Estádios brasileiros exigem reformas para a Copa

14 de dezembro de 2007 11:01

Mais do que uma melhoria geral nos estádios do país, já que nenhum deles no momento está em condições de sediar jogos de uma Copa do Mundo, é preciso trabalhar em várias frentes até que o Brasil possa chegar a um patamar de excelência quando o assunto são os jogos de futebol. Marco Aurélio Klein, ex-coordenador da Comissão Paz no Esporte, listou uma série de deficiências que põem sob risco as apresentações do mais popular esporte nacional. Falta qualificação em recursos humanos, há insegurança nos estádios e nos acessos a eles, além de um alto risco de acidentes e mortes, disse. A operação de um evento de futebol é amadora. Temos violência e convivemos com a degradação dos estádios, entre outros problemas.

Para Klein, os problemas começam fora dos estádios. O termo terra de ninguém é apresentado em relatórios para classificar a periferia das arenas esportivas. A iluminação é ruim e a segurança, precária. Com isso, os imóveis e estabelecimentos comerciais ao redor, sempre sujeitos à depredação dos vândalos das torcidas organizadas, acabam desvalorizados.

Some-se a isso tudo o enfrentamento dos torcedores com a polícia e a violência entre membros das organizadas. Entre 1988 e 2006, foram registrados 35 assassinatos no estado de São Paulo envolvendo torcedores. Quase todos os mortos eram jovens. Um estudo recente indagou a várias pessoas por que elas não iam aos estádios no Brasil. A maioria (79%) respondeu que a causa era a violência, contra 14% que alegaram falta de conforto.

Potencial
O descaso com as condições gerais (físicas e de administração) dos estádios abre uma enorme brecha para que os clubes deixem de faturar milhões de reais a cada ano. Afinal, o potencial do futebol é enorme. As séries A, B e C do Campeonato Brasileiro atraem, entre torcedores e espectadores da tevê, 18% da população. Em números, isso equivale a mais de 33 milhões de pessoas.

Apesar disso, em 2005, a ocupação média dos estádios na Série A foi de 20%  na primeira divisão inglesa, esse número é de 94%. Na NBA, a liga de basquete profissional norte-americana, de 87%. Se a ocupação no Brasil fosse de pelo menos 50%, os clubes teriam R$ 80 milhões a mais em caixa naquele ano.

Outro fator que afasta os torcedores dos estádios são as confusas e intermináveis filas. As bilheterias brasileiras são medievais. Aquelas janelinhas minúsculas fariam as antigas masmorras parecerem janelas panorâmicas, ironizou Marco Aurélio Klein.

Em janeiro, Carlos de La Corte, mestre em arquitetura pela Universidade de São Paulo e consultor em arquitetura esportiva, apresentará a tese de doutorado Estádios brasileiros de futebol: uma análise de desempenho técnico, funcional e de gestão. Para concluí-la, La Corte dedicou os últimos sete anos a estudos sobre a situação do Pacaembu, do Morumbi, do Maracanã e do Mineirão. As conclusões não são nada animadoras.

É bem verdade que para a Copa de 2014 a maioria dos estádios do país será reformada ou mesmo reconstruída, como acontecerá com o Mané Garrincha. Nesse ponto, La Corte faz um alerta, que deve ser levado em conta por aqueles que investirão nas obras. O custo de manutenção dos estádios na vida útil dos mesmos, gira entre 15% e 20% do total gasto na construção, avisou. Tem que ser feito um plano para se chegar a um modelo que seja benéfico a todos. O Botafogo vai ter uma surpresa na manutenção do Engenhão.

Modelo
Assim, com tantos problemas, o melhor caminho a ser seguido são os modelos europeus, principalmente o da Inglaterra, que conseguiu reverter um histórico de tragédias. Do início do século passado até 1990, mais de 300 torcedores perderam a vida no Reino Unido. No mais grave dos conflitos, em 1989, 96 pessoas morreram no estádio de Hillborough, esmagadas junto às grades.

Nos últimos anos, o Reino Unido intensificou as ações de segurança. As inspeções nos estádios são feitas por técnicos da Scotland Yard, explicou Marco Aurélio Klein. Quando trabalhou como coordenador da Comissão Paz no Esporte, ele teve a oportunidade de participar de uma dessas inspeções. Segundo ele, além de zelar pela estrutura física dos estádios, os responsáveis pela segurança fazem um intenso trabalho para mapear os torcedores problemáticos. No Ministério do Interior inglês, que cuida da segurança do país, há um setor específico para o futebol, explicou.

No início de outubro, em Glasgow, em partida entre Milan e Celtic pela Liga dos Campeões da Europa, um torcedor escocês invadiu o gramado e passou correndo na frente de Dida, goleiro do Milan. O brasileiro simulou ter sofrido agressão, o que poderia ter levado a um conflito entre as duas torcidas. Dida acabou punido com suspensão de dois jogos (cumpriu apenas um). O torcedor foi identificado e punido com o banimento do futebol. Ou seja, nunca mais poderá colocar os pés em um estádio de futebol dentro do Reino Unido, explicou Klein.

Aqui no Brasil, segundo ele, seria necessária, entre outras várias providências, a criação de um serviço de inteligência eficiente para atuar nos estádios e junto aos torcedores. Hoje, o monitoramento dos estádios existe apenas para cumprir o Estatuto do Torcedor. Na prática, não serve para nada. É preciso fazer um cadastramento dos torcedores, concluiu Klein.

Lições não-assimiladas
É no mínimo, lamentável perceber que, apesar da tragédia da Fonte Nova, os principais dirigentes do esporte no Brasil ainda se neguem a discutir abertamente a situação deplorável dos estádios do país. Na audiência pública realizada ontem, na Câmara dos Deputados, sobraram dados para comprovar o caos, mas faltou gente interessada. A Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, presidida pela deputada Lidice da Mata (PSB-BA), convidou o ministro do Esporte, Orlando Silva Júnior, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, e o presidente do Clube dos Treze, Fábio Koff, entre outros.

O ministro alegou que não poderia comparecer, pois estaria em viagem. Ricardo Teixeira disse que simplesmente não viria. Fábio Koff chegou a confirmar presença dias antes, mas também não apareceu.

Que o trio acima tenha faltado à audiência para discutir a situação dos estádios brasileiros, a seis anos e meio da Copa de 2014, é compreensível. Afinal, todos têm agendas cheias. Inadmissível, porém, é que não tenham se dado ao trabalho de enviar representantes. Gente que pudesse, depois, apresentar relatórios e manter contatos com os especialistas que expuseram os estudos.

O bom e velho jeitinho brasileiro tem regra. E ela dita que se deve deixar tudo para a última hora. Só que, no caso dos estádios brasileiros, o tempo que separa o país da Copa do Mundo de 2014 deve ser visto por outro ângulo. Afinal, no ano que vem, a bola voltará a rolar nos quatro cantos do país nesses mesmos estádios em situação lastimável, pondo em risco a integridade física dos torcedores.

Ao que parece, a tragédia da Fonte Nova, lamentada Brasil afora, não deixou lições tão marcantes assim nos principais dirigentes do futebol brasileiro. Não há alternativa a não ser pensar antes, diz o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), José Roberto Bernasconi. (LRM)