Fraudes em municípios gaúchos motivam 122 inquéritos na Polícia Federal

14 de janeiro de 2013 14:32

A Polícia Federal tem em andamento no Rio Grande do Sul mais de uma centena de inquéritos envolvendo possíveis fraudes em prefeituras. No país, são 3 mil investigações federais desse tipo, sendo que 122 são em cidades gaúchas para apurar suspeitas de crimes praticados por prefeitos.
 

As apurações têm por base o decreto que prevê os crimes de responsabilidade dos chefes do Executivo municipal e a Lei de Licitações. Em relação a uma única prefeitura, por exemplo, a PF tem oito investigações diferentes.
 
"Muitas vezes, os problemas nas prefeituras ocorrem por causa dos CCs (funcionários com cargos em comissão), que estão lá sem um compromisso com o futuro, em longo prazo, pois serão trocados quando mudar o governo", analisa o perito criminal federal Carlos Villela.
 
Apesar de numerosos, os inquéritos envolvendo as administrações municipais não são os de maior valor. Só em obras de infraestrutura — que são as com mais brechas para fraudes —, a Unidade de Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UDRP) de Porto Alegre investiga contratos que somam R$ 3 bilhões. As suspeitas são normalmente de irregularidade em alguma etapa da licitação.
 
No rol de obras sob suspeita estão a Rodovia do Parque (BR-448) e a da duplicação da BR-116. O tamanho desse tipo de obra é diretamente proporcional à demora na investigação. No caso da Rodovia do Parque, que por suspeita de superfaturamento teve indicação de paralisação pelo Tribunal de Contas da União, só a perícia de engenharia pode levar dois anos. No Rio Grande do Sul, a PF tem apenas dois peritos em engenharia civil.
 
Não é diferente com a estrutura da UDRP: são cinco policiais para fazer frente a inquéritos de complexidade considerada alta. Mas a superintendência regional está buscando recursos para reestruturar a unidade.
 
O trabalho com foco em corrupção dificilmente tem à disposição da polícia o que se chama de materialidade, como na apreensão de drogas. A investigação precisa conectar dados que vão embasar evidências de que crimes foram cometidos e recursos, desviados. O quebra-cabeças envolve ainda conhecimento técnico das áreas investigadas, como saúde, saneamento básico, educação e programas federais que distribuem verbas para órgãos municipais e estaduais.
 
"Esse tipo de investigação é muito difícil. Primeiro, porque não existe uma vítima que vai procurar a polícia. E também porque são crimes praticados por pessoas que se especializam nisso, que têm planejamento visando a não ser pego", diz o juiz federal Daniel Marchionatti Barbosa.
 
Serviço monitora aplicação de verbas
 
Na tentativa de especializar e qualificar as investigações que rastreiam fraudes com verbas federais, foi criado há um ano o Serviço de Repressão a Desvios de Recursos Públicos, que distribuiu 17 unidades — uma delas em Porto Alegre — no país.
 
Com a iniciativa, intensificou-se um novo método de investigar. Quando um gestor — como um prefeito — está sob suspeita de desvio de dinheiro, em paralelo é feita a apuração de como ele aplicou o recurso supostamente desviado. E, imediatamente, é solicitado à Justiça o bloqueio de bens.
 
A nova sistemática dá prioridade para a recuperação do patrimônio desviado. Antes disso, as apurações ocorriam de forma isolada. Só depois de investigado o crime de corrupção ou de peculato, por exemplo, é que se passava a verificar a lavagem de dinheiro, ou seja, a forma como o recurso ilícito havia sido usado pelos suspeitos.
 
A aplicação ocorre, normalmente, na compra de bens em nome de "laranjas" e no envio de valores para fora do país. Quanto mais tarde começa o trabalho para recuperar os valores, mais diminuem as chances de retorno do dinheiro.
 
"Entendemos que é mais eficiente e oportuno fazer as duas apurações paralelamente, trabalhar desde o começo já enfrentando os frutos da corrupção para, a um só tempo, privar o criminoso do que lhe motivou e proporcionar o ressarcimento do erário, quando for o caso. Até porque, condenações à pena privativa de liberdade são raras nesse tipo de crime. Recuperar o dinheiro se torna mais eficaz", explica o delegado Thiago Machado Delabary, da Unidade de Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UDRP) da PF em Porto Alegre.

Para o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, "as UDRPs precisam ser estruturadas de forma adequada na PF. Elas foram criadas pelo governo sem as condições necessárias. O orçamento do MJ para a PF precisa focar o desvio de recursos públicos. Fronteiras e grandes eventos são importantes, mas o enfrentamento qualificado à corrupção, lavagem de dinheiro e crimes financeiros não pode ficar em segundo plano".