Furto de notas

10 de agosto de 2007 12:03

Nem o armário trancado – que fica numa sala também fechada, da qual apenas uma diretora e o chefe dos seguranças têm as chaves – nem as câmeras nos corredores impediram, no fim de semana, o furto de cerca de 900 peças do setor de moedas antigas do Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, na zona sul de São Paulo. A diretoria deu conta do sumiço na manhã de segunda-feira. A principal hipótese é de furto por encomenda, com colaboração de funcionários.

Foram furtadas cédulas e moedas da Coleção Histórica de Dinheiro Nacional e praticamente toda a coleção de Vales Particulares e a de notgeld (dinheiro alemão e austríaco emitido em períodos de guerra). Ambas as coleções apareceram no Anais do Museu Paulista, publicação acadêmica de 2002.Por orientação da polícia, a vice-diretora do museu, Heloísa Barbuy, decidiu revelar o furto somente ontem. O 17º Distrito Policial (Ipiranga) abriu inquérito segunda-feira. Interpol e Polícia Federal também foram acionadas.

O furto foi descoberto por um faxineiro, cujo nome não foi revelado. Na segunda-feira de manhã, ele foi limpar o vestiário masculino, no subsolo do prédio, e encontrou um saco de lixo fechado sem estar cheio. Ao abri-lo, achou embalagens de acetato de guardar dinheiro antigo. Em algumas, havia cédula. No local, foram encontrados envelopes pardos. O setor de numismática, com mais de 20 mil itens, fica no primeiro andar do prédio. Isso leva a crer que o criminoso tenha guardado tudo em envelopes, ido até o vestiário e, lá, retirado as peças das embalagens.
Não há sinais de arrombamento no museu. A diretora do setor de moedas, Angela Ribeiro, disse à polícia que os objetos furtados foram vistos pela última vez na sexta-feira. O chefe dos seguranças, Ataíde Batista, disse que ninguém pediu as chaves no fim de semana.

No inquérito, há cópias da escala dos seguranças e um diário de ocorrências. Na segunda-feira, há justamente uma anotação de que a chave do setor de numismática não estava no lugar. A maior dificuldade é o fato de as câmeras gravarem imagens apenas da parte de circulação pública , afirmou o delegado Márcio Tosatti. A diretoria afirma que o museu tem sistema de segurança considerado bom para o padrão brasileiro.

Para especialista, algumas cédulas podem valer R$ 10 mil. Apesar disso, muitas notas levadas eram feitas aos montes na Alemanha na época da hiperinflação;
museu não tem cálculo de prejuízo Ex-diretor do Museu de Numismática do Itaú Cultural e um dos diretores da Sociedade Numismática Brasileira, Alfredo Osvaldo Gallas, de 67 anos, diz que o museu tem de informar, item por item, o que desapareceu, mas reconhece que pode haver notas valiosas entre o material furtado. Soube que haveria notas antigas, da virada do século passado. Aí, talvez, possa ter alguma, que, sozinha, atinja uns R$ 10 mil em leilão.

Gallas afirma, porém, que a coleção de vales e de notgeld levada do museu não é valiosa. Os notgeld eram feitos aos montes na Alemanha, por causa da inflação. Só um colecionador muito específico se interessaria , diz o numismata, segundo o qual não há nada de muito valor nesse setor no Ipiranga. Para o especialista, o furto cheira a encomenda . Não existe um comércio regular do que foi levado de
lá. Talvez na Europa tenha. A vice-diretora do museu, Eloísa Barbuy, afirma o contrário. Segundo ela, mesmo os vales têm valor, mas isso não é fácil de ser quantificado. Queremos saber exatamente a extensão do prejuízo desse
furto, mas ainda não concluímos os levantamentos.

Notgeld significa dinheiro de emergência em alemão. São cédulas impressas por cidades austríacas e alemãs no período de guerra – no caso das peças furtadas, da Primeira – quando a Casa da Moeda não funciona regularmente. Entre os roubados havia notgeld de Nussendorf e de Oberndorf, na Áustria.Já os vales eram espécies de notas fornecidas pelos comerciantes, no início do século passado, quando eles não tinham troco. Acabavam funcionando como dinheiro. Uma das peças roubadas diz que aquele vale, expedido por Luis Huf, em Santa Maria do Mundo Novo, em Pernambuco, valia 200 Réis .

Essas peças datam dos anos 20 e foram coletadas pelo próprio museu na década de 40. Toda a coleção foi formada como todas as outras, ao longo do tempo , diz Eloísa Barbuy.

REFORMA
Aumentar a segurança é o objetivo de um projeto de reforma e ampliação do museu, que vem sendo desenvolvido pela diretoria da instituição. Caso sejam executadas, as obras fariam com que o atual espaço triplicasse, dos atuais 6,3 mil metros quadrados para 18 mil m², dobrando o espaço para exposições. Elaborado por Eduardo Colonelli e Silvio Oksman, do Escritório Paulistano de Arquitetura, o projeto prevê nova edificação onde hoje fica a unidade do Corpo de Bombeiros e acesso subterrâneo ao museu, cortando parte do bosque atrás do prédio histórico. A reforma foi orçada em R$ 50 milhões, dinheiro que será captado com a iniciativa privada, por meio de leis de incentivo fiscal.

O projeto estabelece a construção de novos caminhos de circulação pelo bosque e de um espelho dágua que serviria de clarabóia para o subterrâneo. O acesso pelo subsolo levaria ao novo prédio, criando uma segunda entrada na Avenida Nazaré. Nessa edificação ficaria a administração da instituição, que hoje divide espaço com exposições.

A falta de espaço de exposição levou a direção do museu a deixar guardadas coleções inteiras, como a de objetos de Santos Dumont, que já teve espaço permanente no Ipiranga.