Lava Jato chega ao Supremo envolta em desconfianças
Desde o fim da primeira leva de depoimentos do delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, cinco meses se passaram até chegarem ao Supremo Tribunal Federal (STF) os pedidos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para investigar políticos enrolados no petrolão. O tempo de Janot levanta desconfianças sobre o êxito da apuração no tribunal, principalmente em relação à coleta de provas. O chefe do Ministério Público Federal é alvo de críticas, acusado de ter submetido a apuração ao calendário eleitoral e contribuir para elevar a tensão política em Brasília. Ele propôs ao Supremo abrir 28 inquéritos contra 54 pessoas, a maioria políticos. Quem são exatamente os investigados, não se sabe oficialmente.
A Operação Lava Jato foi deflagrada há um ano, em 17 de março de 2014, quando o alvo era uma quadrilha especializada em lavar dinheiro de origem ilícita e remessa ao exterior. A papelada recolhida na ação policial revelou a existência de algo bem maior, que envolvia diretores da Petrobras e executivos das principais empreiteiras do país. Não tardou para surgir pistas sobre a participação dos políticos. As suspeitas foram reforçadas quando Costa decidiu contar o que sabe em troca de algum benefício judicial.
No mês de agosto, o procurador da República Deltan Dallagnol, integrante da força-tarefa que investiga em Curitiba a corrupção na Petrobras, viajou algumas vezes até Brasília para reuniões na Procuradoria-Geral da República. Uma das autoridades mais dedicadas ao tema desde o início dos trabalhos, Dallagnol relatou à cúpula do MP o que Costa teria a entregar: uma lista de parlamentares, governadores e partidos políticos beneficiados com propina. As suspeitas atingiriam até mesmo as contas de campanha da presidente Dilma Rousseff.
Costa cumpriu o que prometera. As declarações do ex-diretor da Petrobras chegaram a Brasília no final de setembro, véspera do primeiro turno das eleições. O que fez Janot? Começou a trabalhar nos pedidos de inquérito para investigar os políticos. Mas recuou. Outra delação havia sido acordada no Paraná: a do doleiro Alberto Youssef.
Era preciso, na avaliação de Janot, esperar Youssef abrir o bico. O doleiro falou o que tinha que falar, comprometeu políticos assim como fizera Costa. Veio o segundo turno das eleições, a diplomação dos eleitos em dezembro, o recesso do Judiciário, o retorno do Judiciário ao trabalho, as eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o carnaval, e a lista do petrolão, enfim, chegou ao Supremo com as águas de março.
“Há uma percepção entre os delegados da Polícia Federal de que a agenda política interferiu no andamento das investigações da Lava Jato”, afirmou o delegado Marcos Leôncio, presidente da Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal (ADPF). “Inquéritos são abertos para que se inicie uma investigação. Se há indícios, abrem-se inquéritos. Mas, por questões estratégicas, o procurador-geral decidiu juntar mais informações.”
Os investigadores em Curitiba não conseguiram entender o fato de o ex-deputado André Vargas (PT-PR), flagrado em relações suspeitas com o doleiro Alberto Youssef na primeira fase da operação, não ter sido alvo de inquérito no Supremo. Essa situação, apurou o Fato Online, incomodou o juiz Sérgio Moro. Agora, sem mandato, Vargas será investigado por Moro.
O ministro Marco Aurélio Mello avalia que o Supremo está a reboque da primeira instância. “Em breve, aqueles que não detêm o foro privilegiado já estarão sendo julgados na primeira instância enquanto aqui ainda estamos na fase embrionária, que é a fase do inquérito”, afirmou Mello. “Tanto quanto possível, deve ser observado o tratamento igualitário.”
São inevitáveis as comparações do petrolão com o mensalão: parlamentares da base do governo envolvidos, propina, dinheiro remetido ao exterior. Naquele caso, houve um importante aspecto para o sucesso da ação penal no STF. Enquanto o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) apontava, no Congresso Nacional, o envolvimento de políticos, a PF havia encontrado o ex-tesoureiro do Banco Rural em Brasília José Francisco de Almeida Rego.
O ex-funcionário do Rural contou que o mensalão era pago a partir de autorizações que chegavam, por fax ou e-mail, da sede do banco em Belo Horizonte, onde eram administradas as contas do operador Marcos Valério. Na semana seguinte, com autorização judicial, policiais federais estavam nas dependências do Rural na capital mineira para lacrar os papeis e, assim, garantir as provas contra os mensaleiros que ajudaram a colocar atrás das grades políticos poderosos, como o ex-ministro José Dirceu. Dias depois, por determinação do ex-ministro Nelson Jobim, então presidente do Supremo, todo o material estava nas mãos do então procurador-geral da República Antonio Fernando.
Serenidade
Numa reunião com Janot sobre o petrolão, os procuradores da força-tarefa no Paraná manifestaram preocupação quando parte da Operação Lava Jato “subiu” para Brasília. Temiam a descontinuidade das investigações. Janot ouviu a preocupação dos colegas e garantiu que não haveria riscos ao trabalho. "Ele recebeu a preocupação com serenidade", disse o procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “Essa é um investigação que exige cautela, que exige uma produção probatória criteriosa.”
Contra os críticos, Janot tem como argumento o fato de que somente em meados de janeiro recebeu do ministro Teori Zavascki, relator do petrolão no Supremo, autorização para fracionar a investigação e pedir a abertura de inquéritos da forma como o fez na última terça-feira (3). Numa nota interna aos colegas, Janot justificou suas ações na Lava Jato. “Diante das inúmeras e naturais variáveis decorrentes de uma investigação de tamanha complexidade, fiz uma opção clara e firme pela técnica jurídica”, afirmou. “Afastei, desde logo, qualquer outro caminho, ainda que parecesse fácil ou sedutor.”
Há muita coisa em jogo. O mandato de Janot como procurador-geral da República se encerra. Nos bastidores, caciques no Congresso já falam em revidar caso ele seja reconduzido ao cargo. Os candidatos ao posto, mesmo em um segundo mandato, são sabatinados na Casa. A tensão política foi elevada à estratosfera após os pedidos para que os políticos sejam investigados. Encontros recentes de Janot com a presidente Dilma Rousseff e com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ajudaram a elevar a temperatura. Essas audiências foram recebidas com desconfiança no Parlamento, hoje chafurdando em suspeitas enquanto não se conhece a lista inteira do MP.
No dia 29 de agosto de 2013, um ano antes do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa começar a entregar os políticos do petrolão, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado realizou sessão extraordinária para ouvir o candidato ao cargo de Procuradoria-Geral da República. O plenário da CCJ ficou cheio. À frente dos parlamentares, sentou-se aquele que, se aprovado, teria os poderes constitucionais para investigá-los.
O sabatinado, um mineiro de cabelos brancos e gestos comedidos, explicou aos ouvintes o que se pode esperar de um procurador-geral da República. “É necessário, sim, agir com firmeza, tanto quanto é necessário atuar com prudência, serenidade e responsabilidade”, disse Rodrigo Janot. Os parlamentares gostaram do que ouviram e aprovaram o nome indicado pela presidente Dilma Rousseff para comandar a PGR. Prudência, serenidade e responsabilidade não têm faltado a Janot. Agora, o que se espera é firmeza.