocadas na PEC?
Sobral – Na PEC fala autonomia funcional, que vai ser regulamentada em lei complementar, a sua extensão. Mas, uma das propostas que a gente vai discutir na lei complementar é essa, que as indicações de superintendente sejam do diretor-geral da Polícia Federal e não do Ministro da Justiça…
Blog – Normalmente filiado a algum partido…
Sobral – Não chega a ser filiado, mas alinhado. E é isso que eu pergunto pro Robalinho: como é que essa autonomia pode colocar em risco a sociedade brasileira? A autonomia orçamentária, a autonomia administrativa, qual o risco? Agora, se a intenção da ANPR, do Robalinho, é submeter a Polícia Federal ao comando do Ministério Público, evidentemente que a autonomia sofre resistências. Se eles tiverem como pretensão a subordinação da polícia, de investigação, ao Ministério Público…
Blog – Mas ele não diz isso.
Sobral – Ele não diz, mas é a única razão aplicável para alguém ser contra o fortalecimento da Polícia Federal, da sua autonomia orçamentária e administrativa e funcional, por exemplo.
Blog – O procurador afirma que a Polícia Federal tem resistido ao controle externo, nos termos que o Ministério Público acha mais correto. Como é que o senhor responderia a isso?
Sobral – São duas instituições que devem se respeitar, e a forma do controle externo tem que ser regulada pelas duas, senão não é controle externo, passa a ser um controle interno, na verdade, uma usurpação da instituição. Então, o que hoje é uma interpretação do controle externo e o entendimento da polícia de que, na verdade, o que se estaria tentando fazer não era controle externo, mas sim uma assunção direta da administração da polícia. Na verdade, a gente vai fazer uma regulamentação em conjunto, da Polícia Federal com o Ministério Público, da extensão do controle externo. Ninguém é contra o controle externo. Toda instituição tem que ser submetida a controle externo. A Polícia Federal tem, o Ministério Público também tem que ser submetido a controle externo. Isso vale para toda instituição. E, evidentemente, esse controle externo tem que estar regulado para que não haja excesso, para que o controlador não tente exercer diretamente as atividades do controlado e deixe de ser um controle externo e passe a ser um comando direto. Não é isso que a Constituição quer.
Blog – A impressão do procurador é a de que a PEC, aprovada dessa forma, pode criar “um monstro jurídico armado”. Como o senhor responde a essa afirmação?
Sobral – É lamentável essa afirmação, que é de todo inconcebível. Primeiro, porque nós não somos forças armadas. Nós usamos armas para defesa pessoal, assim como o Ministério Público também tem porte de arma, assim como os juízes também têm porte de arma. Nós não realizamos policiamento preventivo, ostensivo, nós não somos uma força armada. Nós somos uma instituição que tem porte de arma. Segundo, todas as nossas atividades continuam sendo nos rigores da lei, com os mesmos controles que nós temos hoje. Nós só não teríamos controle político da nossa atividade, que é realizado hoje pelo Ministério da Justiça e pela Casa Civil. Então, nós entendemos que é completamente infundada essa preocupação do Robalinho.
Blog – A PEC não deveria estar ampliando o debate da autonomia para as polícias estaduais como um todo e não somente para a Polícia Federal. O próprio Robalinho afirma que, como é uma mudança na arquitetura constitucional, deveria ser feito também nas polícias locais, mais sensíveis às pressões políticas nos Estados. Como o senhor avalia isso?
Sobral – Avaliamos que a Polícia Federal é a polícia da União e que tratar da situação dos Estados poderia, de alguma forma, ofender o pacto federativo nesse momento. Então, está se discutindo a autonomia da Polícia Federal, mesmo porque hoje é ela quem sofre um risco iminente de ter alguma interferência política na sua atuação.
Blog – Mas o senhor não é contra uma maior independência das polícias estaduais?
Sobral – Eu acho que toda instituição que, de alguma forma, dentro da sua atividade comum, tem a possibilidade de atingir quem a governa, tem que ter algum tipo de proteção contra retaliações.
Blog – A ANPR é contra a autonomia financeira e orçamentária da forma como está sendo proposta na PEC. O senhor pode fazer a defesa da forma como está sendo proposta a autonomia financeira e orçamentária para a Polícia Federal na PEC…
Sobral – Na PEC, está escrito que a forma da autonomia financeira e orçamentária vai ser discutida na Lei Complementar. Ou seja, a afirmação do Robalinho é de quem não leu a PEC. Porque a PEC não entra em detalhes nesse momento. Ela diz que essa discussão vai ser feita na discussão da Lei Complementar. Inclusive, pela sociedade no processo legislativo. Por isso, nós lamentamos de novo essa afirmação porque demonstra o desconhecimento da proposta.