Doações ocultas são caminho para propinas, alerta Delegado da PF

17 de setembro de 2015 15:12

O delegado Milton Fornazari Junior é um especialista da PF no combate a malfeitos com dinheiro do Tesouro. Ele integra os quadros da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos da Polícia Federal em São Paulo. É Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal pela PUC-SP.

ESTADÃO: A reforma política abre caminho para as doações ocultas.

DELEGADO MILTON FORNAZARI JUNIOR: Trata-se de um retrocesso no combate à corrupção, em razão da eliminação da transparência e da violação do princípio da publicidade. Não há norma constitucional que abrigue a pretensão de sigilo em relação à doação eleitoral. O voto é secreto e o seu sigilo sim deve ser sempre protegido pelo Estado, pois traduz a opção íntima de cada cidadão na escolha dos seus representantes em uma democracia. A doação não se confunde com o voto, vai muito além, ela configura um aporte de recursos em favor de uma candidatura na qual uma pessoa física ou jurídica, em tese, acredita e resolve apoiar.

ESTADÃO: As doações ocultas podem ser usadas para repasse de propinas?

FORNAZARI: Sim, a praxe policial tem demonstrado que a “doação oculta”, em alguns casos, visa dificultar a vinculação entre o doador e o candidato beneficiado no caso de pagamento de propinas. Exemplo: um candidato mal intencionado oferece vantagens indevidas em determinada obra em andamento a um empresário, solicitando em troca que ele doe determinada quantia em dinheiro. Pela doação oculta, o doador não vai doar o dinheiro à campanha do candidato, mas ao Partido Político, aí é que entra a facilitação da corrupção. O candidato mal intencionado, já em prévio ajuste com os dirigentes do seu partido, fará aqueles valores serem destinados a ele da conta geral do Partido, sendo impossível vincular o doador e o candidato. Deve-se preservar a doação para quem deseja doar à legenda do partido, mas não tornar a doação à legenda como regra.

ESTADÃO: A quem interessam as doações ocultas?

FORNAZARI: Interessa ao candidato que não quer que a sociedade saiba que ele recebeu recursos de determinada pessoa ou empresa e ao doador que não quer que a sociedade saiba que por ele foram aportados recursos na campanha de determinado candidato. Ou seja, interessa aqueles que não querem que seus vínculos eleitorais sejam transparentes.

ESTADÃO: Será impossível identificar o vínculo entre pessoas jurídicas e políticos financiados.Qual a saída para contornar essa blindagem?

FORNAZARI: Cabe ao Congresso a edição de leis que assegurem a transparência nas relações eleitorais, a fim de evitar que a doação eleitoral seja utilizada como meio de pagamento de propinas.