Desabafo de um Policial Federal
Assisto pasmo a essa discussão de carreira única e ao apoio dado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Vejo policiais induzidos a acreditar que isso é viável e que será bom para polícia.
Não há possibilidade constitucional de agentes ou escrivães ascenderem ao cargo de delegado se este permanecer com as atribuições de hoje (diferentes dos demais cargos). Em outras palavras, só existe uma maneira de existir carreira única: afastando da polícia as atribuições típicas dos delegados (lavrar APF, pedir MBA, pedir MP, interceptação telefônica, fazer acordo de delação premiada etc. etc. etc).
A partir do momento que isso acontecer, a polícia será um órgão meramente administrativo investigativo, cabendo ao MPF a titularidade da investigação, decidindo sobre tudo o que o delegado decide hoje e formalizando o procedimento e os pedidos judiciais, de acordo com sua convicção.
Pergunto: está o MPF preocupado em melhorar o modelo? Está ele a favor dos agentes, escrivães e papiloscopistas? Ou está simplesmente contra os delegados, querendo mais poder?
O pior de tudo será ver a polícia federal sumindo como órgão investigativo. A partir do momento que o MPF ficar com a atribuição dos delegados, nada, absolutamente nada impedirá a PRF de investigar, a Força Nacional de Investigar, o IBAMA de investigar crimes ambientais, a Receita de investigar descaminho, sonegação, evasão de divisas, a CGU de investigar corrupção e desvio de recursos públicos, o INSS de investigar crimes previdenciários, a ANVISA de investigar tráfico de drogas e medicamentos, e quaisquer outros órgãos investigaram assuntos afetos aos seus interesses. Como ocorre nos EUA. Nesse momento o que será a polícia federal? Qual será sua força?
Por falar em EUA, outra mentira: no FBI não tem carreira única. Existem as carreiras de special agent (análogos aos delegados) e professional staff (análogos aos agentes, escrivães). E não há ascensão de uma para outra, até porque somente special agents são de nível superior. Então tentar me iludir com uma PEC apelidada de FBI, achando que não sou capaz de entrar no site do FBI e ver como funciona, é me chamar de burro.
Além disso, já vi agentes do FBI elogiarem nosso modelo pelo fato de podermos realizar uma investigação por completo, usando de todos recursos investigativos, sem precisar implorar aos promotores.
Quero sim um SALÁRIO DIGNO para exercer o cargo para o qual fiz concurso e ATRIBUIÇÕES MODERNAS. Nunca fui enganado, desde que me inscrevi no concurso sabia exatamente onde estava pisando.
Agora, achar que a polícia vai melhorar destituída de atribuições; achar que o MPF está cheio de boas intenções em apoiar essa causa, é ignorância. O MPF deve rir da nossa cara quando nos vê pedindo socorro a eles e comemorando aquela nota técnica favorável à carreira única.
Tenho contato muito próximo com servidores do MPF e digo: acha que delegado se endeusa? Você não faz ideia do que é um membro do MPF. Numa eventual carreira única, vai o agente chegar lá, com seu expediente investigativo, precisando de uma interceptação telefônica tentando falar com o procurador. Quando muito será atendido pelo técnico do MPF e terá que ficar implorando para conseguir um pedido de interceptação.
Temos sim que melhorar os procedimentos, modernizar as atribuições, conquistar espaço com responsabilidade, agindo realmente como carreira de nível superior. Porque a postura que tivemos por nossa entidade de classe até agora não condiz com isso.
Um exemplo simples: expor cidadãos matriculados nos cursos de formação da ANP às discussões classistas; pessoas que sequer são servidores, com uma atitude que não ia contribuir em nada com nossos plenos, foi de uma inconsequência absurda. Atitude que foi duramente criticada pela justiça federal, pela AGU e pelo próprio MPF no mandado de segurança interposto em favor dos policiais. Não adianta estar na lei que somos de nível superior se não agimos assim. Piquete, greve, transtornos à sociedade que confia em nós não são mais opção para defendermos nossos interesses.
Escolhi ser agente de polícia. Não quero as atribuições dos delegados, nem quero uma polícia enfraquecida. Quero um salário digno que me permita criar bem minha família. Aliás, é pensando assim que várias entidades de classe das polícias civis estão conseguindo nos ultrapassar salarialmente.
Fica o desabafo. Estou cansado de me sentir manipulado e desinformado. O que me faz perguntar a quem realmente minha entidade de classe serve.