Falta de verba compromete investigações, diz presidente de associação da PF
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Miguel Sobral, diz que a falta de dinheiro na corporação impede a realização de, no mínimo, 2 mil operações. No ano passado, foram deflagradas cerca de 500 ações, embora a categoria reconheça só 300, ignorando-se pequenas atuações pontuais em inquéritos simples. “Se tivéssemos 1.000 delegados com equipe, ele (cada um) faz duas operações por ano”, disse ele, em entrevista ao Correio.
A corporação espera que o governo interino de Michel Temer (PMDB) reverta o que eles chamam de recuo nos avanços da Polícia Federal. Para Sobral, de 2004 a 2006, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) investiu pesado no órgão, mas isso foi caindo a partir do ano seguinte e se acentuou em 2010. Apesar disso, o entendimento da população continua de que tudo anda muito bem, inclusive graças ao sucesso de três grandes operações: Lava-Jato, Zelotes e Acrônimo. Sobral diz acreditar que o governo Temer, assim como recentemente reconheceu em relação ao Ministério Público, apoie lista tríplice dos delegados para comandar a PF e substituir Leandro Daiello após as Olimpíadas. A categoria vai fazer uma eleição em que se esperam cinco ou seis candidatos. Os três mais votados no dia 30 vão formar uma lista a ser entregue ao governo.
O que muda na PF com a chegada de Michel Temer?
Primeiro, a PF vem passando grandes dificuldades orçamentárias. De 2010 para cá, temos dificuldade de movimentar pessoal para fazer operações. Quando não temos recursos para diárias e passagens, a investigação demora. Temos 500 cargos de delegados vagos, de quem foi se aposentando, e 400 vão se aposentar nos próximos três anos. Devemos ficar com 1.300, mais ou menos. Dez anos atrás, tínhamos 2,2 mil. Temos hoje 1,7 mil. Como conseguimos fazer uma Lava-Jato, uma Zelotes? Nós priorizamos: paramos outras, que sequer começam em favor dessas. E mesmo essas caminham com dificuldade.
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Qual a expectativa com o novo governo?
Nossa expectativa é que a PF volta a fazer parte da agenda do governo e que ela volte a crescer. Isso significa desenvolver nossas atividades com mais apoio. Passamos a considerar operações ações ordinárias — uma busca e apreensão em um inquérito comum. Há um mascaramento dos dados. Nossa quantidade de operações caiu. A PF é menos ativa e menos eficiente do que no período de 2004 a 2006, por exemplo. A gente vinha crescendo. De repente, de 2009 a 2010, parou. Nossa expectativa é ter uma inversão nesse processo com o novo governo. Que volte a investir na polícia, que consigamos criar as delegacias de combate à corrupção, recompor nosso quadro de pessoal. É todo esse cenário de encolhimento que a gente pretende que seja invertido. E que tenhamos nossa autonomia para investigar sem interferências políticas. Temos certa autonomia, mas segmentos do poder entenderam como equivocado dar liberdade à PF. Por isso, defendemos a PEC 412. Ninguém vai falar: “Ah, eu garanto a autonomia da polícia”. Negativo: a PF trabalha por causa da Constituição e é uma instituição de Estado, e não de governo.
O que lhe dá otimismo que Temer vai conceder essa autonomia à PF?
A cobrança da população sobre novo governo e a consciência do novo governo de que ele não pode errar. Ele tem que construir sua credibilidade e sabe que a população não vai aceitar o encolhimento e a intervenção na PF. Diante dessa realidade, acreditamos que o governo Temer vai atender o anseio popular e conceder a nossa autonomia. Queremos que o governo Temer apoie a autonomia, inclusive dando apoio expresso e explícito à PEC 412. Queremos mandato de três anos com recondução para o diretor-geral com lista tríplice.
O ministro da Justiça, Alexandre Moraes, se mostrou refratário à lista tríplice da PF ao dizer que, “se cada órgão se transformar num novo poder, vamos ter uma estrutura anárquica”. Qual a expectativa?
Acho que vamos ter cinco ou seis candidatos. A expectativa é que a lista seja aceita. O diretor-geral já vem manifestando o seu desejo de sair, mais tardar até o fim das Olimpíadas. Na terça-feira, o ministro disse que entende que é boa opção para o Ministério Público. A gente acredita que, para a polícia, também valerá. Se é bom para o MP, com certeza é bom também para a PF.
Em 2007, a PF indiciou Vavá, o irmão do então presidente Lula. Esse é o motivo das mudanças na PF?
A PF vinha numa crescente. Em 2001, 2002, 2003, passamos a atuar internamente, por processo de limpeza interna, para corrigir erros do passado. Várias operações tinham como alvo policiais, delegados, peritos e agentes. Depois, passamos o crime organizado e desvios de verbas federais em prefeituras e governos estaduais. Depois, em outras esferas: Legislativo e Judiciário. Isso foi numa crescente. E até que, num momento, passou às altas autoridades da República detentoras de poder. Evidentemente que essa atuação da Polícia Federal causa um transtorno sob a ótica do investigado, condenado. Uma instituição que tem essa potencialidade tende a ter uma reação adversa. Isso é natural. Por isso, defendemos a blindagem.
Quantas investigações deixaram de ser feitas por falta de dinheiro?
Temos 180 mil inquéritos. Quantos poderiam se transformar em grandes operações se o delegado tivesse uma equipe? Na grande parte da polícia, o delegado trabalha sozinho, às vezes, com um escrivão. Só quando a investigação cresce ou acontece algo, ele recebe a equipe. Imaginemos que cada delegado tivesse equipe e pudesse levar adiante sem depender de ninguém.
Se no ano passado foram 500 operações…
Dessas, a gente reconhece só 300. Se a gente tivesse recursos, no mínimo 2 mil grandes operações. Se tivéssemos 1.000 delegados com equipe, ele (cada um) faz duas operações por ano. Você tem uma Lava-Jato que dura dois anos, mas tem outras que duram três meses. Na média, duas por ano.
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