Férias de juízes

14 de agosto de 2007 09:06

Refiro que a matéria volta à discussão, pois lembro que o ministro Marco Aurélio Mello enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal defendeu essa proposta que, ao que parece, foi devidamente sepultada por seus colegas de magistratura.

Devo, por dever de consciência e de justiça, atestar que o Poder Judiciário e o Ministério Público em nosso país têm, apesar de todas as deficiências históricas existentes (estrutura, falta de material humano, legislação processual arcaica etc), na maioria dos casos, procurado cumprir seu papel, atuando com independência, como a sociedade espera e precisa.

Não posso, contudo, sem ferir essa mesma consciência, deixar que uma questão que foge do razoável não seja debatida em nome de um pretenso pacto de silêncio existente entre alguns operadores do Direito. A morosidade da Justiça, seja federal, seja estadual, é um fato que incomoda a todos que tem compromisso com interesses maiores.

Repugna o bom senso e a razoabilidade mediana de todos aqueles que vivem em sociedade, o fato de aos juízes e membros do Ministério Público serem concedidas férias de 60 (sessenta) dias ao ano, às quais, nas Justiças Federais, se acresce mais 18 dias de recesso, totalizando, portanto, 78 dias de folgas remuneradas, sem contar com feriados civis, religiosos e regimentais, quando a massa dos trabalhadores brasileiros só tem 30 (trinta) dias de férias.

Não tenho dúvida de quão importante e extenuante é o trabalho desenvolvido por um juiz  ou integrante do MP , mas não vislumbro justificativa plausível para, em nome dessa especificidade, estabelecer esse tratamento diferenciado e desproporcional em comparação aos demais trabalhadores.

Não duvido que a maioria dos juízes trabalhe muito, mas ninguém os obrigou a tanto e muito menos se questionam os valores que recebem, que, com justiça, estão muito acima do recebido pelos trabalhadores nacionais, que também trabalham muito e ganham muito pouco.

Longe de ser uma tentativa de reduzir direitos dos juízes, a proposta objetiva compatibilizar a realidade do Judiciário com os anseios da sociedade, cada vez mais consciente de seus direitos, dentre os quais o de que a Justiça existe para funcionar  e de forma célere  em favor da coletividade. E esse deve ser o enfoque a ser dado: o interesse da sociedade em uma Justiça mais ágil.

A demora na solução dos litígios é fato incontestável, que, independentemente das causas (falta de estrutura; número deficitário de juizes, promotores e servidores; legislação processual obsoleta, excessiva burocracia, etc), gera grande descrédito no Poder Judiciário, sendo necessário trabalhar para, em conjunto, afastar todos os aspectos que contribuem para isso.

Dentre eles está, sem dúvida, o prazo de férias, que, na verdade, é bem mais do que 60 dias ao ano nas Justiças Federais (Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar), seja em função do recesso de final de ano, seja pelo fato de os juízes e promotores ainda terem direito a outras licenças que os desobrigam de trabalhar.

Sem palanques, mas com o compromisso de que não devemos esconder dos contribuintes nenhuma situação, a última palavra deverá ser da sociedade, com o dinheiro da qual são remunerados os 30 ou mais dias de folgas remuneradas. Se estiver satisfeita com essa situação nada mais poderá ser feito. Caso não, reduzam-se as férias. Essa é a única voz que importa, a dos verdadeiros donos.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2007

Sobre o autor
Ophir Cavalcante Junior: é advogado, diretor tesoureiro do Conselho Federal da OAB e ex-presidente da OAB-PA.