Ele leva pelo menos quatro

7 de abril de 2008 09:30

Há cerca de 15 dias, o presidente afastado da Assembléia Legislativa de Alagoas, deputado Antônio Albuquerque (DEM), foi ao apartamento nº 602 do Edifício Ticiano Becelli, em Jatiúca, bairro nobre de Maceió. É lá que mora o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB). Albuquerque estava aflito e fez um pedido, quase uma súplica.

 Estão destruindo a minha vida. E você precisa impedir a perseguição da Polícia Federal.

 Tonho, eu não posso. Fui eu quem pediu a ajuda do governo federal para combater o crime organizado no Estado. É impossível para mim recuar, agora.

 Então, fala com o Renan (Calheiros, ex-presidente do Senado).

 O Renan está fragilizado. Não pode fazer nada por você.

O governador então convidou-o para sentar, mas Albuquerque, nervoso, ameaçou:

 Teotônio, já pensei em suicídio. Mas, olhe, eu não vou sozinho. Levo comigo pelo menos quatro.

Durante uma hora de conversa, Vilela tentou demover o deputado da idéia com a promessa de ajudá-lo. Ao se despedir, contudo, Albuquerque reiterou sua determinação de se suicidar e de não deixar este mundo sozinho. Apesar de alardear que é amigo de Albuquerque, Vilela tem motivos para se preocupar. O governador sempre viu o presidente da Assembléia como o obstáculo na relação entre o Executivo e o Legislativo.

Apesar de ter apoiado Vilela, Albuquerque criava dificuldades para os projetos do governo na tentativa de obter favores. A amigos, Vilela confidenciou sua preocupação com o estado de espírito do deputado depois daquela conversa. A um deles, chegou mesmo a contar que o deputado lhe deu o nome dos quatro. Ele, Teotônio Vilela, encabeçava a lista. Em entrevista a ISTOÉ, o governador primeiro negou o diálogo, depois disse que não se lembrava dele. Procurado pela reportagem, o deputado Albuquerque disse: Não quero falar com você. Eu não entreguei minha defesa ainda. Falo com você depois que entregá-la.

A crise que levou o presidente afastado da Assembléia àquele diálogo insólito com o governador começou em 17 de março último, quando o desembargador Antônio Sapucaia, do Tribunal de Justiça de Alagoas, determinou a suspensão do mandato de nove deputados estaduais. Eles foram indiciados pela Polícia Federal sob a acusação de desvio de recursos públicos do Estado da ordem de R$ 280 milhões. Um deles, o deputado Cícero Ferro (PMN), chegou a ser preso porque a polícia encontrou armas em seu poder. Acabou liberado por decisão de seus pares na Assembléia Legislativa. Os demais foram conduzidos à sede da PF para prestar depoimentos.

Para o superintendente da Polícia Federal em Alagoas, José Pinto Luna, as investigações indicam que o deputado Antônio Albuquerque, presidente da Assembléia, seria o líder do grupo. O esquema montado pelos parlamentares apropriava-se de salários e das gratificações destinadas aos servidores e assessores. Flagramos a mulher de um deputado portando uma quantidade de cheques de funcionários fantasmas da Assembléia, que eram descontados na boca do caixa do banco, que não exigia sequer um endosso, conta o delegado Luna. Ela chegou a dizer que gastava dinheiro em compras pessoais, tais como bolsas Louis Vuitton e até automóveis.

O delegado Luna acrescenta que a papelada apreendida na Assembléia Legislativa revelou fortes indícios de outro esquema envolvendo parlamentares e prefeitos. Aqui em Alagoas, a maioria das prefeituras  cerca de 70% delas  desvia verbas de merenda escolar, acusa Luna. Na quinta-feira 3, o procurador-geral Coaracy Fonseca impetrou uma ação de improbidade administrativa contra os deputados.

O governador Teotônio Vilela conhece a má fama dos políticos do Estado. Por isso, tem perdido noites de sono quando recebe informações do secretário da Defesa Social, o delegado da Polícia Federal Paulo Rubin, que trabalha nas investigações de irregularidades que envolvem também políticos aliados. O governador sabe que não tem como controlar essas investigações, mas isso não serve como paliativo para eventuais desafetos.

Na semana passada, admitindo o envolvimento de Albuquerque no escândalo da Assembléia, a direção nacional do DEM resolveu expulsá-lo do partido. Poucos dias depois, dois colegas da Assembléia Legislativa se envolveram em novos escândalos. O deputado Arthur Lira (PMN), um dos nove afastados no escândalo, foi preso por agentes da Força Nacional de Segurança  que está em Alagoas a pedido do governo do Estado  por ter espancado a própria mulher. Ele responde processo referente à Lei Maria da Penha. Mas o corporativismo funcionou e 14 deputados estaduais votaram pela revogação da prisão.

Outro deputado, Marcelo Victor (PTB), foi acusado de fazer gato para roubar energia elétrica. Ele pagava apenas R$ 20 por mês para iluminar uma casa que, segundo especialistas, deveria pagar entre R$ 300 e R$ 400. No momento em que os funcionários da Companhia de Energia Elétrica de Alagoas (Ceal) chegaram para efetuar o corte de energia, o deputado, que tomava banho, saiu na rua enrolado numa toalha. Com uma pistola na mão, agrediu um dos funcionários com coronhadas. O presidente da Ceal, Joaquim Brito, indignado, pediu instauração de inquérito policial a fim de apurar a agressão.

Casos de crimes encomendados são comuns num Estado marcado pela violência política. Um dos mais famosos foi a chacina na residência da deputada federal Ceci Cunha (PSDB), em 16 de dezembro de 1998. Ela, o marido e dois parentes foram assassinados por quatro pistoleiros. Tempos depois um deles, conhecido como Chapéu de Couro, confessou que tinha sido contratado pela suplente da deputada, Talvane Albuquerque  que não tem nenhum parentesco com o ex-presidente da Assembléia Antônio Albuquerque. Na quarta-feira 2 a Força Nacional de Segurança prendeu o principal suspeito do assassinato do vice-prefeito de Pilar, Beto Campanha, morto em janeiro em plena luz do dia na principal rua da cidade. Outro crime de repercussão foi o assassinato, em 1º de outubro do ano passado, do então vereador Fernando Aldo, pré-candidato a prefeito do município de Delmiro Gouveia. As investigações apontaram como principal suspeito o deputado estadual Cícero Ferro  o mesmo preso pela PF pela posse de armas.

O governador Teotônio Vilela tem razão para estar preocupado.