Governo quer saber do povo o que é ética

12 de novembro de 2007 14:34

O governo federal vai fazer uma pesquisa nacional para saber o que a população brasileira acha que é ética. O Congresso Nacional aprovou, na última quinta-feira (8), a dotação orçamentária suplementar de R$ 153 mil para bancar o trabalho, que deve começar no início do ano que vem, pelas previsões da Presidência da República, autora do projeto de lei para financiar o estudo.

Segundo a secretária-executiva substituta da Comissão de Ética Pública da Presidência, Maria Júlia Castro, a intenção é ouvir a população. Saber a opinião da sociedade, como está enxergando essa questão. Isso vai servir de indicador para trabalhos futuros, diz.

Ela afirma que a o governo ainda vai fazer o projeto básico da pesquisa para fazer licitação do instituto de pesquisa. Em linhas gerais, o estudo vai abordar qual a confiança da população na conduta ética dos agentes públicos, qual a causa de eventuais desconfianças nesses padrões éticos e quais os princípios, valores e regras de conduta aceitos pela sociedade.

O trabalho será quantitativo e aplicado nas maiores regiões metropolitanas do país, segundo Júlia Castro. A amostra e outros detalhes serão definidos em conjunto com a empresa vencedora da licitação. Isso vai ajudar o governo a fazer um trabalho melhor, conta a secretária-executiva substituta.

Ela nega que o Palácio do Planalto vá usar os resultados para melhorar a popularidade do governo e do presidente Lula. Não vamos entrar nessa área. É um trabalho institucional que fazemos no decorrer desses sete anos, explica Júlia Castro, que trabalha na Comissão de Ética desde 2000, ainda no governo Fernando Henrique.

Mas, para o cientista político David Fleischer, o Planalto deve tirar uma casquinha do estudo. Com certeza, mas se os resultados forem favoráveis. Se forem negativos, nem sei se a imprensa vai ficar sabendo, comenta o professor da Universidade de Brasília (UnB).

Surpresa

Crítico da Comissão de Ética Pública, classificada por ele como um órgão inútil por não ter poder de punir os servidores públicos, Fleischer diz que a pesquisa é a melhor coisa que poderia ser feita desde a criação do colegiado, em 1999. O cientista político acredita que o governo vai ter uma surpresa ao ouvir a voz do povo.

Eu acho que eles vão ficar surpresos, porque o conceito de ética da população é muito diferente do conceito dessa comissão e do nosso. Deve ser muito diferente, mas não digo que seja um conceito mais ou menos rigoroso, avalia Fleischer. O professor da UnB acredita que o estudo só começará depois do carnaval. Quando o ânimo do brasileiro está mais favorável, avalia.

Mais poder

Fleischer diz que o correto seria usar os resultados da pesquisa para obrigar os agentes públicos a cumprirem o código de ética da própria comissão, sob pena de perderem o cargo. Para isso, afirma, seria necessária uma lei para dar mais poder ao órgão. O cientista político acredita que a Comissão de Ética sequer analisa as declarações de patrimônio entregues pelos servidores quando assumem seus cargos. Se a Polícia Federal e o Ministério Público conseguem descobrir essas maracutaias, isso mostra que a comissão não tem utilidade, dispara.

O professor cita como emblemático o caso do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que foi advertido pela comissão por ocupar um cargo público ao mesmo tempo em que é presidente do PDT. Ele fingiu que nem ouviu falar. A comissão foi criada para tentar botar ordem no galinheiro, lembra o professor.

As primeiras discussões sobre a criação de Comissão de Ética começaram em 1997. Mas o órgão só saiu do papel em 1999. No início deste ano, o Decreto 6.29 criou o Sistema de Gestão da Ética no Poder Executivo. De acordo com Júlia Castro, a realização da pesquisa nacional sobre ética faz parte dessa nova política, que prevê a integração das comissões de ética da Presidência da República e dos demais órgãos do governo federal.

Concorrência

Para Fleischer, a pesquisa será importante e ainda vai despertar a atenção dos outros institutos que costumam fazer sondagens políticas. A concorrência deve incrementar em seus questionários as perguntas sobre ética e corrupção. Nas últimas pesquisas da Sensus, encomendadas pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), por exemplo, foi avaliada a percepção das pessoas sobre as relações entre Lula e seu irmão investigado pela Polícia Federal num esquema de bingos.

As últimas sondagens do Ibope, encomendadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostraram a atenção da população para notícias sobre o governo Lula. Revelaram, por exemplo, que a sociedade vincula ao Palácio do Planalto até as crises do Legislativo, como os processos contra o presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Fonte: Congresso em Foco