Delegados da PF acusam Kelston Lages de intimidação
TERESINA – A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ANDF) emitiu nota de repúdio contra decisão do procurador federal do Piauí, Kelston Pinheiro Lages.
De acordo com a ADPF, Kelston Lages não aceitou a justificativa do delegado Alex Raniery de Freitas Santos, da PF, de que não haveria justa causa para se prosseguir a investigação do inquérito policial nº 671/2014-SR/PF/PI. Alex Raniery de Freitas Santos é o mesmo delegado acusado de ter agredido um casal durante o Corso de 2013, em Teresina. Na ocasião ele seguia acompanhado pelo também delegado Olegário Nunes. O caso foi esquecido.
No entanto, o delegado informou que haveria a inexistência da materialidade delitiva, o que foi fundamental para o encerramento das investigações.
Ao receber o inquérito policial encaminhado pelo delegado, o procurador federal não concordou com a decisão e ordenou que se continue a investigar. Segundo a nota da ADPF, Kelston Lages proferiu despacho "sem qualquer motivação acerca das razões da discordância".
Ainda na nota, a ADPF diz que trata-se exclusivamente de uma tentativa de intimidação da autoridade policial por parte do Ministério Público Federal (MPF), por ter, "no exercício de suas funções, divergido do entendimento de um de seus membros".
Leia abaixo a íntegra da nota de repúdio:
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) vem a público manifestar repúdio ao conteúdo da Recomendação nº 023 – PR-PI/GAB-KL, de autoria do procurador da República, Kelston Pinheiro Lages e dirigida ao delegado de Polícia Federal Alex Raniery de Freitas Santos, pelas razões que passa a expor.
A citada autoridade policial, fundamentadamente, encerrou o inquérito policial nº 671/2014-SR/PF/PI, ante a falta de justa causa para o prosseguimento da investigação, pela inexistência de materialidade delitiva. O membro do Ministério Público Federal (MPF) para o qual o inquérito policial fora remetido, porém, não concordou com a decisão e, em despacho sem qualquer motivação acerca das razões da discordância, requisitou a continuidade da apuração. Estabelecida, com isso, a divergência de interpretações e sem a apresentação, pelo procurador da República, de argumentos que pudessem modificar a sua convicção, o delegado Alex Raniery remeteu os autos ao Judiciário com representação pela solução do conflito, tendo o magistrado, mesmo entendendo plausíveis os seus argumentos, decidido em sentido contrário, pela sequência da investigação, o que foi devidamente cumprido pela Polícia Federal.
Ocorre que, mesmo diante da solução favorável à demanda do MPF, dada por quem de direito – o Poder Judiciário – e observando o procedimento adequado para situações dessa natureza, o procurador da República Kelston Pinheiro Lages editou a Recomendação nº 023 – PR-PI/GAB-KL, impondo ao delegado Alex Raniery que acate, indiscriminadamente, as requisições do MPF e se abstenha de representar ao Judiciário pelo arquivamento de inquéritos policiais delas decorrentes, mesmo que verifique afronta ao ordenamento jurídico, sob pena de ser pessoalmente responsabilizado.
Trata-se de lamentável tentativa de intimidação da autoridade policial por parte do MPF, pelo fato de ter, no exercício de suas funções, divergido do entendimento de um de seus membros e submetido o conflito de interpretações ao Poder Judiciário. Parece esquecer o autor da lastimosa recomendação que discordâncias de interpretação entre seus operadores são da própria essência do Direito e encontram no Judiciário o ambiente para a sua solução, inclusive no tocante a inquéritos policiais. Não é por outra razão que o art. 10, § 1º, do Código de Processo Penal determina que a autoridade policial encaminhe o inquérito policial encerrado ao juízo competente. Some-se a isso o fato de que a submissão de questões controversas ao Estado-juiz jamais pode ser tomada como descumprimento de requisição, muito menos merecedora de reprimenda de qualquer natureza.
O autor da recomendação também comete notório erro ao dizer, autoritariamente e com base equivocada na titularidade da ação penal pelo Ministério Público, que, “caso haja divergência de entendimentos, prevalece sempre a opinião da autoridade ministerial”. De fato, cumpre ao procurador da República oferecer a denúncia, mas não a presidência do inquérito policial que a antecede, de titularidade privativa do delegado de polícia, e muito menos a legitimidade exclusiva para pleitear o seu arquivamento. Se qualquer cidadão pode requerer em juízo o trancamento de inquérito policial, quando entenda estar eivado de ilegalidade, não há dúvidas, da mesma forma, de que o delegado de polícia, titular da investigação policial e primeiro garantidor dos direitos fundamentais do cidadão, possui plena legitimidade para representar ao Judiciário pelo arquivamento de inquérito policial maculado por qualquer ilegalidade.
Ademais, extrai-se desse entendimento arbitrário manifestado pelo autor da recomendação outra faceta, qual seja a crença na existência de subordinação entre delegado de polícia e membro do Ministério Público. O exercício do controle externo da atividade policial não se confunde com subordinação de qualquer natureza. O delegado de polícia é membro de carreira jurídica típica de Estado e tem, como função privativa, presidir inquéritos policiais, a ele incumbindo, no exercício desse mister, interpretar a legislação em vigor e aplicá-la nos casos concretos postos à sua apreciação, guiando-se por sua convicção técnico-jurídica, e nunca por pretensa relação de subordinação entre os atores da persecução penal. Trata-se de uma garantia da autoridade policial como integrante de carreira jurídica, amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência e corroborada, recentemente, pelas Leis nº 12.830/2013 e 13.047/2014.
Outro desacerto contido na recomendação é a defesa de que o objetivo do inquérito policial é reunir provas de materialidade e autoria delitivas para o Ministério Público. A finalidade do inquérito policial é, na realidade, apurar a verdade real acerca de um fato tido, em tese, como delituoso, sendo a denúncia apenas uma de suas possíveis consequências, caso se comprove a ocorrência do ilícito, e não um fim em si mesmo. Assim, o delegado de polícia não atua em favor de acusação ou de defesa e, caso conclua pela inexistência de justa causa para iniciar ou dar seguimento a inquérito policial de sua presidência, é sua obrigação submeter ao Judiciário as razões.
Portanto, a intenção do Procurador da República responsável pela recomendação repudiada de extirpar da autoridade policial o seu direito de instar o Poder Judiciário a solucionar divergências jurídicas com membros do MPF revela uma agressão ao ordenamento pelo qual deveria zelar e expõe postura afrontosa ao Estado Democrático de Direito, a denotar que não reconhece validade aos textos constitucional e legais quando posições de outras autoridades não se coadunam com as suas.
A ADPF reitera, portanto, o seu repúdio à Recomendação nº 023 – PR-PI/GAB-KL, da lavra do procurador da República Kelston Pinheiro Lages, e registra que serão adotadas as medidas judiciais necessárias a resguardar as prerrogativas do delegado de polícia federal Alex Raniery de Freitas Santos e de todos os demais membros da carreira.
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