Dose de agressividade
A TV Record se livrou de indenizar o delegado da Polícia Federal, Marco Antonio Veronezzi. O delegado pediu à Justiça indenização por danos morais por conta da reportagem que divulgou seu remanejamento do cargo que ocupava na PF em São Paulo e o comentário que associou sua imagem à corrupção. Veronezzi foi diretor da Delegacia Marítima, Aérea e de Fronteira e hoje chefia a Delegacia de Imigração. O pedido foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Cabe recurso.
O conceito de liberdade de expressão é amplo e compreende, inclusive, informações que possam aborrecer e perturbar pessoas, afirmou o desembargador Ênio Zuliani. Não poderia a autoridade policial exigir que a imprensa se calasse ou não emitisse opiniões diante do fenômeno que sacudiu a cúpula da Polícia Federal, até porque esse debate integra o diálogo fundamental para o fortalecimento democrático, completou o relator.
Na época, o afastamento do delegado foi provocado por suspeitas do Ministério Público Federal de envolvimento de agentes da PF com o crime organizado. As investigações do MPF envolviam uma suposta relação de policiais com o doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona. Não há confirmação, por sentença judicial, de o delegado ter cometido improbidade administrativa no exercício do cargo.
Veronezzi sustentou que a reportagem e o comentário feito por Boris Casoy, na época âncora do Jornal da Record ofendeu sua honra, imagem e reputação. Segundo ele, seu remanejamento do posto da PF se deu por questões administrativas. O recurso contra decisão de primeiro grau, que julgou a ação improcedente, foi apreciado pela 4ª Câmara de Direito Privado.
A turma julgadora, por votação unânime, entendeu que as reportagens não extrapolaram o direito de informar nem a liberdade de expressão como alegou o delegado da Polícia Federal. Para a turma julgadora, a TV Record exerceu as prerrogativas legais sem ultrapassar as barreiras que separam o lícito daquilo que é abusivo.
Segundo os desembargadores, o Jornal da Record informou o público sobre acontecimentos que envolviam a rotatividade de delegados, um caso singular que coincidiu com a divulgação de escândalos envolvendo denúncia de corrupção da PF paulista.
No final da reportagem, o apresentador Boris Casoy afirmou que seria preciso uma limpeza nos quadros da Polícia, que estaria falida moralmente. Para a turma julgadora, mesmo esse juízo de valor não é suficiente para exigir o dever de indenizar.
As expressões contundentes não estão em dissonância com o estado de coisas que foram relatos, lembrando que o exercício de crítica, por ser um direito, não constitui um salvo conduto para agredir, contudo, uma certa dose de agressividade se permite, porque caso não se admita o emprego de linguagem dura ou ácida, não se atinge o objetivo de criticar, que no fundo, visa alertar, provocar reflexão e formar opiniões, entendeu o desembargador Ênio Zuliani.
Para ele, não cabe reprovar o noticiário por divulgar as denúncias e investigações deflagradas com os nomes de Anaconda, Lince e Shogun. Segundo Zuliani, também não cabe a reprovação por eventual lesão ao direto da personalidade [honra, imagem e reputação] do delegado, pela forçosa conclusão que se deve chegar, diante de tudo o que constou, do exercício regular da função social da imprensa.