“É impossível parar a Lava-Jato”
>> Entrevista Rodrigo de Melo Teixeira e Marcelo Eduardo Freitas
Em meio a uma campanha no Congresso pela aprovação de uma emenda constitucional que lhes garanta autonomia, delegados da Polícia Federal elegeram uma lista tríplice para entregar ao presidente em exercício, Michel Temer, com sugestões de nomes para substituir o diretor-geral, Leandro Daiello. Eles esperam que o Palácio do Planalto siga o exemplo do que já ocorre com a nomeação do procurador-geral da República. Apesar de não haver previsão legal, a escolha da classe foi respeitada pelo ex-presidente Lula e por Dilma Rousseff.
Em conversa com o Correio, dois eleitos pela categoria, Rodrigo de Melo Teixeira e Marcelo Eduardo Freitas, explicaram os motivos da ideia, que não é unanimidade entre policiais federais. Entre os nomes eleitos pela classe, está o da delegada Erika Mialik Marena, que integra a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, mas, por motivos de saúde, ela não pôde participar da entrevista.
De acordo com Teixeira, o modelo é necessário para órgãos que investigam. Ele afirma que a PF faz parte do sistema de justiça, em que é o único órgão sem qualquer possibilidade de escolher seu dirigente. "A Polícia Federal está em um processo de amadurecimento e a lista tríplice é a conclusão desse processo", afirma Rodrigo Teixeira. Há, entretanto, um receio no Executivo de que a proposta abra portas para que órgãos como a AGU e a CGU pleiteiem a mesma prerrogativa.
"A Polícia Federal está em processo de amadurecimento, e a lista tríplice é a conclusão desse processo"
Rodrigo de Melo Teixeira, delegado da Polícia Federal
"Nossas instituições são muito novas e, consequentemente, suscetíveis à intervenção o governo"
Marcelo Eduardo Freitas, delegado da Polícia Federal
"É impossível parar a Lava-Jato"
A lista tríplice será acolhida pelo presidente interino, Michel Temer?
Marcelo – A ideia é fortalecer as instituições da República. No caso específico da Polícia Federal, encampar essa lista tríplice – se possível, com um mandato para diretor-geral – representa um fortalecimento dessa instituição essencial ao combate do crime organizado.
Há um receio no Executivo de que, se o presidente ceder, surjam pleitos de outras instituições, como a AGU e a CGU.
Rodrigo – Não posso falar pela CGU, mas temos que falar das instituições que fazem a persecução criminal, que é a Polícia Federal, que é quem investiga. No caso da Operação Lava-Jato, a polícia investiga, o Ministério Público acompanha e o Judiciário julga. Desses atores, somente a Polícia Federal não tem a lista tríplice para a escolha de seu diretor-geral. A Polícia Federal está em processo de amadurecimento e a lista tríplice é a conclusão desse processo.
Esse movimento aconteceu após o ministro da Justiça confirmar a permanência do atual diretor-geral (Leandro Daiello) no cargo. É uma demonstração de repúdio?
Marcelo – O próprio diretor-geral externou que sairia após as Olimpíadas. Então, nada mais justo que a instituição se prepare para esse cenário ao indicar aqueles que dentro da classe são os mais qualificados cados para exercer a função.
O Daiello trabalha contra a Lava-Jato? Ele pode atrapalhar?
Rodrigo – No que tange à Lava-Jato, é preciso quebrar o mito que se criou. Hoje, é impossível parar a Lava-Jato. É uma operação que tem o acompanhamento da imprensa e da sociedade, da Justiça Federal, com o juiz Moro, do Ministério Público e da Polícia Federal atuando em perfeita harmonia. Parar a Lava-Jato não existe. O que a gente pleiteia com a lista é um delegado de polícia que dê mais condições de trabalho para os delegados e os agentes que estão na Lava-Jato.
A visibilidade da Lava-Jato estimulou a categoria a fazer essa pressão pela lista tríplice e pela PEC 412 (que prevê a autonomia administrativa e financeira da PF)?
Rodrigo – A Lava-Jato é um marco histórico, mas a lista tríplice é um pleito que a categoria trabalhava antes. A Lava-Jato mostrou a necessidade desta lista para fortalecer o trabalho. No que tange à PEC 412, nós temos que pontuar o seguinte: a Polícia Federal tem autonomia de investigação, com previsão legal. Não temos uma previsão orçamentária, que é o mais importante. Não temos recurso próprio para pagar a diária do policial, para pagar a gasolina e demais custos. Essa questão da autonomia é, na verdade, uma questão de orçamento.
É reivindicação casada: a autonomia orçamentária e a lista tríplice?
Marcelo – Sem dúvida. E precisamos enfrentar a questão com muita serenidade. Essa rejeição em relação à PEC 412 não é institucional, é classista. Não consigo aceitar que uma instituição não fortaleça a outra. Com a lista tríplice e a PEC 412, pleiteamos uma simples ideia de fortalecimento. Nossas instituições são muito novas e, consequentemente, suscetíveis à intervenção do governo.
O que muda para o cidadão em casa?
Rodrigo – Se eu tenho um delegado que representa a categoria e, se eu tenho um orçamento próprio, a categoria cobra dele que se dê uma destinação adequada para aquilo que entende como mais importante e vai em encontro com o interesse da população, que é o combate à corrupção.
E as propostas que tramitam no Congresso que restringem a delação premiada?
Rodrigo – O parlamento é muito sensível à opinião pública e a opinião pública é externada por meio dos órgãos de imprensa. Então, acho pouco provável que se aprove um projeto de lei que tenha por objetivo restringir a atuação da PF, do Judiciário ou do MP no combate à corrupção.
Mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou uma ação contestando a possibilidade de delegados proporem delações premiadas.
Rodrigo – Foi uma surpresa. Algo inusitado, porque o Ministério Público sabe que a delação premiada, feita no Ministério Público ou com delegados, é importantíssima na investigação criminal. Então, é uma surpresa estranha, para não dizer desagradável.
Mas há excesso de delações?
Marcelo – Absolutamente não. E por que isso? Se nós formos observar as nossas investigações, os acordos de cooperação processual premiada ou a delação, como se diz, não chegam a 3% das investigações.
Entrevista publicada no jornal impresso Correio Braziliense do dia 12/06