Diplomas falsos pela internet

4 de julho de 2008 10:13

Basta que o interessado envie os dados pessoais por e-mail para que a transação seja iniciada. Os falsários, por sua vez, dão garantias da confiabilidade do negócio respondendo com imagens escaneadas dos documentos. Apesar de criminosa, a prática ganhou amplitude por meio da rede mundial de computadores.

O Ministério da Educação (MEC) recebe pelo menos quatro denúncias de vendas online de diplomas de nível superior por mês. Os casos são encaminhados para apuração pela Polícia Federal. É crime, caso de polícia, mas isso não impede as quadrilhas de falsários e os desonestos de se valerem do expediente , critica o secretário de Educação Superior do MEC, Ronaldo Mota. Segundo ele, as denúncias confirmadas até aqui não envolvem funcionários das instituições de ensino ou do ministério, mas quadrilhas de falsificadores com diferentes níveis de organização. A falsificação sempre vai existir. O desenvolvimento da internet e dos recursos tecnológicos acabou facilitando o trabalho dos falsificadores, lamenta Mota.

A partir de anúncios publicados na rede de computadores, a reportagem do Correio entrou em contato com dois vendedores de títulos falsos. Um deles prometeu diplomas de medicina de renomadas instituições de ensino (citou USP, UFMG e PUC  não especifica de qual cidade) ao preço de R$ 1,2 mil, mais taxa de R$ 20 pelo envio por Sedex. Por correio eletrônico, ele aconselhou: Mais (sic) já lhe adianto, se não sabe de nada, não entende, e etc. sobre a área que quer, lhe aconselho a não comprar ok?. Nas respostas do falsificador, aparecia o nome Rodrigo Freitas Neto.

O segundo contato foi feito por um telefone celular com prefixo de Minas Gerais. O número estava publicado em um site hospedado por um provedor norte-americano. O endereço virtual oferece diplomas de nível médio por R$ 500. O preço sobe para R$ 800 caso o interessado precise de um histórico escolar. Uma mulher que se identificou como Hélida atendeu e, ao explicar o esquema, disse que a compradora teria o diploma validado por servidores da Secretaria de Educação de Minas Gerais. O nome do cliente seria incluído em uma das listas de aprovados nos exames semestrais que a Secretaria de Educação do estado promove para os que concluem o ensino médio pelo método de supletivo.

A vendedora de Minas Gerais garantiu que trabalha negociando diplomas há 10 anos e que, durante esse tempo, jamais recebeu reclamações. Segundo ela, antigos clientes costumam inclusive recomendar o serviço aos amigos. Pode ficar tranqüila, se desse (problema) eu não poderia nem atender o celular. Os outros iriam me ligar só me xingando, respondeu, ao ser questionada sobre a possibilidade de a fraude ser descoberta. Ela acrescentou que recebe encomendas de todo o Brasil.

Para iniciar o processo de confecção do diploma, a vendedora de Minas Gerais sugeriu o preenchimento de um detalhado cadastro que está disponível no site. De acordo com ela, em até seis dias o diploma de conclusão de ensino médio chegaria pelos Correios (leia quadro). Mas, para isso, a compradora deveria fazer o depósito quando recebesse, via e-mail, a imagem escaneada do documento encomendado. O vendedor do diploma de medicina indicou o mesmo procedimento de pagamento. Nenhum dos dois usou a palavra falso para qualificar os diplomas negociados.

Credibilidade
Na tentativa de tornar o golpe ainda mais crível, os vendedores online de diplomas garantem que têm trânsito no MEC ou na Secretaria de Educação. No site em que os diplomas de ensino superior são oferecidos aparece a frase: Somente nós que trabalhamos dentro do MEC podemos oferecer o que nós oferecemos, os melhores documentos de ensino do Brasil. Já a vendedora do diploma de ensino médio disse que funcionários da Secretaria de Educação agem por debaixo dos panos para garantir a segurança do negócio.

O secretário de Educação Superior, Ronaldo Mota, explica que os diplomas brasileiros de ensino superior são validados por instituições de ensino credenciadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O formando recebe o diploma na própria universidade, centro de ensino ou faculdade onde estudou e no qual ficam arquivados seus boletins de freqüência e de desempenho.

Na hipótese de o diploma ter sido forjado dentro da faculdade, o ministério iniciaria um procedimento administrativo para apurar o caso que, em última instância, poderia resultar até no descredenciamento da instituição de ensino. Se existir alguma instituição de ensino superior vendendo diploma, isso implicará em punição severa, assegura Ronaldo Mota.

Crime
A falsificação de um diploma está prevista como crime nos artigo 297 e 299 do Código Penal. No primeiro caso, as penas variam de dois a seis anos, mais o pagamento de multa. A utilização de documento falso está tipificada no artigo 304, do Código Penal, e prevê a mesma pena. Já o exercício ilegal da profissão é uma contravenção penal descrita no artigo 47, da Lei 3.688/41 e prevê prisão de 15 dias a três meses, mais multa.

Em Minas Gerais, cerca de 50 casos de venda de diplomas falsos de ensino fundamental e médio foram denunciados à Secretaria de Educação no ano passado. A superintendente de Organização e Atendimento Educacional, Maria Regina da Silva Moreira, afirma que os falsários costumam abordar estudantes até na porta de cursinhos preparatórios. Eles vão lá oferecendo facilidades, desestimulando as pessoas que querem estudar. É um horror, lamenta. Mas, de acordo com ela, nunca foram provadas conexões entre os falsificadores e os funcionários públicos. São falsificações grosseiras, que rapidamente são identificadas, afirma Maria Regina da Silva Moreira. As denúncias encaminhadas à Secretaria de Educação são repassadas à Polícia Civil do estado e ao Ministério Público local.

” Somente nós que trabalhamos dentro do MEC podemos oferecer o que nós oferecemos, os melhores documentos de ensino do Brasil ”

Trecho de propaganda de um dos sites dos falsificadores

Fraudes multiplicadas
A compra e venda de diplomas falsos é um crime antigo que adquiriu características novas a partir da popularização da internet. Com a rede, os falsários ganharam maior publicidade, ampliaram a capacidade de distribuição dos documentos forjados e tornaram as transações mais impessoais  já que os contatos são feitos por sites ou e-mails.

O delegado-chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da PF, Adalto Almeida Martins, afirma que a prática vem crescendo. A internet permite que as fraudes se multipliquem. O que era um ponto de falsificação multiplica-se por vários, afirma, comparando o sistema dos falsificadores ao de vendas online. A rede trouxe muitas coisas boas. Mas, também potencializou práticas ruins. Ele lamenta a dificuldade de prender os falsificadores, pois é necessária a existência de um diploma falso para provar a materialidade do crime.

As denúncias investigadas pela instituição costumam chegar a diferentes níveis de falsificações. Há desde reproduções grosseiras até diplomas que realmente podem passar por originais, afirma o delegado. Em março, durante a Operação Cola, a PF prendeu Tiago Francisco Vieira Pereira, 22 anos, acusado de fabricar diplomas na cidade de Tangará da Serra, em Mato Grosso. Em seis meses, o esquema do qual o rapaz fazia parte havia enviado diplomas para 14 estados brasileiros. Os títulos mais solicitados eram os de medicina, fisioterapia, direito, enfermagem e engenharia civil.

Cada diploma custava R$ 1,8 mil. Na época, a PF cumpriu 34 mandados de prisão em 14 estados. Uma mulher foi flagrada trabalhando ilegalmente como médica  como se tivesse se formado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)  em Araponga, uma cidade da Zona da Mata mineira. Ela já dava expediente na função havia pelo menos dois anos quando foi descoberta e indiciada pela PF.