Do estande às trincheiras do tráfico
Entre os seis presos, há dois atiradores esportivos credenciados pelo Exército, um deles escrivão aposentado da Polícia Federal, que trabalhou durante anos na Delegacia de Repressão a Entorpecentes. Eles tinham autorização para fazer recarga da munição usada em suas armas e forneciam o produto a bandidos. Em apenas uma semana, venderam cem caixas de munição (cada caixa com 50 projéteis de diversos calibres) para traficantes dos morros da Grota e da Vila Cruzeiro.
Dois atiradores esportivos credenciados pelo Exército, um deles escrivão aposentado da Polícia Federal, foram presos ontem, juntamente com mais quatro pessoas, acusados de fornecer munição até de fuzis a bandidos de 12 favelas da Região Metropolitana do Rio, duas delas no Complexo do Alemão, considerado pelo governo estadual a fortaleza do tráfico de drogas carioca. Marcelo Vicente Ferreira dos Santos, o Mister M, e o escrivão Claudio de Souza Coelho, tinham, como atiradores, autorização para fazer recargas de munição usadas em suas armas. A operação foi realizada pela Polícia Federal.
Segundo as investigações, os dois conseguiam o material para fazer recargas com Antônio Marcos Correia Lima, o Kiko, também preso, supostamente ligado a um clube de atiradores esportivos. A Polícia Federal informou que a quadrilha produzia muita munição e, em apenas uma semana, chegou a vender cem caixas (cada uma com 50 projéteis de diversos calibres) a traficantes da Favela da Grota e da Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão. O bando também fornecia munição a criminosos das favelas do Jacarezinho, do Cerro-Corá (Cosme Velho), do Andaraí, de Antares (Santa Cruz), Beira-Mar (Caxias), da Mangueira, da Vila da Penha, do Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras (ambas em Copacabana) e do Morro do Cantagalo (Ipanema).
– Como atiradores, eles tinham autorização para fazer recargas de diversos calibres. Mas não poderiam vender essa munição, apenas usar a recarga para uso esportivo. Nas investigações, ficou comprovado que eles vendiam munição para armas de diversos calibres, como 38 (revólver), 380, 9mm e .40 (pistolas), 556 e 762 (fuzis), entre outras – disse o delegado Valdinho Caetano, superintendente da PF do Rio.
Polícia apreendeu 1.700 cartuchos
Batizada de Toca – uma referência ao sobrenome do policial aposentado, Coelho -, a operação foi planejada com base numa investigação que durou 60 dias e incluiu monitoramento de ligações telefônicas e fotografias dos acusados em plena negociação. Além de nove mandados de prisão (apenas um não foi cumprido), foram expedidos oito de busca a apreensão. Ao todo, a PF recolheu 41 armas de diversos calibres, 1.700 cartuchos de munição de diversos calibres, sete mil espoletas (usadas no processo de recarga), um quilo de pólvora, 20 carregadores, 2,5 quilos de cocaína, cerca de R$9 mil e US$5 mil em dinheiro.
A operação começou por volta das 6h, quando os carros deixaram a sede da PF, na Praça Mauá. Logo no início, os policiais – cerca de cem – enfrentaram grandes dificuldades para vencer o trânsito engarrafado em vários bairros. Com sirenes ligadas, abriram caminho com armas do lado de fora das janelas. A operação foi coordenada pelo Centro Regional de Inteligência de Sinais (CRIS), do Setor de Inteligência Policial (SIP) da PF do Rio.
Segundo o delegado Valdinho Caetano, as investigações mostraram que Coelho e Mister M recebiam material de Kiko, faziam a recarga e repassavam a munição para Sandro Fernandes Souza, o Zolvão, e Ana Lúcia Vicente Ferreira, a Lucinha, também presos. A munição recarregada era entregue a Viviane Cristina Oliveira, a Doida, que repassava o material, juntamente com Bruno Rogério de Almeida Tavares (que já estava detido, mas voltou a ter a prisão decretada), para traficantes das favelas do Jacarezinho, Beira-Mar, do Cerro-Corá, do Andaraí e de Antares.
Outra ramificação da quadrilha revendia a munição para Anderson de Macedo Martins, o Truta ( que também já estava preso), e Eliezer Miranda Joaquim (que conseguiu fugir). Eles entregavam o material aos traficantes do Complexo do Alemão, da Mangueira, da Vila da Penha, do Pavão-Pavãozinho, do Cantagalo e da Ladeira dos Tabajaras.
– Durante as investigações, eles chegaram a repassar ao tráfico, seguidos carregamentos de munição. Em alguns casos, eram encomendas que variavam de 40 a 50 caixas. Em apenas um caso, foram vendidas cem caixas de munição aos bandidos do Complexo do Alemão, os principais clientes da quadrilha – disse Valdinho Caetano.
O escrivão Claudio de Souza Coelho está aposentado há cerca de dois anos da PF. Ele é considerado pelos seus ex-colegas de trabalho um exímio atirador, tendo vários títulos em concursos de tiro esportivo. Durante boa parte de sua carreira como escrivão, trabalhou na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF do Rio, encarregada do combate ao tráfico de drogas no estado. Ontem, por intermédio de seu advogado, Coelho negou as acusações. Disse que pensou estar vendendo a munição que recarregava a atiradores e pessoas autorizadas pelo Exército.
Policiais federais do Centro Regional de Inteligência de Sinais, entretanto, informaram que os atiradores autorizados pelo Exército para fazer recargas de munição não podem vender o material. A recarga é permitida apenas para uso esportivo. Os federais informaram ainda que Marcelo Vicente também seria armeiro do tráfico, consertando armamento com defeito pertencente aos bandidos do Complexo do Alemão.