Eles tomaram a reitoria

4 de abril de 2008 10:25

Em 1968, a Polícia Militar invadiu a Universidade de Brasília para reprimir protestos de estudantes e impedir manifestações contra o regime militar. Quarenta anos depois da ocupação militar do câmpus, uma nova invasão movimentou ontem a UnB. Mas dessa vez, foram os próprios alunos da instituição que comandaram o movimento. Cerca de 150 estudantes invadiram o prédio da reitoria para exigir a saída do reitor Timothy Mulholland e para pedir mais investimentos em pesquisa e extensão.

A Polícia Federal foi chamada para controlar as manifestações e impedir danos ao patrimônio. A energia elétrica e a água do edifício foram cortadas no início da tarde. Até o fechamento desta edição, o grupo ainda permanecia no local, com a promessa de acampar no gabinete por tempo indeterminado. Por meio de uma assessora, Timothy avisou que não vai deixar o cargo.

A movimentação dos estudantes começou ao meio-dia, com uma assembléia no ICC norte. Durante o encontro, os alunos pediram o afastamento do reitor e também o leilão de todos os móveis do apartamento que era ocupado por Timothy até 12 de fevereiro. A crise na UnB começou no início do ano, depois que o Ministério Público do Distrito Federal revelou gastos de R$ 470 mil na decoração do apartamento funcional do reitor, na 310 Norte. O dinheiro havia sido repassado pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) para a Fundação Universidade de Brasília. O conselho diretor da FUB, presidido por Timothy, aprovou a destinação dos recursos. Entre os itens estavam três lixeiras que custaram R$ 2.738, um home cinema de R$ 36.603 e luminárias de R$ 9.845.

O presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Fábio Félix, criticou mais uma vez os gastos com a mobília do apartamento. Esses móveis têm que ser leiloados para que o dinheiro seja investido em melhorias na Casa do Estudante Universitário, que está abandonada, disse Fábio. A crise na UnB está muito forte e a repressão à nossa mobilização também cresce. Qualquer cartaz sobre esse assunto é imediatamente arrancado pelos seguranças, criticou o presidente do DCE.

Até mesmo docentes da universidade se juntaram à assembléia e também pediram o afastamento do reitor. A professora Patrícia Pinheiro, do Departamento de Serviço Social, disse que a saída de Timothy é importante para as investigações de possíveis irregularidades. Muito dinheiro está sendo gasto na universidade com finalidades questionáveis enquanto ficamos sem nenhuma estrutura para ensinar, denuncia Patrícia.

Ao final da assembléia, os estudantes caminharam rumo ao prédio da reitoria com um caixão nas mãos e faixas com dizeres Finatec desviou, Timothy ajudou. Ao chegarem ao edifício, os alunos se dirigiram diretamente ao gabinete do reitor. Alguns funcionários correram para retirar objetos de valor e logo depois os estudantes tomaram conta da sala de Timothy.

Houve confusão no início da invasão depois que uma estudante disse ter sido agredida por um segurança. Ela tentava entrar na sala de reunião do gabinete do reitor e foi impedida. Fiquei com o braço cheio de hematomas porque o segurança me imprensou contra a parede para me impedir de entrar no local, reclamava Catarina Lincoln, aluna do 3º semestre do curso de história da UnB.

A Polícia Federal foi chamada pela administração do câmpus depois que uma porta do gabinete foi destruída pelos estudantes. Os agentes fecharam os acessos ao prédio e impediram a entrada de novos manifestantes e até mesmo de comida para os alunos que já estavam acampados. Os manifestantes improvisaram uma caixa de madeira içada com uma corda para transportar sanduíches e cigarros do térreo para o terraço da reitoria, onde estavam.

No meio da tarde, uma assessora do reitor, Dóris de Faria, explicou que a água e a luz haviam sido cortadas por uma questão de segurança. Se os alunos arrancarem um dos bebedouros, por exemplo, pode haver uma inundação no prédio, justificou. Sobre a presença da PF no câmpus, ela explicou que os agentes foram chamados para evitar prejuízos. A Polícia Federal foi chamada porque um patrimônio público da União foi invadido e essa é a regra nesses casos , acrescentou Dóris. A respeito dos pedidos de afastamento de Timothy Mulholland, a assessora garantiu que não existe essa possibilidade. O reitor não vai renunciar, não é assim que se retira um reitor, ainda mais alguém que foi eleito com o maior percentual de votos da história da universidade, explicou Dóris.

No início da noite, a Universidade de Brasília anunciou que o decano de Assuntos Comunitários, Pedro Sadi, ficaria responsável pela negociação com os estudantes. Mas os alunos disseram que só discutirão a possibilidade de acabar com a invasão se a UnB ligar o fornecimento de energia elétrica e água.

Professores protestam
As manifestações de alunos contra o reitor Timothy Mulholland não foram as únicas na Universidade de Brasília ontem. Pela primeira vez desde o início da crise na UnB, professores da instituição defenderam publicamente a saída de Mulholland do comando da instituição. O Instituto de Ciências Humanas  que reúne os departamentos de Geografia, História, Filosofia e Serviço Social  divulgou nota em que pede o afastamento do reitor enquanto durarem as investigações sobre os gastos da Finatec e também a saída dos seis integrantes do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília.

A nota foi divulgada por meio da rede de informática da UnB, por volta das 17h. A decisão foi tomada na noite da última terça durante uma reunião do Conselho do Instituto de Ciências Humanas. Essa instância é formada pelos chefes dos quatro departamentos, além de outros quatro professores, dois alunos e um técnico administrativo. Por seis votos a cinco, a unidade acadêmica resolveu pedir a saída do reitor.

Recursos públicos devem ser usados exclusivamente com finalidades públicas e, no caso da UnB, com ensino, pesquisa e extensão. É fundamental que seja constantemente aperfeiçoada a necessária transparência na gestão dos recursos disponíveis à universidade, diz a nota do Instituto de Ciências Humanas. Deve-se propor o afastamento do atual Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília (FUB), visando à sua futura recomposição em novas bases, mais sintonizadas com as finalidades da universidade, afirma o documento elaborado pela equipe da unidade acadêmica.

Em 20 de fevereiro, os professores da Universidade de Brasília haviam decidido em assembléia não defender publicamente o afastamento de Timothy Mulholland. A presidente da Associação dos Docentes da UnB, Rachel Nunes da Cunha, disse que uma nova assembléia deve ser realizada. Hoje, o Conselho de Representantes da entidade se reunirá para discutir o assunto. É possível que haja uma nova assembléia porque muitos fatos novos surgiram desde o último debate. Antes, a discussão estava em torno dos gastos com o apartamento do reitor. Agora, apareceram denúncias de desvios de recursos da editora da UnB, que faz parte da universidade, explica Rachel.