Estilo James Bond?

25 de fevereiro de 2008 09:39

A trama incluiria vestígios de espionagem a envolver um gigantesco campo de petróleo, o sumiço de dados sigilosos e estratégicos para o País, agentes da Polícia Federal em ação e uma multinacional ligada diretamente à Casa Branca de  sempre ele  George W. Bush. Nesse contexto, a polícia passou a considerar que o furto pode ser apenas mais um caso recorrente ou um delito envolvendo espionagem industrial internacional e tráfico de informações privilegiadas.

Informado a respeito, o presidente Lula e alguns de seus auxiliares engrossaram esse caldo, classificando o crime como uma questão de Estado. Daí em diante, o que se seguiu foi um festival de informações desencontradas, quase todas vazadas por fontes da PF, conforme o jargão da imprensa usado quando a origem da informação prefere manter o anonimato. Foi o modo que alguns veículos de comunicação encontraram para encarar o fato de a Petrobras, desde o início do caso, ter se limitado a confirmar o furto de alguns equipamentos, mas sem fazer nenhuma referência aos dados contidos nos laptops e pen drives que teriam sido furtados ou a outros detalhes do crime.

A estatal nem sequer confirmou que os dados se referiam a Tupi, o alvo principal dos gatunos, de acordo com as primeiras informações divulgadas. Na quinta-feira 21, as fontes da PF voltaram à carga, desta vez para vazar nova versão, igualmente não confirmada pelo governo, de que os dados seriam relativos na verdade ao campo de Júpiter, uma enorme jazida de gás natural localizada na Bacia de Santos, em uma área vizinha a Tupi, cuja descoberta foi anunciada em janeiro.

Nesse meio-tempo, alguns detalhes tornaram ainda mais nebulosa a história. Entre eles, um mereceu destaque especial: o contêiner onde os equipamentos estavam guardados havia sido trancado a cadeado. A chave utilizada seria, porém, uma chave mestra com outras 45 cópias, o que seria uma demonstração de evidente amadorismo da segurança empresarial da Petrobras.

À medida que os dias passaram, o governo agiu no sentido de garantir uma investigação de maior envergadura, à altura da sua opção por tratar o furto como uma questão de Estado. Por determinação do ministro da Justiça, Tarso Genro, a Polícia Federal passou a contar com a colaboração da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), dirigida atualmente por Paulo Lacerda, ex-diretor-geral da Polícia Federal. Sob a justificativa de que o processo é sigiloso, Genro não confirma nem desmente as informações que têm circulado pela internet e jornais. São especulações, pelas quais não nos responsabilizamos. E essa história de fontes tem funcionado de modo muito estranho nessa história. Depois, quando vamos confirmar as informações veiculadas, as supostas fontes negam de pés juntos que tivessem feito as afirmações, diz o ministro.

De concreto até o momento sabe-se que o material furtado havia sido transportado de navio até o porto do Rio de Janeiro e, de lá, seguido para a cidade de Macaé, também no Rio, onde a delegacia local da PF conduz o inquérito. Nos primeiros dias de depoimentos, ocorridos na semana passada, a delegada responsável pelas investigações, Carla Dolinski, ouviu mais de 20 pessoas, entre funcionários da própria Petrobras, da empresa responsável pelo transporte rodoviário do contêiner, Transmagno, e da norte-americana Halliburton, empresa contratada pela estatal brasileira para a execução de sondagens que estão sendo realizadas na região do campo de Júpiter.

Com faturamento de 13 bilhões de dólares em 2007 e 45 mil funcionários espalhados pelo globo, de acordo com o jornal inglês Financial Times, a Halliburton é uma das pouquíssimas empresas capacitadas para realizar sondagens de poços a mais de 5 mil metros de profundidade, como é o caso da área onde se localiza o campo de Júpiter. Mas ganhou fama mundial por questões, digamos, extra-oficiais. Ou seja, ao meter-se em vários escândalos e por ter sido presidida pelo atual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, braço direito de Bush em sua ofensiva militar no Oriente Médio. No histórico da Halliburton, acusações de envolvimento em contratos superfaturados e tratamento privilegiado em obras contratadas pelo governo norte-americano no Iraque e na reconstrução de Nova Orleans.

Em visita ao Espírito Santo, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, tentou evitar o assunto. Presente ao evento, Lula o fez falar com a imprensa. Fala, Gabrielli, disse o presidente. De acordo com o executivo, não houve falha no transporte dos equipamentos. Os dados são da Halliburton, foram gerados pela Halliburton, afirmou.

Além de colocar em questão a qualidade da segurança da Petrobras, o caso também detonou uma discussão a respeito da política de licitações gerida pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). A primeira a se movimentar nessa direção foi a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), que reúne 4,5 mil funcionários e aposentados da empresa. A Aepet mobilizou o Ministério Público Federal, em Brasília, para tentar suspender o calendário de licitações, sob a justificativa de que essas informações furtadas poderiam servir para eventuais candidatos interessados em explorar os campos recém-descobertos. Serviriam para que as companhias calibrassem seus lances e escolhem os blocos mais rentáveis. Além de acionar o Ministério Público, também mandamos uma carta ao Lula, pedindo, além da suspensão dos leilões, a revisão do marco regulatório do setor, afirma Fernando Siqueira, diretor da associação.

Por marco regulatório, neste caso, entenda-se principalmente as normas que definem as chamadas participações especiais que cabem ao governo, um porcentual da receita auferida pelas empresas que exploram petróleo no País.

Isso porque as evidências encontradas até aqui pela Petrobras sugerem que os megacampos de Tupi e Júpiter contêm óleo e gás natural de qualidade superior à média brasileira e, portanto, permitirão maior margem de lucro às companhias exploradoras.

A partir da demanda da Aepet, a procuradora da República Raquel Branquinho encaminhou uma recomendação à ANP para que não realizasse nenhum novo leilão até que os novos porcentuais fossem estabelecidos. Entendemos que o furto de dados da Petrobras ameaça o patrimônio nacional, por isso decidimos fazer a recomendação à agência, afirma a procuradora. De acordo com recomendação, a ANP teria dez dias para se pronunciar e, se nada fosse feito, estaria sujeita a uma interpelação judicial.

A medida judicial não deverá ser levada adiante. A ANP já informou que aguarda apenas a definição de novos porcentuais para as participações especiais, tarefa que caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), para retomar os leilões.

A decisão do conselho a esse respeito foi tomada no dia 8 de novembro do ano passado. À luz das novas informações (relativas ao potencial das descobertas recentes), sendo competência do conselho propor medidas que visem preservar o interesse nacional, na promoção do aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, resolve: (…) determinar ao Ministério de Minas e Energia que avalie, no prazo mais curto possível, as mudanças necessárias no marco legal que contemplem um novo paradigma de exploração e produção, aberto pela descoberta da nova província petrolífera, diz a resolução.

Como quase tudo o que envolve o caso, não há consenso nem mesmo em relação ao valor dos dados que teriam sido furtados. Ao contrário do que afirma o governo, há especialistas inclusive que consideram que o crime não deveria ser uma questão de Estado. E que todo o caso do furto está sendo tratado de forma sensacionalista. Eu estou imaginando que esses laptops não eram da Petrobras. Laptops da Petrobras são extremamente protegidos. Se fosse um laptop da Petrobras, não haveria problema nenhum, afirma o engenheiro Osvair Trevisan, ex-superintendente da ANP.

Apesar das críticas, o governo está convencido de que se trata, sim, de um caso que envolve os interesses nacionais. Independentemente da natureza do roubo, é uma questão de Estado. Em primeiro lugar, porque revelou a fragilidade no trânsito de informações importantes e essa fragilidade é uma questão de Estado. Em segundo lugar, porque pode ser um furto direcionado para a obtenção dessas informações, afirma Genro.

Na avaliação do ministro, o caso poderá ter um final feliz. O resultado final das investigações comandadas por PF e Abin deverá incluir uma série de recomendações para a Petrobras rever seu esquema de segurança empresarial. O problema poderá surgir se outras empresas de grande porte, como Vale, CSN e outras, também tiverem equipamentos relevantes furtados. A questão será saber se os agentes federais terão fôlego para dar conta de todo o trabalho.