Delegado da PF que esteve no Egito testemunhou protestos contra Mubarak

31 de janeiro de 2011 14:26

Belo Horizonte – A gravidade dos conflitos sociais, políticos ou econômicos pode ser medida pelo impacto que têm no que há de mais simples na vida. Em viagem ao Cairo para o casamento da filha com um egípcio, o delegado da Polícia Federal Getúlio Bezerra testemunhou ontem os confrontos entre a população da cidade e as forças de segurança do país. As manifestações, que já duram quatro dias, impediram as comemorações pelo casamento. No fim da tarde, antes de ser impedido por seguranças de deixar o hotel em que se hospedou nas proximidades da Ponte Kasr Al Nile, às margens do Rio Nilo, o delegado, acostumado a comandar operações de combate ao tráfico de drogas no Amazonas e em Minas Gerais, conseguiu, antes do corte nas comunicações, enviar um relato impressionante do que viu na cidade.

Sob efeito do gás lacrimogêneo lançado por policiais, o delegado presenciou, no fim da manhã, quando voltava de um passeio, um grupo de manifestantes avançarem sobre a Ponte Kasr, interditada. “O povo foi chegando e a polícia atirando bombas de gás e água. Não adiantou. Eles avançaram e tomaram dois carros tipo “brucutu” da polícia. Por pouco não jogaram os carros no rio”, contou o delegado, que mora em Brasília. Os manifestantes, conforme o delegado, fizeram com que a polícia recuasse.

Preces
O delegado relatou ainda o que talvez tenha sido, em sua opinião, o momento mais marcante de tudo o que testemunhou no conflito. “Quando os manifestantes estavam quase tomando a ponte, vi uma cena inesquecível. Chegou a hora da oração dos muçulmanos. Comecei a ouvir as preces muito alto. Fiquei arrepiado. Os manifestantes da primeira linha, que batiam e apanhavam da polícia, de repente foram se ajoelhando, naquela posição tradicional, voltada para Meca. Todas as milhares de pessoas que estavam na ponte, como uma onda, foram igualmente se ajoelhando para as preces. Só quem ficou de pé foram os policiais, de arma na mão, e que respeitaram aquele momento.” Assim que terminaram as orações, conta o delegado, o embate reiniciou imediatamente. Em seguida, a polícia retomou a ponte.

No meio da tarde, com o filho, fotógrafo, ainda nas ruas, o delegado relatou que o hotel em que se hospedou foi cercado pelo que pareciam ser as polícias de choque do país. Foi formada ainda uma barricada. “Agora ouço as bombas mais longe e sirenes de ambulância. Os telefones foram cortados”, informou.

No começo da noite (Cairo está quatro horas à frente de Brasília), o delegado, em meio aos problemas de comunicação, enviou mensagens utilizando a rede social twitter. “Do hotel, de onde não podemos sair, ouço muitas bombas, tiros e sirenes. Agora, vejo fumaca negra sobre os prédios. Deve ser algum incêndio.” Em outros pequenos textos, o delegado diz: “Parece que está fora de controle. Focos de incêndio, mais bombas e o povo gritando nas ruas. Toque de recolher”. A festa da filha do delegado vai ter que esperar.

 

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE