Lula quebra o gelo com Chávez

10 de setembro de 2007 10:31

A refinaria Abreu e Lima é a mesma que teve a pedra fundamental assentada por Lula e Chávez, há dois anos. Desde então, arrastaram-se as negociações entre PDVSA e Petrobras, em meio a desconfianças crescentes nas duas estatais e a medidas nacionalizantes de Chávez, que afetaram ativos da brasileira em território venezuelano. A disputa em torno da refinaria parece, porém, mais comercial que política. Como os venezuelanos limitam a 40% a participação da Petrobras no campo de Carabobo, na Venezuela, os brasileiros querem condições “simétricas”, e, portanto, 60% da futura refinaria no Brasil. Está aí o principal impasse nas negociações, já que a PDVSA quer dividir meio a meio o empreendimento em Pernambuco.

A conversa de Chávez com Lula, em agosto, encerrou um silêncio de mais de dois meses entre os dois mandatários. A maior razão do esfriamento foram os comentários do venezuelano, que, em maio, chamou o Congresso brasileiro de “papagaio de Washington”, após a divulgação de uma nota do Senado sobre a emissora venezuelana RCTV, a principal do país, cuja concessão não foi renovada por Chávez. A declaração teve como resposta uma dura nota do governo brasileiro, e, desde então, rompeu-se a comunicação entre os dois presidentes – Lula, diziam seus assessores, estava muito irritado com o colega venezuelano.

A decisão de reatar contatos é atribuída à constatação de Lula de que ele e Chávez “estão precisando conversar”. Diplomatas graduados avaliam que, nas últimas semanas, Chávez fez comentários amistosos em relação ao Brasil e deu sinais de conciliação. A última conversa entre ele e Lula durou pouco mais de dez minutos, e, cordial, teve até perguntas sobre família.

Decidido a fazer avançar sua agenda para a América do Sul, Lula avalia que precisa coordenar ações com os principais parceiros, entre eles, claro, o ativo presidente venezuelano. Os dois devem conversar sobre a Unasul, antiga Casa, a comunidade dos países sul-americanos, a partir da qual o brasileiro quer assegurar a integração da infra-estrutura física do continente (inclusive a energia) e garantir a constituição da área de livre comércio entre os países da América do Sul. Outro ponto assegurado na agenda bilateral é, obviamente, o Mercosul, bloco do qual a Venezuela é um polêmico sócio entrante.

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Presidentes vão se encontrar no dia 20
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Mal informada sobre as atribulações do governo Lula com a área militar, a imprensa sul-americana, especialmente a argentina, viu o aumento, em 50%, no orçamento das Forças Armadas brasileiras, como uma resposta aos gastos militares de Chávez. Não faltarão “analistas” para apontar equivocadamente, nos futuro planos do Ministério da Defesa, uma ação preventiva contra o venezuelano – já que os estrategistas militares brasileiros vêem, na Amazônia, o principal teatro de operações das Forças Armadas do país no século XXI.

Chávez, sem dúvida, aumentou o poderio bélico da Venezuela, embora o troféu pelos maiores gastos com armamento e militares caiba ao Chile. Os chilenos, por leis dos tempos de Augusto Pinochet, derramam, nas casernas, 3,8% de seu PIB. Com uma economia 26% maior, a Venezuela, segundo o analista Fabián Calle, do Conselho Argentino para as Relações Internacionais, gasta menos da metade do que o Chile, em proporção do PIB (ainda que os chilenos falem em cortar gatos, e Chávez, em aumentá-los).

Se há preocupação com as compras bélicas de Chávez, elas se concentram mais na esfera da Polícia Federal, encarregada de reprimir o contrabando de armas. A compra de 100 mil fuzis e de mais 5 mil rifles russos, para armar a população, segundo Chávez, em caso de ataque vindo dos Estados Unidos, incomoda encarregados da segurança, no Brasil, pois é real o risco de descaminho das armas para as mãos de gente ligada ao tráfico.

No campo da guerrilha, as atenções de Chávez voltam-se a outras paragens, no que pode se tornar um espetacular ato de diplomacia bolivariana: sua oferta como mediador na negociação com as Forças Armadas da Colômbia (Farc) para libertação de milhares de reféns feitos pela guerrilha. Na sexta-feira, Chávez não conseguiu atrair a Caracas emissários das Farc e declarou estar disposto a se embrenhar na selva para conversar com o líder do grupo, Manuel Marulanda. Se for mal-sucedido na empreitada, será mais uma das bravatas do bolivariano; se, contra as expectativas, tiver êxito, terá marcado um ponto importante na disputa pela liderança na região.

Além do interesse pelos desdobramentos da política regional, Lula tem razões de pragmatismo econômico para não fechar janelas ao venezuelano. Como demonstra a negociação entre PDVSA e Petrobras na refinaria pernambucana de US$ 4 bilhões, as relações dos dois países são fonte de negócios importantes e de jogadas de peso no xadrez energético da região.

Os assessores de Lula gostam de repetir que Chávez segue comprando álcool combustível do Brasil, apesar da retórica anti-etanol, mas foi um golpe dolorido na estatal brasileira a decisão venezuelana de adicionar o poluente MTBE à gasolina no país, em vez do álcool com que a Petrobras contava abastecer o mercado vizinho. Esse foi um dos motivos para que a meta de exportação de 850 milhões de litros de álcool da Petrobras tenha se reduzido a meros 100 milhões, segundo a diretoria da estatal.

Há uma torcida em Brasília para que a petrodiplomacia venezuelana perca o fôlego, sob o peso da instabilidade econômica na Venezuela. Até lá, Chávez continuará muito ativo, com doações, promessas e compras de títulos da dívida nas Américas e continuará idolatrado por parte das esquerdas no continente.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras