Ex-presidentes do ICS são condenados à prisão
Deflagrada em outubro de 2006 para apurar desvios de recursos e lavagem de dinheiro, envolvendo dirigentes do Instituto Candango de Solidariedade (ICS), a Operação Candango começa a colher frutos. Na semana passada, a juíza Roberta Cordeiro de Melo Magalhães, da Primeira Vara Criminal do DF, condenou por peculato — quando um servidor se apropria de dinheiro público — três ex-presidentes da entidade, extinta há quatro anos depois de uma avalanche de denúncias de irregularidades e corrupção. Foram as duas primeiras sentenças na esfera penal relacionadas às investigações do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) neste caso. De acordo com uma das decisões, Ronan Batista de Souza, que presidiu o ICS entre 2002 e 2004, cumprirá pena de oito anos e quatro meses de reclusão por ter incluído na folha de pagamentos do instituto dois pilotos que serviam a seus interesses privados.
Os ex-presidentes Adilson de Queiroz Campos e Lázaro Severo Rocha receberam uma pena de cinco anos de prisão por terem mantido os dois pilotos particulares de Ronan — que o transportavam e a seus familiares na aeronave Piper Cheyenne PT-OPC — como servidores do ICS, com salários custeados pelos cofres públicos. A Justiça também considerou procedente outra ação proposta pelo MPDFT, por meio do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc), decorrente da Operação Candango. Ronan Batista e o advogado Robson Fiel dos Santos foram condenados a quatro anos, quatro meses e 15 dias de reclusão por desvios de recursos do ICS. Também neste caso o crime é peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal.
Durante todo o período em que estiveram na folha de pagamentos do ICS, os dois pilotos que serviram a Ronan, José Conceição Pereira dos Santos e Gélio Alves Souza, não tinham nenhuma função específica na entidade e nem eram conhecidos pelos reais empregados, ouvidos em depoimento pelo Ministério Público. Os pilotos sequer souberam dizer o nome de seus chefes imediatos no ICS ou detalhar a rotina de trabalho no serviço. No ICS, eles eram fantasmas. Os dois estavam, na verdade, segundo a denúncia do Ministério Público, a serviço da construtora Villela e Carvalho Ltda, em nome de quem estava registrada a aeronave que Ronan usava em viagens a Minas Gerais, Goiás e São Paulo. De acordo com os promotores, há indícios de que o ex-presidente do ICS seja o real proprietário do avião, que estaria em nome de terceiros. Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, o ICS teria repassado um montante de R$ 144.362,01 como salário para os dois pilotos.
Prisões
Lázaro Rocha foi condenado a cinco anos de prisão por manter os pilotos de Ronan na folha de pagamento do ICS |
Durante a Operação Candango, Lázaro Severo e Ronan Batista foram presos. Eles passaram três dias na carceragem da Polícia Federal (PF). Foram liberados depois de prestar depoimentos aos promotores. O advogado Robson Fiel dos Santos também foi levado para a prisão durante a operação. Advogado e cunhado de Ronan Batista, ele é um dos donos do escritório Neves Barbosa, que recebeu pelo menos R$ 1 milhão do ICS, por honorários advocatícios. A Receita multou em R$ 800 mil o escritório de advocacia por sonegação fiscal. De acordo com a denúncia do Ministério Público, a quebra do sigilo bancário do escritório mostrou que o dinheiro transferido pelo ICS foi parar nas contas de Lázaro Rocha. A investigação apontou que parte desses recursos foi repassada à esposa dele, Maria Helena de Castro Rocha, a uma empresa de propriedade do ex-presidente do ICS ou ao próprio. Na defesa, Lázaro Rocha sustentou que pegou R$ 115 mil com Robson, como empréstimo.
As duas condenações são passíveis de recursos no Tribunal de Justiça do DF. Nas sentenças, a juíza permitiu que os réus aguardem o julgamento definitivo em liberdade. Além das duas ações já julgadas, os promotores do Ncoc ajuizaram outras 10 denúncias que tramitam sob segredo de justiça. O trabalho ainda não está concluído. Há expectativa de que outras ações penais sejam propostas com base em desdobramentos de investigações. Todos os acusados estão com os bens bloqueados e tiveram sigilos bancários e fiscais quebrados. Eles também foram alvo de interceptações telefônicas, autorizadas pela Justiça. Lázaro Severo, Ronan Batista, Adilson Queiroz de Campos e Robson Fiel dos Santos não foram localizados ontem pelo Correio.
ENTENDA O CASO
Cabide para apadrinhados
O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) começou a investigar os contratos entre o GDF e o Instituto Candango de Solidariedade (ICS) em 1999, mas o trabalho foi intensificado a partir de 2002, com a criação de uma comissão de promotores de Justiça que se dedicou ao assunto. Várias ações cíveis foram propostas que contestavam a regularidade da terceirização de serviços e de mão de obra, feita em contratos diretos por meio do ICS, sob o fundamento de que a lei permitia o vínculo direto, com dispensa de licitação e concurso, por se tratar de uma organização social. Para o Ministério Público, essa era uma forma de dar liberdade ao GDF para escolher, por critérios políticos e interesses escusos, empresas e servidores.
As apurações revelaram que o ICS era um cabide de empregos para apadrinhados políticos de deputados distritais e até de integrantes do Judiciário, além de uma forma de desviar recursos públicos, por meio de contratos com empresas definidas pela cúpula do GDF. Pelo ICS, por exemplo, entre 1999 e 2005, o então presidente da Codeplan, Durval Barbosa, contratou diversas empresas de informática. Durante as investigações da Operação Caixa de Pandora, em novembro de 2009, Durval revelou que as prestadoras de serviço pagavam propina para alimentar um caixa destinado a deputados e integrantes do GDF.
Na avaliação do MP, a direção do ICS beneficiou-se dos esquemas de desvios de recursos. Em 17 de outubro de 2006, o MP deflagrou, em parceria com a Polícia Federal, a Operação Candango, que prendeu 12 pessoas, entre elas o então presidente do ICS, Lázaro Severo Rocha, e Ronan Batista de Souza, ex-presidente da entidade e ex-secretário do Governo Roriz. A investigação concluiu que, entre 2003 e 2006, R$ 25,6 milhões repassados pelo GDF foram desviados para a conta de pessoas e empresas ligadas aos dois dirigentes presos.
Durante a operação, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos investigados. Além de Severo Rocha e Ronan, familiares, advogados e supostos laranjas também foram presos, sob a acusação de peculato, lavagem de dinheiro e corrupção. Entre 1999 e 2006, o GDF repassou ao ICS R$ 2,7 bilhões. Desse montante, pelo menos 9%, correspondentes a R$ 243 milhões, representaram prejuízo. Esse era o valor pago a título de taxa de administração ao ICS, por intermediar os contratos. Ao assumir o governo em janeiro de 2007, o então governador José Roberto Arruda extinguiu a entidade. (AMC)
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE