José Mariano Beltrame: A milícia hoje me preocupa mais que o tráfico

17 de outubro de 2011 10:24

O secretário de Segurança do Rio, o gaúcho José Mariano Beltrame, tem alguns vícios. O chimarrão, as corridas e a investigação. Não necessariamente nessa ordem. Seus maiores amores hoje, além do Rio e do clube Internacional, são a segunda mulher, Rita Paes, e o filhinho de um ano e meio, Francisco, o Chicão, que já cantarola “Garota de Ipanema”. Tem dois filhos do primeiro casamento, Mariana e Maurício, e lamenta não ter mais tempo para desempenhar a função de pai .

Usa uma escolta de nove seguranças em eventos públicos. E uns quatro guarda-costas em programas particulares. Diz que não tem medo de morrer: “Porque nunca sacaneei ninguém”. Beltrame – conhecido por todos no trabalho e na intimidade pelo nome do meio, Mariano – é muito religioso: “católico apostólico romano praticante”. A fé vem da família, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o Uruguai. Ele e a mulher não perdem uma missa dominical e foram recentemente ao santuário de Nossa Senhora da Aparecida. Diz que a única coisa que tira seu sono é “o medo de não corresponder às expectativas dos jovens de comunidades carentes”, que ganharam nova esperança com as Unidades de Polícia Pacificadora – as UPPs – em favelas antes dominadas por traficantes e milicianos.

Está quase no meio do percurso de seu cronograma: 17 complexos de favelas têm UPPs e, até 2014, ele pretende elevar esse número para 40. Nesta entrevista a Ruth de Aquino, de Época, feita ao longo de alguns meses para o perfil publicado na revista que está nas bancas, Beltrame fala de seus desafios: a formação de uma nova polícia, o combate ao tráfico e à milícia, a urbanização de favelas e o seu sonho de um dia ver o Rio não mais como uma cidade partida entre o morro e o asfalto.
 

ÉPOCA – Qual o seu maior desafio atual como secretário de Segurança? Traficantes ou milicianos?
Beltrame –
Os dois são complicados. No momento, a milícia me preocupa mais, mas eu diria que estamos estruturados para combater. Quase toda semana temos miliciano preso. Tem muito a fazer para a frente. A ocupação do território a gente não escolhe com esse critério, não vê se é traficante ou milícia. Dentro da meta das 40 UPPs até 2014, se tiver milícia, tráfico, facção A, B, C, isso não importa para nós. A gente faz um levantamento para estudar o terreno antes para entender melhor qual a liderança, porque é incrível, no Batam você tem um comportamento, gente de mais idade, no Dona Marta é outro, na Providência você tem muita gente ligada ao porto.

ÉPOCA- Ainda há centenas de favelas dominadas por milicianos. Eles continuam dominando as vans, o gatonet, a distribuição de gás, e entrando na política.
Beltrame-
Quando fazemos um trabalho em território de milícia e tráfico, os serviços públicos precisam tomar conta daquilo ali. Porque você não pode em lugar nenhum do mundo botar um policial para cuidar do lixo, da iluminação, dos cabos telefônicos. Sei que é difícil. Porque são 30, 40 anos com uma dominação. Em dois anos de UPP, eu até rimo, tu quer o quê? Então isso realmente existe. É preciso oferecer à população a possibilidade de coletar lixo, oferecer a NET por um preço popular. Fazer com que cada casa tenha seu reloginho de luz. Então eu acho que vai muito também do Estado e da iniciativa privada oferecer isso à população, porque isso antes ou não tinha ou era muito mal feito.

ÉPOCA- Entre especialistas de direitos humanos, existe a sensação de que o senhor, um “caveira”, acabou adotando o discurso da esquerda e apostando na polícia de proximidade e cidadania. O que acha dessa análise?
Beltrame-
Caveira? Não, não. Tudo que eu fiz aqui foi sem agrotóxico (rindo). Tudo que foi semeado aqui tu tá aqui pra ver (estávamos no Borel, na Tijuca, onde existe uma UPP instalada). E o que tu viu também não é uma maravilha. Temos problemas. O fato de entrar e poder caminhar, ir a um caixa eletrônico, tudo isso é ótimo. Mas não quer dizer que os problemas tenham sumido. Algum excesso aqui e ali continuará ocorrendo. Mas o processo tem uma tendência boa de se acomodar.
 

ÉPOCA- O senhor acha que mudou e amadureceu? De técnico, seu discurso ficou mais político?
Beltrame-
Eu diria que é o discurso de minha sensibilidade. Eu acho que sempre fui muito pé no chão. Não abraço todas as coisas ao mesmo tempo. Quem disser que vai melhorar tudo isso a curto prazo tem que se cuidar porque vai estar mentindo. Existe um plano, é esse, e graças a Deus fica claro que o plano é possível, mas também tem defeitos e dificuldades devido a sua dimensão. Olha, sou absolutamente empolgado com tudo isso.

ÉPOCA– Como reagiu à demonstração de carinho das debutantes da Providência, que pegaram o senhor para dançar na festa de 15 anos em agosto, no Museu Histórico Nacional?
Beltrame –
Sou tímido de ficar vermelho (fica imediatamente roxo do pescoço para cima). Eu acho bacana. Claro que a gente fica feliz, mas procuro agarrar isso com tanta força para não decepcionar essas pessoas. Porque isso é muito bom. Mas imaginar que uma moça dessas pode um dia se desiludir contigo, então isso é muito caro. Aumenta muito a tua responsabilidade. Te joga para cima mas tem um peso.
 

ÉPOCA – Por que o senhor é endeusado pelos cariocas?
Beltrame-
Ah, eu não sou endeusado não (rindo). Eu não prometo nada. Sei de minhas limitações e jogo muito claro. Não adianta eu dizer que vou colocar um policial em cada esquina e que vou acabar com essas coisas amanhã. Eu tenho que passar para as pessoas que a gente tem horizonte. E que esse plano começa a ser executado e a surtir efeito.

ÉPOCA – Como nasceu a ideia da UPP? 
Beltrame-
A UPP nasceu numa discussão na mesa de almoço da Secretaria com a minha equipe. Aquela mesa para mim é a alma da secretaria. E agora? A gente está focando em tecnologia, treinamento e capacitação, para reduzir corrupção e desvios de conduta. Nesses eixos vou trabalhar mais agora. O que passou, de UPP, está na agulha. Conseguimos diminuir o índice de homicídios, mas ainda está muito alto. Não tem jogo ganho. Temos algumas vitórias. Uma delas foi fazer a sociedade carioca voltar a acreditar.

ÉPOCA- Como o senhor vê a UPP? 
Beltrame-
A gente vê menos como um projeto e mais como uma prática. Porque está em aberto. Precisamos o tempo todo de supervisão e feedback. Olhar para trás para caminhar para a frente. Para não minimizar os problemas.

ÉPOCA – O custo da pacificação é alto. Os sete empresários que se reuniram com o governador no Palácio Laranjeiras no ano passado realmente criaram um fundo para suprir as deficiências nas comunidades pacificadas? 
Beltrame-
Só o Eike (Batista). Eu diria que é ele quem está financiando. Continua dando R$ 20 milhões por ano e prometeu fazer isso até 2014. Aquelas caminhonetes bonitas que tu viu lá no Borel ele financiou. As motos para coleta de lixo em lugares mais inacessíveis, ele também comprou. O Eike é um grande parceiro, mas tem critérios rígidos também. Ele reúne os conselhos de sua empresa e as pessoas querem saber o destino do dinheiro. A Petrobras prometeu fazer as três sedes administrativas no morro São Carlos. O Metrô me ajuda com campos de futebol. Bota tela em cima, grama sintética. Mas eu me retirei um pouco disso porque não é minha atribuição. O Ricardo Henriques, do Instituto Pereira Passos, cuida mais da parte social. As maiores reclamações hoje das comunidades com UPPs são de obras, esgoto, escola e posto de saúde.
 

ÉPOCA- Cobrar mais rapidez da UPP social provocou um certo ruído entre o senhor, a prefeitura e o governo do Estado.
Beltrame-
Olha, eu nem gosto dessa expressão: UPP social. Porque UPP é uma coisa, e os investimentos sociais são outra coisa. Eu sou muito sincero, muito pragmático. Meu período aqui um dia termina. Tenho certeza de que vou passar e não estarei mais aqui. Ou seja, a gente tem que entrar mais profundamente nas coisas, senão não adianta ser secretário, não adianta ser presidente, não adianta ser chefe de uma empresa. A gente tem que ir exatamente no polêmico, nessas ações. Também todo mundo tem que entender que não é esse rapaz aqui, o policial da UPP, que vai segurar o pessoal com fome, sem emprego. Tem que ter gente junto com ele, outras soluções. A ocupação não é só física, mas dos espaços, dos serviços. Eu acho que no momento em que as pessoas percebem que têm perspectiva, a possibilidade de o crime entrar é muito menor. 

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