Falta de interesse federal
O governo tem mecanismos suficientes para descobrir quem montou e vazou o dossiê dos cartões corporativos contra o governo de Fernando Henrique Cardoso. Estrutura e dinheiro não faltam para a área de inteligência e de polícia judiciária, no caso a Federal. Nos últimos quatro anos, os investimentos na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) cresceram, em média, 55%. Já o orçamento da Polícia Federal é hoje de R$ 3,4 bilhões.
Detalhando as despesas da Abin, percebe-se um crescimento de 150% em diárias, além de um aumento de 15 vezes nas compras com equipamentos. Neste ano, por exemplo, o governo já despejou R$ 5,1 milhões em material permanente para a área de inteligência, valor superior a 2004 e 2005 juntos (leia quadro).
Mas o governo ainda resiste a uma investigação policial. Na semana passada, tanto o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, como seu chefe, o ministro da Justiça, Tarso Genro, descartaram qualquer possibilidade de entrarem em ação neste caso. Tarso diz, inclusive, que para descobrir quem vazou o dossiê basta uma comissão de sindicância aberta pela Casa Civil, composta por três funcionários do próprio Palácio do Planalto, inclusive um da pasta onde trabalha Erenice Guerra, braço direito da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, apontada como mentora do dossiê. A sindicância é um processo administrativo do Estado para verificar o fato, observou o ministro da Justiça, na semana passada.
Em 2007, a Abin gastou R$ 15,2 milhões em material permanente, cerca de R$ 4 milhões em diárias, e quase R$ 1 milhão com serviços terceirizados de pessoas físicas e jurídicas, segundo informações da Controladoria-Geral da União (CGU). Incluindo locação de mão-de-obra, material de consumo, e despesas que restaram de anos anteriores, os valores chegam a R$ 209 milhões em 2007, cifras maiores que o próprio orçamento da agência, que gira em torno de R$ 50 milhões anuais.
Sigilo
Não é possível ter acesso a como e por quem esse dinheiro tem sido usado. São informações protegidas por questões de segurança nacional. Assim como os dados dos cartões corporativos utilizados pela Abin, que possui um quadro de 1.300 funcionários. Os valores dobraram de 2006 para 2007: foram de R$ 5,5 milhões para R$ 11 milhões. Este ano já foram gastos R$ 1,6 milhão com o cartão. O mesmo caso refere-se à Polícia Federal, que mantém suas contas em sigilo, pelas mesmas razões.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Cartões já aprovou um convite para ouvir o diretor-geral da agência, Paulo Lacerda, sobre as despesas sigilosas com o cartão. Não há ainda previsão de quando ele irá ao Congresso. Provavelmente, terá que explicar e convencer alguns parlamentares da necessidade dos investimentos milionários feitos pelo governo nos últimos anos em sua área de inteligência. É um gasto absurdo. O Brasil não está em guerra, nem ameaçado por nenhum movimento de agitação. Isso é grave, diz o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). Além de Lacerda, a CPI pretende ouvir o ministro-chefe do Gabinete Institucional, Jorge Armando Félix.
A lei
A Abin não tem função de investigação, a tarefa que cabe exclusivamente à Polícia Federal. Mas pode informar à polícia sobre indícios de crimes. No caso do dossiê, pode identificar dentro do centro do governo fatos ou pessoas que possam ter provocado os vazamentos e informar o Palácio do Planalto, que faz um pedido oficial. Essta providência pode partir também do procurador-geral da República. À agência de inteligência cabe assessorar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em questões que envolvam a segurança nacional e em torno de informações sigilosas. O mesmo procedimento é adotado em relação ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, responsável pela segurança de Lula e seus familiares, mas sem poder de polícia.
A Abin informou que a maior parte dos recursos investidos recentemente foram usados em sua grande maioria em 2007, ano dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. Coube à agência coordenar todos os trabalhos de inteligência envolvendo a competição, delegações de atletas e a segurança pública da cidade. A Abin também coordenou as ações dos orgãos federais, como a PF e Força Nacional de Segurança Pública, no setor de inteligência. Quase todo o efetivo da Abin e Polícia Federal foi transferido para o Rio de Janeiro, com pelo menos dois meses de antecedência, recebendo diárias duplas.
Inquéritos
Considerada uma das principais polícias da América Latina, a Polícia Federal teve aumento em seu orçamento desde 2004. Para este ano, os recursos devem ser pouco mais de R$ 3,4 bilhões, que foram valores do ano passado. Porém, a polícia foi pouco acionada no segundo mandato do presidente Lula, ao contrário dos quatro primeiros anos, quando instaurou pelo menos 16 inquéritos envolvendo funcionários de alto escalão do governo e do PT, partido do governo. Um deles, o ex-subsecretário de Assuntos Legislativos da Casa Civil Waldomiro Diniz, ligado ao ex-ministro da pasta José Dirceu.
A PF informou que ainda não foi acionada para entrar na investigação do dossiê. Caso isso venha a ocorrer, a apuração será direcionada para o vazamento de documentos sigilosos e não para a formação do documento com as informações sobre as despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a mulher dele, Ruth Cardoso. Nesste caso, não haveria crime, mas uma infração administrativa, cuja apuração fica a cargo da sindicância, que não tem poder de punição, mas apenas de sugerir penas, que podem variar de advertência até a perda do cargo se o servidor tiver função comissionada.