Gás de pimenta na multidão
Logo depois veio o aviso: ninguém mais entraria por motivos de segurança. O estacionamento, exclusivo para sócios do Jockey e com capacidade para 1,8 mil carros, estava lotado.
Mesmo assim a multidão não arredou o pé da porta do Jockey. Quero comprar nem que seja uma calcinha da Victorias Secret, gritava a enfermeira Vitória Teixeira, de 42 anos. Tirei meu dia de folga para vir aqui. Primeiro, dizem que vão distribuir senhas, mas espirram gás pimenta na gente e fecham as portas. Não vou embora sem comprar alguma coisa.
Teve gente que veio de muito longe. O office-boy Nelson Jesus Gomes, de 22 anos, saiu de Sorocaba de madrugada. Às 7h30, chegou ao Jockey Club. Gastou R$ 25 de condução. No final da tarde, ainda estava na porta de mãos vazias. A representante de vendas Célia Rodrigues lotou seu carro com amigos e vizinhos para ir até lá. Ela mora no Capão Redondo, periferia da zona sul. Vi na TV que teria bolsas e sapatos de marcas. Queria comprar para revender, mas não consegui entrar.
A atriz Simone Guerra, de 33 anos, ficou irritada por gastar R$ 10 de estacionamento, pegar fila e não levar nada para casa. Soube que haveria bolsas da Louis Vuitton de R$ 1,2 mil por R$ 300. No final da tarde, por volta das 16 horas, um grupo de cinco estudantes de uma faculdade de Veterinária de São Bernardo chegou ao bazar, mesmo sabendo que as portas estavam fechadas. Vamos ficar aqui até as 20 horas. Pode ser que, no final, a organização mude de idéia. Quem sabe a gente entra e consegue comprar, nem que sejam as sobras, disse Beatriz Vieira Bravo, de 21 anos.
Roupas de grife
Do lado de dentro, foram colocados à venda mais de 3 mil objetos a preços até bem populares. Havia cueca (usada) a partir de R$ 1, e sapato masculino Gucci, por R$ 60, entre outros artigos de grife, como bolsas, perfumes e relógios. Esses estandes eram os mais disputados pelo público. Mas, no bazar, havia até móvel de R$ 5 mil sendo vendido.
Quem conseguiu entrar no bazar saiu com a sacola cheia e muito satisfeito. Bichinhos de pelúcia de R$ 5 fizeram a felicidade das crianças que acompanharam as mães. Os itens da gatinha japonesa Hello Kitty também foram bem disputados entre a meninada.
O microempresário Gilmar Andrade, de 35 anos, saiu do bazar usando tênis, boina e jaqueta de Abadía. Assim que surgiu na porta, a multidão que ficou do lado de fora imediatamente reconheceu o estilo e gritou: Olha lá o Abadía.Nos ombros, Andrade levava um sacolão branco, cheio de artigos do traficante como se fosse um troféu. Agora tudo que era do Abadía é meu, disse ele, orgulhoso, mostrando uma jaqueta de couro da Guess, um sapato da Gucci, bichos de pelúcia e vários frascos de perfume importado.
Ídolo
Não foram apenas as boas oportunidades que levaram a população ao Jockey. O traficante, preso em São Paulo em agosto passado, acusado de matar 15 pessoas nos Estados Unidos e 300 na Colômbia, que fez 78 cirurgias plásticas para não ser reconhecido pela polícia, exerce um certo fascínio sobre o imaginário popular. Para alguns, ele é um herói. O governo não faz nada pelos pobres. Mas os traficantes costumam ajudar os moradores da favela. Quem mora na favela da Rocinha não passa fome. O Abadía também era legal, opinou William Martinelli, de 23 anos, estudante de Educação Física, que foi acompanhar o primo e a avó. Minha avó conseguiu entrar porque tem idade avançada, mas eu fiquei do lado de fora.
O bazar ganhou ares de evento. Houve quem tentasse pular o muro, enganar o porteiro e até mesmo passar disfarçado entre funcionários que faziam entrega na porta de serviço. Foram vendidos 90% das mercadorias expostas. E não há muito mais artigos para serem repostos. Hoje, não deve haver bazar.
Mas o leilão está confirmado para as 20h30, no Tattersal, uma espécie de arena coberta, que fica próxima ao estacionamento dos sócios do Jockey. No local, onde acontecem os leilões de cavalos, serão vendidos os bens mais caros de Abadía, entre eles um Ford Rural Willys, um Jeep Willys Overland, uma geladeira importada e vários relógios – Rolex, Chanel, Piaget, Bulgari e um Franck Muller, avaliado em US$ 190 mil.